Haiti: Exploração e Luta

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16 min readAug 31, 2017

Amarildo A. Vieira*

Para compreender a realidade do Haiti é preciso fundamentalmente resgatar a história da luta dos negros contra a exploração colonialista e imperialista. Em hipótese alguma pretendemos atingir essa premissa nessas poucas linhas, todavia, creio ser possível estabelecer alguns delineamentos históricos que permitam ao leitor escapar aos clichês e mazelas da dominação que visa justificar e legitimar as formas mais infames de exploração. Este pequeno artigo pretende, portanto, contrapor a apologia de uma irracionalidade que justifica as ações mais infames e hediondas do capital; a condensação das contradições económicas e sociais a um suposto conflito entre civilizações ou, em virtude de leis da natureza ou mesmo religiosas.

Haiti: Colonialismo e Revolução

A parte oriental — chamada de Hispaniola- da região que atualmente chamamos de Haiti esteve sob o julgo do colonialismo espanhol de 1492 a1697. Desde o início a nação mais desenvolvida da Europa civilizada subjugou os habitantes originários da ilha do Mar do Caribe utilizando-se de uma série de expedientes bárbaros e infames que levaram ao extermínio de milhares de nativos.

Os Espanhóis, […]. Introduziram o cristianismo, o trabalho forçado nas minas, o assassinato, o estupro, os cães de guarda, doenças desconhecidas e a fome forjada (pela destruição dos cultivos para matar os rebeldes de fome). Esses e outros atributos das civilizações desenvolvidas reduziram a população nativa de estimadamente meio milhão, ou talvez um milhão, para sessenta mil em quinze anos. (JAMES, 2010, p.19)

Nessas circunstâncias, o padre dominicano Bartolomeu de Las Casas liderou um movimento que visava proteger os povos nativos da barbárie colonial, ou melhor, salvá-los do extermínio definitivo. Para tanto firmou um acordo com a metrópole espanhola, que decretou a abolição do trabalho forçado ou repartimientos, todavia em nenhum momento tal medida se concretizou, ou seja, a exploração hedionda da mão de obra nativa manteve-se intacta. Las Casas, sensibilizado com a exploração desumana que condenava ao desaparecimento por completo do povo originário haitiano, recorreu ao não menos infame expediente da importação de mão obra escrava africana. Dessa forma, em 1517, o Rei Carlos V permitiu a compra de aproximadamente quinze mil escravos para a colónia. Assim, estava sacramentado e abençoado o tráfico e a escravidão negra na colônia do Caribe e, portanto no continente americano.

Em meio a invasões, saques e conflitos armados foi assinado, em 1685, o tratado de Reyswick entre França e Espanha, que concedeu aos franceses o direito legal de colonizar a parte oriental da ilha que passou se chamar São Domingos. Envolta nas malhas monopolistas do antigo sistema colonial, em 1739, a colónia das Índias Ocidentais de São Domingos representava dois terços do comércio exterior da França, além de se constituir no maior mercado individual para o tráfico negreiro europeu. Nascia a alcunha de “Pérola das Antilhas”.

Assim, a colônia de São Domingues se constituiu em “parte integral da vida econômica da época, a maior colônia do mundo, o orgulho da França e a inveja todas as outras nações […]. A sua estrutura era sustentada pelo trabalho de meio milhão de escravos. ” (JAMES, 2010, p. 15)

Em 1791, os escravos liderados pelo ex-escravo Toussaint L’Ouverture[1] revoltaram-se, dando início a uma guerra de libertação que se estendeu por doze anos, sendo que em 1794 foi conquistada a abolição da escravidão. Para tanto os negros rebelados enfrentaram e venceram colonos brancos, invasões espanholas e uma expedição britânica constituída por sessenta mil soldados. Pressionado internamente, em 1794, o Estado francês declarou a abolição da escravidão em suas colónias. Entretanto, sob o comando de Napoleão Bonaparte é iniciado um processo que visava à restauração do domínio absoluto sobre a colónia de São Domingo. Nesse ínterim, Toussaint foi aprisionado por uma expedição militar francesa e enviado para a metrópole, onde, em 1803, encarcerado veio a falecer.

Entretanto, o movimento revolucionário haitiano havia forjado outras lideranças e sob o comando do ex-escravo Jean-Jacques Dessalines o povo negro haitiano derrotou de forma fragorosa e humilhante a França napoleónica. A maior vitória militar, aquela que consagraria a revolta dos escravos negros haitianos como a única revolta de escravos vitoriosa da história, ocorreu em 1803. Sendo proclamada a independência do Haiti[2] em 1° de janeiro de 1804. Assim, forjado pelos grilhões da escravidão e pelos auspícios da revolução emerge o Estado negro do Haiti, que luta até os dias atuais por sua soberania e autodeterminação.

Imperialismo e resistência

O sociólogo haitiano Franck Seguy chama a atenção para o fato da existência de um ardil imperialista que naturaliza a situação de miséria que assola o Haiti. Para tanto define-se arbitrariamente o país caribenho como “o país mais pobre das Américas, um dos mais pobres do mundo”. Dessa forma, é usurpado o processo histórico que conduziu o Haiti a tragédia vivida na realidade presente. É como se tudo, absolutamente tudo, o que se passa no Haiti emanasse de leis naturais ou dos castigos impostos pelas forças divinas, isto é mais precisamente pela ira do deus cristão que preterido pela magia Vodu amaldiçoou [3] os negros da ilha caribenha.

Ora, somente analisando cuidadosamente a história do Haiti em sua totalidade é possível identificar as raízes que conduziram o país ao que ele é na realidade presente. Para Seguy “Exploração e Luta são duas categorias que podem sintetizar essa história”. Nessa perspectiva o historiador haitiano, Benoit Joachim, afirma que a colonização francesa no Haiti, levada a cabo no contexto da acumulação primitiva de capital foi extremamente predatória e perversa. E se por um lado, atendeu aos interesses da burguesia francesa sedenta pela acumulação de capital, por outro, condenou o Haiti a carregar um perverso fardo colonial que martiriza o seu povo até os dias de hoje.

Enquanto a exploração da terra e dos homens na colónia de Saint-Domingue [atual República do Haiti] contribuiu fortemente para enriquecer a burguesia francesa e acelerou o desenvolvimento do capitalismo na metrópole, em contrapartida o povo que sucedeu aos escravos, cujo duro labor havia permitido essa acumulação do capital em metrópole, não herdou nada mais que solos usados, superfícies em grande parte calcinadas, restos por último. (JOACHIM apud SEGUY, 2010, p. 10)

O fato incontestável incide no pressuposto de que o colonialismo não poderia em hipótese alguma cogitar conceder a liberdade para uma nação que ousou cometer o “pecado original” de ter sido concebida por uma revolução de escravos, no exato momento em que o sistema esclavagista emergia em importantes colónias do continente como os Estados Unidos, Cuba e Brasil. E o colonialismo francês não se fez de rogado, ao contrário, adotou medida exemplar por meio de um embargo internacional que obrigou o Haiti a arcar com uma pesada dívida a título de indemnização a metrópole exploradora. Em 1825, o Haiti foi obrigação a pagar 150 milhões de francos-ouros à França para que fosse reconhecida a sua Independência. Segundo Seguy (2010) “Esse valor, que era quatro vezes o orçamento público da república francesa naquela época, foi avaliado em 2003 em 21 bilhões de dólares.”

Ora, como o Estado haitiano poderia conseguir arcar com tamanho endividamento, senão por meio da exploração em larga escala das suas riquezas naturais e por consequência pela superexploração do trabalhado.

O desenvolvimento sem precedentes das explorações florestais no Haiti durante o século XIX foi sublinhado por todos os testemunhos. As madeiras de tinturas e deconstrução […] impuseram-se pelo seu volume crescente à exportação. Todos os navios que deixam os portos haitianos levaram pau-campeche (a madeira vermelha) […]. A variedade de ‘madeira de salino’, cujas qualidades tintoriais foram postas em valor por uma longa imersão de três semanas a dois meses antes de chegar ao porto de embarque, ia principalmente a Le Havre [e Marselha]enquanto a ‘madeira de cidade’, de importância menor, fora utilizada na Inglaterra, na Alemanha, nos Estados Unidos (JOACHIM apud SEGUY, 2010, p. 11).

Não obstante, com a total destruição da produção açucareira durante a revolução, os ex-escravos se viram obrigados a se dedicarem a agricultura de subsistência, o que conduziu o país ao total isolamento da economia mundial. O Haiti revolucionário, portanto, não reuniu as condições necessárias para escapar a determinados condicionamentos históricos forjados pela sua via colonial sendo condenado ao hiperatraso económico, a subordinação ao imperialismo e ao martírio das tiranias mais abjetas que sobrevivem e se impõem até o momento presente.

Com efeito, o perverso fardo colonial posto em tela se constituiu em fio condutor e justificativa para a primeira invasão — 1915–1934- imperialista[4] estadunidense ao Haiti. Sendo que a rapinagem, a violência e a superexploração da classe trabalhadora haitiana foram os expedientes utilizados pelos invasores para garantirem seus interesses. Nessa conjuntura, a primeira medida foi saquear o Banco Central Haitiano, transferindo suas reservas para os Estados Unidos. Simultaneamente expulsaram os trabalhadores de suas terras com a finalidade de superexplorá-los nas plantações de cana-de-açúcar em Cuba e na República Dominicana. Dizia-se que: “a mão-de-obra negra é mais rentável e menos dispendiosa”.

No lugar dos trabalhadores negros as terras haitianas conheceram seus novos proprietários que de imediato introduziram empresas capitalistas de produção de açúcar, borracha e banana. Dentre essas empresas destacam-se: a Haytian American Sugar Company (HASCO) que saqueou 7.532hectares; a Haytian Products Company, que saqueou 3.166 hectares; a HADC que saqueou 4.410 hectares; a Société Haïtienne de Développement Agricole que saqueou 12.403 hectares. O resultado é que parte significativa dessas terras foram transformadas em deserto e, portanto inapropriadas para o cultivo gerando um enorme êxodo rural, sobretudo em direção a capital Porto Príncipe.

É importante ressaltar que todas as medidas exploratórias aludidas foram sem nenhuma contestação endossadas pela burguesia haitiana, pois está sempre almejou ser a lacaia confiável do imperialismo estadunidenses em território haitiano. Mesmo que para isso fosse preciso usar a violência extrema para reprimir e aniquilar qualquer forma de resistência da classe trabalhadora. Todavia, mesmo em condições extremamente adversas os trabalhadores não abdicaram da resistência perante a dominação imperialista. Ao passo que, nos anos trinta do século passado se organizaram em sindicatos e fundaram o Partido Comunista Haitiano- PUCH.

Entretanto, com a vitória da revolução cubana (1958) o imperialismo estadunidense, temendo uma nova revolução haitiana, imediatamente financiou e viabilizou, sem nenhuma cerimônia, um golpe de Estado no país caribenho. Estava instaurada uma das ditaduras mais violentas do continente, isto é a ditadura sanguinária de François Duvalier, o Papa Doc[5]. Sendo substituído pelo filho, o não menos sanguinário, Jean-Claude Duvalier, codinome Baby Doc.

A ditadura possibilitou a Papa Doc desfechar o golpe mais violento contra o PUCH. Para tanto contou com o apoio da CIA que infiltrou o espião Frank Eyssalem estrategicamente na comissão militar do partido. O resultado foi o assassinato, no início da década de 70, de praticamente toda a direção comunista, algo em torno de 200 dirigentes. Uma vez dilacerada as organizações de esquerda o imperialismo e a burguesia haitiana encontraram o terreno livre para subjugar e impor aos trabalhadores e trabalhadoras haitianas as formas mais bárbaras de dominação política e exploração económica.

O mito do imperialismo humanitário e a função do Brasil

No atual estágio de desenvolvimento do capitalismo o imperialismo assume uma nova configuração, logo, afirma-se que esse novo imperialismo é portador de um caráter mais liberal supostamente mais “humano” e, portanto mais sintonizado com a realidade histórica presente. Ora, se por um lado é fato notório que o imperialismo nessa nova fase apresenta em seu núcleo diversas alterações e novidades, dando início a um novo patamar em sua historicidade, por outro lado é fato inconteste que o capital mantém intacta a sua necessidade de expansão como condição fundamental para a manutenção do sistema em sua integridade. Nesse diapasão, as grandes corporações se constituem na ponta de lança da expansão do capital-imperialista em direção aos países da periferia do sistema, mantendo, dessa forma, a exploração do trabalho como a pedra de toque da acumulação.

Fuzileiro brasileiro que participa na missão brasileira no Haiti.

Nessa quadra, em 1994 o presidente eleito do Haiti, Jean-Bertrand Aristide[6], adotou um programa económico de talhe neoliberal forjado pelo governo de Bill Clinton[7] que apresentava como centro nervoso o reajuste de liberação financeira e comercial. Estava traçado definitivamente o caminho para as privatizações das estatais, da destruição da agricultura familiar e para a liberação da implantação de zonas francas. O impacto sobre a classe trabalhadora haitiana foi devastador: migração forçada do campo para a cidade, explosão demográfica na capital Porto Príncipe[8], aumento do desemprego, aumento da escalada da violência urbana, explosão da violência contra a mulher e agravamento dos problemas sociais.

Segundo Aristides esse era o único caminho a ser trilhado pelo Haiti e o povo haitiano não teria alternativa a não ser se submeter aos interesses do imperialismo “humanitário” estadunidense mesmo que isso representasse as condições mais aviltantes de existência.

“A única maneira racional de seguir é refletir bem sobre o equilíbrio relativo entre os interesses, compreender o que os americanos querem, lembrar do que queremos e avançar o possível sobre os pontos de convergência existentes.”

E segue, com o brilhantismo costumeiro:

“ […] sem os americanos nós não poderíamos ter restaurado a democracia.”

Nessas circunstâncias, em 2002, as zonas francas[10] foram implantadas em áreas isoladas, onde estão livres de tributação[11] e do cumprimento de condições mínimas de trabalho. Assim, as grandes corporações encontraram o terreno propicio e seguro para o incremento da superexploração da força de trabalho haitiana.

A Companhia de Desenvolvimento Industrial (Codevi), que pertence ao grupo dominicano M, é sub- contratada por grandes multinacionais do ramo têxtil –Lévi’s, Hanes, Wrangler, Nike, Adidas e outras — para produzir matéria-prima ou manufatura para essas empresas. Por exemplo, calças jeans fabricadas nas zonas francas do Haiti são compradas em grande quantidade por essas empresas por 5 dólares a unidade e vendidas nos mercados norte-americano e europeu por no mínimo50 dólares cada. Como isso é possível? Por causa da superexploração do trabalhador haitiano (MELANE, p.27–28).

É fato notório que para a manutenção de forma tão aviltante de exploração é necessário a repressão violenta a qualquer iniciativa de organização e resistência, por isso, os sindicatos, as greves e qualquer forma de manifestação dos trabalhadores são duramente reprimidas. A Universidade de Porto Príncipe, não raro, é invadida pelas forças da MINUSTAH [12 ]— Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti. Nos bairros pobres e nas favelas[13], a violência da polícia nacional, dos soldados das “tropas de paz”[14] da ONU e de grupos paramilitares é constante.

Enfim, os Estados Unidos e a ONU, com o apoio militar da MINUSTAH, comandada pelo exército brasileiro, foram responsáveis por impor um dado estágio de exploração que a burguesia haitiana se mostrou incapaz. Em outros termos, o imperialismo tendo na ONU sua grande articuladora e no Brasil seu braço armado impôs à classe trabalhadora haitiana as formas mais bárbaras de exploração visando salvaguardar seus interesses.

Superexploração da mulher: a face “humana” do imperialismo

No Haiti o imperialismo “humano”, por meio das forças “humanitárias” da ONU, vem demonstrando todo seu humanitarismo ao longo do período de invasão (2004–2017), sobretudo em relação às mulheres e as crianças que são sistematicamente vítimas de estupros perpetrados por policiais haitianos ou militares a serviço da ONU, especialmente nas áreas mais pobres e nos campos que abrigam as vítimas do terremoto que devastou o país em 2010. Estima-se que mais de 36 mil mulheres — adultas, adolescentes e crianças — foram estupradas na capital Porto Príncipe. Mais da metade das vítimas tinham menos de 18 anos, sendo que 16% — uma em cada seis vítimas- tinham menos de dez anos. Nenhum criminoso foi julgado e condenado.

Mas a violência contra a mulher haitiana não se restringe a barbárie dos estupros ou pela exploração da prostituição. A violência se estende pela opressão e superexploração da força de trabalho feminina[15] nas zonas francas. Dado que, a indústria têxtil emprega aproximadamente 62% das mulheres contra 38% dos homens.

Vitima maior da exploração do capital-imperialista a mulher haitiana se encontra totalmente vulnerável as formas mais hediondas de controle social. Não raro, as operarias, em momentos de radicalização da luta de classes, são as principais vítimas da repressão patronal. Seja por meio da violência policial, psicológica ou mesmo por meio de atentados contra a saúde da mulher. Vale dizer que, o caso de maior repercussão foi a vacinação forçada, em 2004, dos/das operárias da zona franca de Ouanaminthe, após violenta repressão contra o movimento operário que lutava para a constituição de seu sindicato.

Segundo a União dos Médicos Haitianos (UMHA), foram injetados nas operarias/os uma substância similar a Depo-provera que, por sua vez, é encontrada em anticoncepcionais. Os efeitos nas mulheres foram devastadores: perturbações sexuais, alterações no ciclo menstrual, ameaças de aborto e abortos e mortes fetais.

Alertada pela organização Batay Ouvriye e outros setores da população, a União dos médicos haitianos decidiu realizar uma pesquisa sobre o estado de saúde dos trabalhadores em zona franca na fronteira haitiano-dominicana de Ouanaminthe devido a campanhas de vacinação realizadas pela clínica da zona franca — “Clínica CODEVI”. Como resultado dessas campanhas vários trabalhadores dizem ter apresentado distúrbios da menstruação, distúrbios sexuais e ameaças de aborto e até aborto. Segundo muitos deles, a vacinação contra o tétano toxóide seria um pretexto para forçá-los a esterilização. (UMAH, 2004: 3)

Fica evidente, portanto, que a repressão e a violência sexual contra as mulheres nas fábricas localizadas nas zonas francas haitianas se constituem como instrumentos para a garantia da superexploração da força de trabalho visando, assim, salvaguardar o excedente para a acumulação do capital-imperialista.

Nas condições apresentadas a convocação do movimento operário haitiano para que as/os trabalhadoras/res “De uma maneira estruturada e bem-organizada. Sem trégua e comforça” lutem contra a exploração imperialista e pela consequente expulsão das forças de “paz” da ONU torna-se tarefa incontornável para a emancipação da classe trabalhadora haitiana.

Nessa quadra, deve estar presente que a luta da classe trabalhadora haitiana é parte integrante da resistência contra a dominação imperialista em toda a América Latina. Dado que, o internacionalismo expressa uma necessidade histórica gerada pelo caráter mundial da economia capitalista que, ao se expandir, internacionalizou simultaneamente a luta de classes. Ao passo que, na conjuntura presente, o internacionalismo se constitui como um dos principais pilares da estratégica de organização do proletariado na luta contra o capital-imperialista.

*Hitoriador e professor no UNISED, Brasil.

Notas

[1] Toussaint L’Ouverture tinha como projeto político transformar a ilha de São Domingos em um Estado independente aliado de primeira ordem da França Revolucionária e referência para as ideias progressistas na região do mar do Caribe e no continente americano.

[2] Jacob Gorender (2010) destaca que: “Algumas causas objetivas favoreceram a eclosão do movimento rebelde e seu triunfo. A colônia francesa, então a mais próspera do continente americano. Graças à produção açucareira, concentrava meio milhão de escravos, em sua maioria africanos, num território de cerca de trinta mil quilômetros quadrados. Esse formidável contingente era dez vezes maior que os dos brancos de origem francesa — senhores e auxiliares imediatos. Um pequeno segmento intermediário, constituído por mulatos e negros libertos, era tratado de maneira discriminatória pelos brancos e se colocou contra eles, no decorrer da luta. Por último, o domínio colonial sofreu forte abalo com a deflagração da revolução na Metrópole, em 1789. As ideias da Revolução Francesa foram acolhidas pelas mentes receptivas da liderança dos escravos rebelados, os jacobinos negros, como denomina C.L.R. James.

[3] Segundo o imperialismo e o fundamentalismo religioso o povo haitiano paga o preço por ter feito um “pacto com o diabo” para se livrar da dominação francesa.

[4] No século XIX, o Haiti foi diretamente atingido pelas doutrinas imperialistas estadunidenses: a doutrina Monroe (A América para os americanos) e a doutrina do destino manifesto. No século XX, o big stick (o grande porrete) que fora forjada pelo governo Theodore Roosevelt.

[5] A ditadura de Papa Doc perdurou no Haiti de 1957 a 1971 ano de sua morte. A ditadura de Baby Doc vigorou de 1971 até a sua deposição em 1986.

[6] Cidade cuja arquitetura foi concebida para abrigar somente 500 mil habitantes, hoje, concentra uma população de quase três milhões de pessoas. Esse fato contribui decisivamente para o elevado número de vitimas no terremoto de 2010. Segundo estimativas o número de mortes excede a casa dos 100 mil.

[7] Entrevista disponível em http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=44958 .

[8] No Haiti existe três grandes zonas francas. A primeira está situada em Cabo Haitiano,. A segunda está localizada na região de Ouanaminthe, na fronteira com a República Dominicana, e a maior das três está situada em Porto Príncipe.

[9] Lei HOPE — Haitian Hemispheric Opportunity through Partnership Encouragement –, implementada em 2006, impede que o Estadohaitianocobretarifas dequalquer mercadoria produzida pela indústria têxtil dos Estados Unidos com destino ao Haiti ou que saia do Haiti com destino aos Estados Unidos.

[10] A Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH) foi criada por Resolução do Conselho de Segurança da ONU, em fevereiro 2004. O governo de Luis Inácio lula da Silva aceitou a missão de comandar o componente militar da Missão (2004–2017), que tem a participação de tropas de outros 15 países.

[11] Desde 2004 uma série de massacres cometidos pelas tropas da ONU aconteceram de Cité Soleil, maior favela da capital Porto Príncipe. Sendo que, após o que ficou conhecido como o massacre de número 12 Cité Soleil em 2008, ocorreram manifestações de até 10 mil pessoas pedindo a saída das tropas internacionais. A organização de monitoramento de mídia e censura Project Censored elegeu o massacre a “12ª História mais Censurada de 2008”

[12] Quem quiser conhecer o verdadeiro papel da Minustah no Haiti é só ir a Site Solèy, a maior e mais pobre favela de Porto Príncipe. Ali, a população contará quantas crianças foram assassinadas pelas balas humanitárias da Minustah e dos soldados brasileiros; quantas mulheres grávidas foram mortas em decorrência da missão de paz de Lula, enquanto dormiam… Em Site Solèy, muitas crianças são órfãs hoje porque um soldado do Brasil recebeu um salário mensal de 6 mil dólares para matar seus pais. Com esse dinheiro, aquele soldado, quando voltar ao Brasil, compra um apartamento para viver com sua própria família. (SEGUY, 2010, p.15)

[13] Uma costureira na capital Porto Príncipe recebe US$ 0,50 por hora. É uma remuneração inferior aos US$ 3,27 pagos no Brasil e muito abaixo dos US$ 16,92 dos EUA, conforme a consultoria Werner. O valor é inferior até aos US$ 0,85 pagos no litoral da China e perde apenas para os US$ 0,46 do Vietnã e os US$ 0,28 de Banglade. Fonte: Missão de paz abre oportunidades para empresas brasileiras no Haiti, de Raquel Landim. In: Valor Econômico,15/08/2008 ou http://www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?cod=48

Bibliografia:

JAMES, C. L. R (2010), Os Jacobinos Negros. São Paulo. Boi Tempo Editorial.

JORGE, Otávio Calegari (2010), A ocupação militar do Haiti e os interesses estrangeiros antes e depois do terremoto. In Revista Puc Viva. São Paulo.

MELANI, Ricardo (2010), Superexploração e destruição da “Pérola das Antilhas”, em Revista Puc Viva. São Paulo.

MESZÁROS, István (2002), Para além do capital: rumo a uma teoria da transição, São Paulo: Boitempo.

MICHAËLLE, Desrosiers (2014), Trabalho, Mulheres Negras e zonas francas no HAITI Contemporâneo: O “Empresariado Humanitário” Neocolonial em movimento. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências humanas, Campinas.

SEGUY, Franck (2009), Globalização neoliberal e lutas populares no Haiti. Crítica à modernidade, sociedade civil e movimentos sociais no estado de crise social haitiano. 218 f. (dissertação de Serviço Social). Universidade Federal de Pernambuco.

SEGUY, Franck (2010). “O Haiti se liberta ou irá desaparecer” em Informandes, nº 4, Belém.

SEGUY, Franck (2010), “Seis séculos de veias abertas” em Revista Puc Viva, São Paulo.

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