Ouro verde, a maconha e o capitalismo oportunista

Jonatas Reis
Prensado Pensado
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3 min readMay 25, 2020
Foto por Jp Valery em Unsplash

Já é mais que comprovado que a Cannabis tem muitos usos, do industrial ao medicinal, todos sabem e talvez não tenha assunto mais pop que esse. Entretanto eu sempre afirmo como ativista e farmacêutico que é mais fácil disfarçarmos a nossa covardia chamando de cannabis o que todos chamam de Maconha. É preciso ter disposição e coragem para chamar pelo nome mais comum e popular que todos conhecem. Vocês podem dizer: “Ai Jonatas, mas é agressivo demais”, então, felizmente o ativismo não existe para fazer amigos, mas para mostrar o real valor daquilo que é tratado como lixo assim que muda a nomenclatura.

No Brasil, sonhamos com o dia em que teremos maconha legalizada, de qualidade, sem repressão policial e sonhamos até mesmo com os produtos que serão vendidos. Ultimamente ando me incomodando bastante com as notícias de empresas multinacionais que começaram a produzir e divulgar nas redes sociais cosméticos a base de maconha. “Mas porquê o incomodo, não seria isso uma vitória a favor do movimento? Definitivamente não!

Essas estratégias comerciais revelam que nossa posição de ativismo está abalada e é ineficiente, por isso devemos tomar cuidado ao posicionar a legalização ao lado dos benefícios que a erva possivelmente teria na economia. O maior perigo é associar a nossa luta somente à economia, tornando o ativismo apenas com viés liberal, apoiando uma legalização selvagem e incoerente com a realidade brasileira.

Um exemplo da nossa realidade incoerente é que em apenas uma semana do mês de maio de 2020, três jovens negros periféricos foram mortos no Rio de Janeiro decorrentes de ações policiais, consequência de uma política pública de segurança que é indiscutivelmente, uma ferramenta de higienização racial resultante da falha abolicionista, que reflete resquícios socioeconômicos da escravidão, em pleno século XXI.

“Não tem progresso sem acesso!”

O que proponho é que o ativismo canábico repense sobreo tipo de legalização pelo qual estão lutando. O viés liberal em torno da legalização não deve se esquecer das vidas perdidas durante a guerra às drogas, não há legalização saudável sem reparação histórica, sem acesso aos periféricos e aos egressos do sistema prisional (que não fazem mais parte). Para empresas que nunca apoiaram o movimento é bem fácil terem interesses pelo nosso ouro verde, mas devemos questiona-los, o que essas empresas fizeram enquanto usuários eram reprimidos? Como elas tentaram normalizar a erva na sociedade? Assumiram algum tipo de responsabilidade social? Patrocinaram publicamente algum artista que fosse ativista pela legalização ou nunca quiseram ter sua imagem relacionada à maconha? A minha ressalva é que essas empresas nunca quiseram associar a imagem dela aos usuários e nem a maconha, porque agora deveriam ser recebidas de braços abertos?

Compreendo perfeitamente como isto pode gerar confiança e normalização na sociedade, mas o que está sendo por essas empresas ao buscar o ouro verde? Não vejo nenhuma reparação social e histórica ou a criação de oportunidades envolvendo a população diretamente afetada pelo proibicionismo. Deixo por último aqui a minha reflexão para vocês: Qual o tipo de legalização você quer? A que vê o sangue derramado em potencial lucrativo, ou a que valoriza, iguala e gera oportunidades a todos aqueles que sofreram por um estado proibicionista?

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Jonatas Reis
Prensado Pensado

Farmacêutico e antiprobicionista. Faze o que tu queres há de ser todo da lei.