Reportagem |Quando as redes sociais auxiliam na saúde mental

Ambientes virtuais podem orientar pessoas na busca por ajuda

Wesley Loebens
Precisamos falar sobre a vida
4 min readNov 19, 2017

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Kelly Emarine, administradora da página Transtorno de Personalidade Borderline do Facebook. Foto: Wesley Andriel

Apesar da maioria dos casos de suicídio ser cometida por pessoas que têm algum distúrbio ou transtorno mental, isso não significa que todas elas queiram cometer suicídio. Essa ideia, muito comum quando o assunto vem à tona, reafirma o tabu que é falar sobre suicídio e dificulta, inclusive, o diagnóstico dessas doenças. Prevenir o suicídio é muito mais prevenir e tratar as doenças mentais do que o ato em si.

Existem diversas formas de se colaborar com a extinção desse imaginário. A internet, sobretudo as redes sociais, são instrumentos populares que, na medida certa, são eficientes nesse sentido. Mas, como em todo ambiente que abre espaço para a participação livre de todos os públicos, possibilita o surgimento de ruídos que não contribuem em nada com a proposta.

Kelly Emarine é uma jovem de 24 anos. Ela foi diagnosticada em 2011 com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), um distúrbio conhecido pelas emoções extremas, pela automutilação, e muito confundido com bipolaridade e esquizofrenia. Atualmente, ela administra a maior página do Facebook sobre o assunto no Brasil, a Transtorno de Personalidade Borderline.

As redes sociais têm grande poder de influenciar em decisões, comportamentos e atitudes. Quando se trata de doenças mentais, ou até de suicídio, essas influências existem em diversas formas. E é exatamente nas redes sociais onde Kelly está.

Quando criou a página, em 2012, Kelly não tinha ideia da proporção que isso teria. Ela conhecia pouco sobre a doença e isso foi uma forma de se comprometer a entender mais.

“Quando eu fui diagnosticada havia muito pouco conteúdo sobre isso, e eu tive que traduzir alguns artigos para poder conhecer melhor o assunto. Acho importante a troca de experiências, de conselhos ou até mesmo de só saber que existem outras pessoas com o TPB, que não estamos sozinhos, que é possível termos uma vida normal”, salienta.

Com essa rede criada, Kelly entende a importância e os efeitos de tudo o que fala e publica sobre o assunto. Ciente de que não tem preparo para ajudar a tratar a doença — e de que nada deve substituir um diagnóstico médico — , ela opta muito mais por compartilhar publicações de médicos referenciados ou reportagens sobre o assunto do que se dispor a ajudar os mais de 60 mil curtidores da página.

“Eu procuro fazer postagens mais brandas, evito ao máximo fotos de automutilação ou textos que descrevam suicídios. Em suma, posto textos, dicas de terapias, quadrinhos retratando o dia-a-dia, estudos e artigos sobre tratamentos sintomáticos. Evito também mencionar medicamentos. E sempre deixo claro que eu não tenho nenhuma formação que me capacite a ajudá-los.”

Por outro lado, essas redes criadas no ambiente virtual podem ser perigosas. A rede social Tumblr é um dos espaços que mais contribui para a naturalização de comportamentos suicidas, de automutilação e depressão. É muito fácil encontrar posts por lá (e no Facebook também, mas com menor proporção), que incentivem e romantizem esses problemas mentais.

“Isso é preocupante. Essa vibe de ‘sad girl’ e ‘sad boy’ reforça a imagem de que depressão e demais doenças da mente sejam coisas simples de tratar, que é só ‘escolher não ser triste’. Eu falo disso na página também. Ninguém gosta de ser borderline, bipolar ou depressivo. Há pessoas que, depois de muito sofrimento, aprenderam a lidar com isso, mas ninguém gosta, ninguém escolhe ser assim”, enfatiza.

Para Kelly, lidar com o Borderline nas redes ainda requer um outro preparo: o do autodiagnóstico.

“É muito comum adolescentes se autodiagnosticarem borderlines. Isso acaba banalizando a doença e reforçando a ideia de que não é algo sério. Eu sempre bato nessa tecla; nem todo mundo com crises de autoflagelo é necessariamente Borderline. É importante procurar um médico para receber um tratamento efetivo”, finaliza.

Além do TPB, o Brasil também é o país com maior prevalência de ansiedade no mundo. De 2005 a 2015, o número aumentou 14,9%, segundo a OMS. Atualmente, 9,3% da população sofre com o problema, totalizando 18,6 milhões de pessoas com o transtorno.

Para a psiquiatra e membra do Comitê de Prevenção do Suicídio da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS), Berenice Rheinheimer, o suicídio não é uma doença por si só. “Existem algumas situações que estão ligadas a ele. As principais doenças associadas ao suicídio são os transtornos de humor e a esquizofrenia”.

Berenice Rheinheimer, psiquiatra e membra do Comitê de Prevenção do Suicídio da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul (APRS). Foto: Rafael Pereira

A depressão é outra doença que prevalece no país. Ainda segundo a OMS, mais de 11 milhões de brasileiros sofrem com o transtorno. Alguns sinais podem ser decisivos para chamar a atenção dos familiares e pessoas próximas. “Os principais sintomas da depressão são alterações no sono, no apetite, desesperança, e muita tristeza ou irritação”, comenta Berenice.

Além das doenças mentais, outros fatores influenciam nesses casos. Agentes externos, como perdas, lutos, abuso de substâncias e histórico familiar podem gerar essa situação. Normalmente, uma pessoa que já tentou tirar a própria vida corre um risco maior de cometer suicídio no futuro. “São pessoas que precisam de atenção e acompanhamento especial, através de terapia, auxílio familiar, e eventualmente do uso de medicamentos”, conclui a psiquiatra.

Produção: Wesley Andriel, Michele Mueller, Rafael Pereira, Taís Forgearini, Gabriela Araújo e Kassandra Pooch.

Em caso de auxílio:
CVV (Centro de Valorização da Vida) — telefone 188 (ligação gratuita) para o Estado do Rio Grande do Sul e 141 (custo de uma ligação local) para todo o território nacional. Pelo site www.cvv.org.br, via chat ou Skype.
O atendimento pessoal é realizado nas unidades do CVV em horário comercial.
CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) mais próximo.

Emergência:
Unidades Básicas de Saúde, Unidades de Pronto Atendimento, Pronto Socorros, Hospitais, SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Emergência) pelo telefone 192.

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