OPINIÃO: O fim cada vez mais próximo do Iêmen

A destruição de qualquer relação pacífica no país pela Coalizão Saudita sacramentam o fim da República Iemenita

Greg SoFre
PRESS UFRGSMUN
3 min readNov 9, 2018

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Al-Jazeera

Não tem mais jeito: a Coalizão Saudita para a intervenção no Iêmen falhou. Falhou em restabelecer o governo do presidente Hadi, falhou em conferir estabilidade política ao Iêmen, falhou em proteger os civis. Mas o pior de toda essa história é que a intervenção da Arábia Saudita praticamente sacramentou o fim de um Estado amigo.

A história moderna do Iêmen foi muito conturbada. O país já foi diversos sultanatos, fez parte dos impérios Otomano e Britânico, foi dividido diversas vezes em protetorados, colônias e durante a Guerra Fria se tornou duas repúblicas. Unificado em 1990, o Iêmen continuou passando dificuldades, especialmente no tocante à pobreza e ao fortalecimento de sua jovem república.

Em 2015, a minoria houthi se rebelou contra o governo do Iêmen e conseguiu controlar o norte do país. Isso não aconteceu sem o desenrolar de uma sangrenta guerra civil que por si só vitimou milhares de pessoas. A situação política e humanitária do Iêmen chamou a atenção internacional e com isso uma coalizão liderada pela Arábia Saudita — e com participação dos EUA — para intervir no país, com fins a restabelecer a normalidade.

No entanto, essa intervenção causou mais tensões internas e fragmentou ainda mais a política iemenita. Os rebeldes houthis pouco sofreram algum tipo de retração territorial durante a Operação Renewal Of Hope (ORH) e ainda representam uma forte ameaça ao governo iemenita (exilado em Aden depois que os houthis tomaram a capital Sana’a). Também foi observada a ascensão do Conselho de Transição do Sul (CTS), grupo separatista que visa criar uma república independente na região sul do Iêmen. O CTS inclusive chegou a declarar sua Independência e tomou posições importantes no país.

Apesar de algumas iniciativas de assistir a população civil, corrigindo erros da operação antecessora à ORH, a Coalizão também voltou a violar direitos humanos — tanto que ela sofreu denúncia junto às Nações Unidas — que culminou na morte do então Secretário de Assistência Humanitária da Coalizão, Bruno de Alcântara, em circunstâncias duvidosas. Por outro lado, a representante das Forças Iemenitas Nathalia Alvarez e o representante do Conselho de Cooperação do Golfo Eduardo Giugliano, membros do gabinete da ORH, participaram da negociação de um projeto de ajuda ao Iêmen junto ao Banco Islâmico de Desenvolvimento (IsDB).

Esse projeto, contudo, pouco terá efeito se não houver algum tipo de estabilidade política no país. Um cessar-fogo geral, mesmo que inicialmente momentâneo, no país precisa ser firmado para que haja um ambiente político mais pacífico. Enquanto ainda houverem confrontos entre os atores do conflito, nenhum tijolo assentado poderá servir ao seu propósito. Sem a paz, não é possível retomar a atividade econômica.

Fonte: Greg SoFre.

Algumas perguntas permanecerão sem respostas. A principal delas é sobre o teor da reunião secreta entre os comandantes Alvarez e Giugliano com a presença do diplomata americano Henrique Gomes, a representante saudita no IsDB Ana Luísa Rockenbach e o líder do CTS Leonardo Seben. Questionada se a presença de Seben na reunião representava o reconhecimento do governo Hadi ao CTS, considerado um grupo terrorista pelo governo iemenita, Alvarez afirma que isso não foi um reconhecimento ao grupo, que o governo Hadi não negocia com terroristas e que não revelará o que foi discutido nessa reunião.

Portanto, é necessário questionar: como uma representante oficial de um governo se senta à mesa com um líder considerado terrorista? Como um projeto habitacional em Aden será posto em prática se bombardeios ainda são praticados na cidade? Como um governo que pretende combater a fragmentação do país se aliou a outros que agem visando fragmentar ainda mais o seu próprio país? Hoje, o governo Hadi possui domínio em poucas regiões relevantes no sul e foram praticamente expulsos do norte. Portanto, conclui-se que os dias de luta do povo iemenita contra si mesmos não terão um fim próximo. A República Iemenita corre sério risco de vida.

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