Vasco Santos. BE e PCP “têm a responsabilidade de criar alternativa”

Praxis Magazine
Praxis Magazine
Published in
6 min readNov 20, 2017

Praxis Magazine

Vasco Santos

Para ti o que é o activismo e a militância?

Em primeiro lugar, acho que o activismo vem sempre de uma vontade pessoal que responde a uma ou várias necessidades individuais e que só nos aparecem/apercebemo-nos delas como colectivas quando partimos para a acção e nos organizamos. Ou seja, parte de necessidades concretas postas pela realidade, pela vida das pessoas e consolida-se quando compreendemos que essas necessidades são as mesmas daqueles que nos rodeiam e passamos a agir organizadamente. Hoje em dia, existem muitos activistas individuais cuja actividade é muito valiosa, mas pela desconfiança que existe com estruturas organizativas, como, por exemplo, os sindicatos ou os partidos, não dão o salto qualitativo que poderiam dar se estivessem organizados. Não se pode dizer que essa desconfiança não tem fundamento. Ela é fruto de várias experiências falhadas, traições, desilusões por que têm passado e torna-se fácil achar empiricamente que todas as formas de organização são iguais. É importante que esses activistas se organizem, que tenham a ousadia de arriscar e fazer a experiência, que sejam eles o motor da mudança do que existe e construam novas formas e estruturas, até para poder evitar que experiências negativas anteriores se repitam. Hoje existe um divórcio entre as pessoas, os sindicatos e os partidos, e se isso continuar os trabalhadores continuarão sem a representação necessária, quer sindical quer política.

“Existem muitos activistas individuais cuja actividade é muito valiosa, mas pela desconfiança que existe com estruturas organizativas, como, por exemplo, os sindicatos ou os partidos, não dão o salto qualitativo que poderiam dar se estivessem organizados”

Nos primeiros anos da troika, os movimentos sociais assumiram uma nova relevância no combate político. Que análise fazes desses movimentos?

Foram processos altamente progressivos que, pela primeira vez em muitos anos, arrastaram para a rua multidões. Desde o 25 de Abril que manifestações não organizadas por partidos ou sindicatos não tinham este tipo de dimensão. Envolveram muita gente que estava afastada da política, muitos participaram numa manifestação ou assembleia pela primeira vez. Foi muito radicalizado em resposta à própria radicalidade da troika e do Governo, e teve um carácter muito à esquerda, se tomarmos como referência aquilo que as pessoas diziam e levavam escrito para as manifestações. Cada um levava um programa individual que na realidade se podia conjugar num programa comum. Quanto ao Governo, este só não caiu nessa altura porque o PCP e o BE não o quiseram e o movimento desapareceu com o beneplácito destes dois partidos que queriam levar a luta até ao voto.

Que lições se podem retirar?

O facto dos movimentos não terem conseguido construir uma alternativa política limitou a sua esfera de acção e, em última instância, a sua existência.

Um dos problemas que impediu a construção de alternativa política foi o facto de a democracia de base não ser a regra para decidir a continuidade e a resposta a dar ao momento que vivíamos. Desta forma, o movimento acabou por passar de manifestações de massas para manifestações culturais e reuniões de meia dúzia de pessoas. Isto não foi assim em todo o lado, mas onde se jogava o papel decisivo foi assim. Contudo, a “onda” criada pelo movimento teve força suficiente para influenciar o momento político e para ainda hoje ter eco. A própria geringonça é, em parte, consequência deste processo e dificilmente se teria concretizado sem tudo o que se passou nos últimos anos. Quem participou nestes processos estava afastado dos partidos da direita e do PS, que passava por uma crise muito parecida com a que viviam os outros partidos congéneres europeus. Havia espaço para a construção de algo novo, com força de mudança. É pena que BE e PCP estejam agora a maquilhar o PS de esquerda e a alimentar de novo ilusões em quem está interessado em manter tudo como está, em vez de apostarem numa real alternativa à austeridade. É preciso deixar claro que não haverá saída possível sem ser através da organização e da luta.

Que análise fazes do actual momento político que se vive em Portugal?

BE e PCP, presos ao PS nesta solução de Governo, vão aceitando austeridade encapotada em troca da devolução parca de rendimentos. Isto não é nenhum ganho. São as condições de vida de há mais de sete anos a serem devolvidas migalha a migalha. Não existe verdadeira recuperação de rendimentos, não existe aumento do salário mínimo que corresponda minimamente às necessidades da população, os direitos laborais pré-troika ainda não foram revertidos, a precariedade continua a ser a regra no mundo do trabalho, não há um combate às empresas de trabalho temporário. A função pública, responsabilidade directa e alvo permanente dos anteriores e do actual Governo, é o exemplo acabado de que a austeridade se mantém e qualquer recuperação é sempre por partes e a prazo.

Por outro lado, a direita tenta reorganizar-se pegando em bandeiras que a esquerda parlamentar não pega por estar atrelada ao Governo, como o caso dos incêndios, dando azo a que possam surgir de novo como alternativa depois de se livrarem de Passos Coelho.

“Os direitos laborais pré-troika ainda não foram revertidos, a precariedade continua a ser a regra no mundo do trabalho, não há um combate às empresas de trabalho temporário”

Que perspectivas tens para a situação política portuguesa nos próximos tempos? E para os movimentos sociais?

PC e BE têm de parar o apoio ao Governo, quase que independentemente das consequências que daí advenham. Não podem votar favoravelmente medidas que afirmam não apoiar. Têm é de construir a resposta que eles dizem defender, juntamente com todos os que preconizam uma resposta diferente da que tem sido consecutivamente aplicada pelos sucessivos governos PS e PSD/CDS aos problemas da sociedade. Não se pode estar sempre com o bicho papão da direita para ter de escolher entre austeridade e austeridade com ar soft, como também não podemos dizer que queremos salário mínimo de 600 euros, o que já de si é manifestamente pouco, e aprovar um orçamento que o nega. Se é verdade que existem devoluções de rendimentos estas nem sequer correspondem ao período pré-troika e o pagamento da dívida continua a ser a preocupação central do Governo. Estes partidos, pela dimensão que possuem, têm a responsabilidade de criar uma alternativa. Os seus programas têm muito em comum. É mais o que os une do que o que os liga ao PS. Se a geringonça é possível, então também tem de haver espaço para convergência entre eles. Se dizem ambos querer acabar com a austeridade, então têm de ser consequentes com isso e romper com um Governo que não faz nem quer fazer isso. Quem quer fazer parte da solução, não pode fazer parte do problema.

Os movimentos sociais têm e terão um papel importante a desempenhar. A sociedade civil, assim como todas as organizações, precisam de trabalhar em conjunto. Há muito por fazer em todos os campos, como em relação á precariedade, às opressões, a situação da Mulher, dos Negros, dos LGBT, as causas ambientais, que ao fim ao cabo têm todas um denominador comum que é o Capitalismo. Este tem de ser combatido em todas as frentes. Não faz sentido que aqueles que lutam para o mesmo continuem a minar e a puxar cada um para o seu lado. Dito isto, a coordenação e união de todos estes organismos é essencial, sem quebrar a independência necessária para a sua existência nas várias frentes de acção, para que possamos levar avante um projecto de sociedade em que todos possam ser participantes e beneficiários dela.

“Não se pode estar sempre com o bicho papão da direita para ter de escolher entre austeridade e austeridade com ar soft”

--

--