Considerações sobre o problema das nacionalidades |Andrés Nin

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8 min readNov 15, 2017

Introdução e tradução por Hugo Ferreira

A liderança do POUM a marchar durante a Guerra Civil Espanhola (1936–39). Andés Nin é o segundo pela direita.

Andrés Nin, revolucionário catalão, fundador do Partido Operário de Unidade Marxista, aliado de Leon Trotsky contra Joseph Estaline, sequestrado, torturado, assassinado, esfolado e desmembrado por agentes de Estaline em Espanha durante a guerra civil, é um dos teóricos ainda pouco conhecidos e valorizados no campo da Esquerda. Mais abaixo, um dos seus textos sobre a Catalunha. Um texto que não subscrevo na íntegra, mas que é, sem sombra de dúvida, fundamental para compreender a “questão catalã” na década de 30 do século passado. Um texto, além do mais, que nos ilumina na tarefa essencial de compreender os diversos posicionamentos políticos nos nossos dias.

A nação é um produto directo da sociedade capitalista. A história antiga e medieval não conheceu na realidade a nação, a não ser unicamente os seus germes. O fundamento da nação é o desenvolvimento do intercâmbio, base económica do capitalismo. A nação desenvolve-se à medida que se desenvolve o capitalismo, porque é a forma que corresponde aos interesses de classe da burguesia. A nação é, pois, o resultado da aparição e do desenvolvimento do capitalismo e caracteriza-se pela existência de relações económicas determinadas, a comunidade de território, o idioma e a cultura.

Os países que não entraram no período de desenvolvimento capitalista não podem, na realidade, ser considerados como nações. A burguesia nacional tende em todas as partes a constituir-se em estado. O movimento de emancipação nacional expressa precisamente esta tendência.

A formação dos estados russo e austro-húngaro precedeu o desenvolvimento capitalista. A unidade estabelecida foi uma unidade absolutista e despótica. Em Espanha, a unidade produziu-se em termos semelhantes, e por isso Marx, referindo-se a esta realidade, pôde falar de estados de tipo asiático. A unidade espanhola foi uma unidade artificial e despótica, cimentada na dominação dos elementos semifeudais, dos proprietários e da Igreja. Isto explica no essencial o facto de serem precisamente os elementos mais reaccionários do país os que lançam a cruzada contra as aspirações nacionais da Catalunha.

Se Espanha tivesse sido um grande país industrial, não há dúvida que o capitalismo teria realizado a sua unidade e os problemas nacionais não surgiriam com a acuidade com que surgiram.

O movimento surgiu na Catalunha e foi aí onde adquiriu maior profundidade, precisamente porque se trata de um país industrial, cujos interesses eram incompatíveis com as reminiscências do feudalismo espanhol. Neste sentido, o movimento é progressista.

A luta das nacionalidades é um dos aspectos da revolução democrática, e portanto, está intimamente ligada com a luta de classes. Neste movimento, como no democrático em geral, a grande burguesia tende sempre a ceder ante o poder central. A pequena burguesia, pelo contrário, tende para soluções radicais. O exemplo da Catalunha é bastante eloquente e devemos insistir nele em particular.

Milicianos do POUM ao pé de um blindado durante a Guerra Civil Espanhola

O proletariado não pode ignorar a questão. Em todo o movimento de emancipação nacional há um conteúdo democrático, e o proletariado deve apoiá-lo incondicionalmente. Inimigo de toda a opressão, faltaria ao mais elementar dos deveres que a sua missão histórica lhe impõe se não se levantasse contra uma das formas mais acentuadas de opressão, a nacional. “O princípio das nacionalidades — diz Lenine — é historicamente inevitável na sociedade burguesa, e tendo em conta esta sociedade, o marxismo reconhece plenamente a legitimidade dos movimentos nacionais. Mas para que este reconhecimento não se converta numa apologia do nacionalismo, é preciso que se limite estritamente ao que nele há de progressista, de modo a que esse reconhecimento não conduza ao obscurecimento da consciência proletária pela ideologia burguesa”.

Os que sob o pretexto de defenderem o internacionalismo combatem os movimentos de emancipação nacional, na verdade fazem o jogo das classes exploradoras da nação dominante. O revolucionário espanhol que nega a nacionalidade catalã e o seu direito a dispor do seu destino, sustenta a absorção das restantes nacionalidades pela nação a que pertence. Não se deve confundir a Internacional com a Marcha de Cádiz. O facto de existirem movimentos nacionais reaccionários não é motivo para os comunistas se declararem adversários dos movimentos nacionais em geral. Isso seria o mesmo que defender a superioridade da forma monárquica sobre a república pelo facto de existirem repúblicas mais reaccionárias que algumas monarquias.

Antes da guerra manifestavam-se no movimento socialista internacional três tendências principais sobre esta questão: a dos oportunistas (os socialistas alemães e outros), a da esquerda (Kautsky, os bolcheviques) e da extrema-esquerda (Rosa Luxemburg, Radek e os socialistas polacos). Os primeiros sustentavam a necessidade da tutela dos países avançados sobre os atrasados. É, na verdade, o mesmo ponto de vista que no nosso país foi sustentado por Pestaña, a propósito de Marrocos. A extrema-esquerda adoptava uma posição internacionalista abstracta e afirmava que o proletariado não tinha por que interessar-se pelo problema nacional. A posição dos bolcheviques é a que herdou o Partido Comunista Russo e a III Internacional e que constituiu um dos factores que mais poderosamente contribuíram para a gloriosa vitória do mês de Outubro de 1917. Qual é no fundo a posição que o proletariado revolucionário deve adoptar?

Andrés Nin

Inimigos de toda a opressão, os comunistas devem aceitar tudo o que tenha de democrático o movimento nacional e reconhecer incondicionalmente o direito dos povos a dispor do seu destino. “Para que as diferentes nações — diz Lenine — possam viver juntas pacificamente ou separar-se quando lhes convenha, constituindo diferentes estados, é preciso um democratismo completo, sustentado pela classe trabalhadora. Nenhum privilégio para nenhuma nação, nenhum privilégio para nenhuma língua. Nenhuma opressão, nenhuma injustiça para a minoria nacional! Aqui está o princípio da democracia operária.”.

Do ponto de vista da democracia em geral, o reconhecimento do direito à separação diminui os perigos da desagregação do estado. Em geral, os povos não se decidem pela separação a não ser quando a opressão nacional torna insustentável a própria existência e dificulta as relações económicas.

O facto de o proletariado proclamar o direito de todos os povos à autodeterminação não significa que se identifique com a burguesia nacional e, muito menos, que queira subordinar os interesses de classe aos nacionais.

Nenhum democrata sincero — e os comunistas são os democratas mais consequentes — pode pronunciar-se contra o direito dos povos a dispor do seu destino. Mas isso não significa que o defendam, só por si, quer dizer, que os comunistas, como faz, por exemplo, o Bloco Operário e Camponês, se declarem como separatistas. O antídoto mais poderoso contra a balcanização de Espanha, que seria fatal aos interesses económicos da península, é precisamente o pleno reconhecimento do direito à separação.

A burguesia não pode resolver o problema das nacionalidades, como não pode dar solução a nenhum dos problemas inerentes à revolução democrática. Uma sociedade baseada na opressão não pode resolver um problema de liberdade como é o problema das nacionalidades. O pós-guerra deu-nos uma prova eloquente disso mesmo. Como disse um escritor, antigamente existia na Europa uma Áustria-Hungria. Agora há vários. O problema nacional não foi resolvido em nenhum país burguês. Na Polónia, os polacos, que representam 52% da população, estão submetidos aos ucranianos, aos judeus, aos russos brancos e aos alemães. No novo estado checoslovaco, a nação hegemónica, os checos, que representam 44% da população, estão submetidos aos alemães, aos eslovacos, aos húngaros e aos judeus. Na Jugoslávia, os sérvios constituem 42% da população e as minorias nacionais de croatas, eslovenos, alemães e húngaros não gozam de nenhum direito. E não falemos mais dos países dos Balcãs. Estados artificiais, que vivem graças à caridade das grandes potências imperialistas para que formem um cordão ao redor da Rússia soviética.

Placa em memória de Andrés Nin, assassinado por agentes do NKVD durante a Guerra Civil Espanhola

A Rússia oferece-nos, nesta e noutras questões, um exemplo vivo da aplicação da verdadeira táctica do marxismo revolucionário. Contrariamente ao ocorrido em 1905, as nações oprimidas tiveram uma participação muito activa na revolução de Fevereiro de 1917, o que se explica pela circunstância de, graças ao desenvolvimento do capitalismo naqueles 12 anos, o movimento nacional ter tido um extraordinário impulso. É evidente que, inicialmente, foram os elementos da pequena burguesia os que se puseram à frente do movimento e quiseram substituir o domínio da burguesia russa pela autóctone. Mas graças sobretudo à acertada política dos bolcheviques, o movimento foi evoluindo, e na Assembleia Democrática convocada por Kerenski a maioria dos representantes das nacionalidade votaram contra a coligação com a burguesia. O governo provisório prometeu muito, mas na prática não fez nada, deixando sempre a questão para a Assembleia Constituinte. Na verdade, não só não cumpriu as suas promessas, como realizou um política que no essencial se diferenciava pouco do czarismo. Assim, por exemplo, pronunciou-se contra a decisão de autonomia adotada pela RADA [1] ucraniana e dissolveu com as armas o SEIM [2] finlandês. É verdade que reconheceu a independência da Polónia. Mas fê-lo quando este país estava ocupado pelos alemães. Foi motivado pela escandalosa atitude do governo provisório a propósito da Finlândia que Lenine formulou com uma precisão admirável o ponto de vista do marxismo revolucionário. Os democratas burgueses, apoiados pelos mencheviques, diziam que a questão das relações entre o SEIM finlandês e a Rússia não podia ser resolvida senão pelo acordo entre a Finlândia e a Assembleia Constituinte. Lenine combateu energicamente este ponto de vista, afirmando a liberdade da Finlândia de separar-se da Rússia. A forma do acordo, dizia, não resolve nada porque “o que se fará se o acordo não se concretiza”? O acordo só é possível se o direito à separação for proclamado. Deve haver igualdade de direitos: a Rússia tem de mostrar-se de acordo, mas a Finlândia também. Que surpreendente analogia entre o caso da Finlândia em 1917 e da Catalunha em 1932!

Os bolcheviques, chegados ao poder, puseram imediatamente em prática o seu programa, proclamando o direito de todos os povos que formavam o antigo império a dispor do seu próprio destino. Hoje a União Soviética é uma das confederações de povos livres, na qual o problema nacional não existe de facto.

Resumamos estas considerações aplicando-as ao caso concreto de Espanha.

A questão catalã não é mais que um aspecto da revolução democrática em geral. Esta revolução foi ignorada e, como consequência, está prestes a ser ignorada a única solução democrática que se pode dar ao problema catalão: o direito indiscutível da Catalunha a dispor do seu próprio destino, incluindo separando-se de Espanha, se essa for a sua vontade. As Cortes Constituintes não resolveram, nem podem resolver o problema. A revolução democrática está por fazer. A luta continuará. O proletariado, nesta luta, estará com as nacionalidades, com o seu movimento de emancipação, que tem um carácter progressista e contra o unitarismo absorvente, que é a reacção, e os operários de fora da Catalunha acentuarão particularmente o direito das nacionalidades a disporem do seu próprio destino. Os operários catalães combaterão o chauvinismo da “sua” burguesia, as suas tentativas de fundir a luta de classes na luta nacional e afirmarão a solidariedade de todo o proletariado da península na luta comum contra todas as formas de opressão. O desenvolvimento desta luta demonstrará que o problema das nacionalidades oprimidas não pode ser resolvido senão pela ditadura do proletariado.

[1] Órgão legislativo ucraniano, correspondente ao Parlamento.

[2] Órgão legislativo finlandês, correspondente ao Parlamento.

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