Acessibilidade é para todos? — a importância da escrita inclusiva

Tarsila Santana
Pretux
Published in
8 min readOct 15, 2021

Demonstrando como a escrita inclusiva e a acessibilidade podem ser, também, matemáticas.

Se você já se sentiu um peixinho fora d’água ao lidar com alguma experiência em uma página, em um site ou aplicativo de celular, vai se identificar com alguns pontos no decorrer deste texto. Caso isso nunca tenha ocorrido com você, então comemore: privilégios? Sim, você tem! E não, não é porque você mereceu.

Vídeo de homem negro, jogador de basquete, sorridente. Ele tem barba grande, cabelos curtos e pretos e aparenta ter pelo menos 30 anos. Ele leva a mão direita até a cabeça, com a palma da mão para baixo, enquanto anda. Ele está no meio da quadra de bastante, durante um jogo e tem várias pessoas ao fundo da imagem, sentadas nas arquibancadas, que demonstram estar empolgadas com o jogo. | Fonte: https://tenor.com/view/harden-james-harden-nba-basketball-salute-gif-15553227

No quadro nacional, podemos falar sobre a inacessibilidade de diversos grupos minoritários por fatores não apenas de deficiências permanentes, mas de deficiências temporárias ou por exclusões de acordo com o seu contexto social. E isso se deve única e exclusivamente à falta de interesse que muitas empresas têm de investir em alguns grupos, como por exemplo de pessoas:

  • Com deficiência
  • Com baixa escolaridade
  • Neurodivergentes
  • Idosas

Tá bom, Tarsila, mas por qual motivo eu preciso saber disso?

Pensando através do objetivo de qualquer empresa: gerar grandes lucros, ao produzir com poucos custos, se levarmos em consideração a inclusão da pessoa idosa ao universo digital através do uso da comunicação inclusiva, por exemplo, o objetivo de aumentar os lucros seria atingido de forma muito facilitada.

No Brasil, esse público responde por 23% do consumo de bens e serviços, com uma renda anual estimada em R$ 940 bilhões.

Porém, as empresas insistem em se comunicar, em sua maioria, apenas com o público jovem, ainda que as pessoas idosas tenham um fator determinantemente atraente para grandes negócios: a economia prateada.

Economia prateada, do inglês silver economy, é o mercado voltado exclusivamente às necessidades das pessoas com mais de 60 anos. Ele também é conhecido como “economia da longevidade”, e vem crescendo conforme a população envelhece e a pirâmide etária se inverte em vários países.

Mas, Tarsila, o que economia tem a ver com escrita inclusiva ou acessibilidade?

Homem branco, de cabelo liso preto, grande, preso. Ele está com um terno preto e camisa branca, e um sobretudo na mão, além de segurar um papel branco. Ele olha de um lado a outro, procurando por algo. Parece não entender alguma coisa. Fonte: https://tenor.com/view/confused-john-travolta-what-gif-5114829

Tudo, oras! Se você ainda não conseguiu entender como elas se conectam, saiba que um dos belos aprendizados que tive ao participar do primeiro Bootcamp de Escrita inclusiva e acessível para produtos digitais da How Bootcamps, ministrado pela inspiradora Cecí Romera, graças a uma bolsa que ganhei de uma comunidade incrível como a PretUX, foi: venda o peixe mostrando o impacto positivo (e nos lucros) que a acessibilidade levará para o negócio. Isso me fez compreender de uma forma muito mais fácil que a acessibilidade deve e pode ser tratada com urgência.

Ainda que eu (e obviamente nem mesmo Cecí ou qualquer pessoa que estava prestigiando o curso) não ache que a economia seja o único fator determinante para que a acessibilidade ocorra, lembre-se: fale a língua das empresas, mostre os números.

A responsabilidade de incluir

Devemos ter em mente que, muito além dos números, existe também (e principalmente) uma responsabilidade social quando pensamos em acessibilidade. Mesmo que saibamos que o objetivo principal da maioria das empresas é mesmo gerar lucros, é necessário compreender que não existem benefícios se os textos se tornam incompreensivos, se as informações são inacessíveis, se grande parcela da sociedade não se identifica com algum serviço ou produto.

Ainda não temos como nos livrar do principal argumento às empresas: a economia, quando vivemos em um mundo capitalista. Mas podemos fazer a necessidade de gerar lucros ser o ponto de partida para a inclusão social.

Como então gerar mais lucros se deixamos uma grande fatia da sociedade excluída do dia a dia digital?

Imagem com texto escrito: “A economia da longevidade vem ganhando bastante importância nos últimos anos e já é a terceira maior atividade econômica do planeta (movimenta 7,1 trilhões de dólares anuais), incluindo o Brasil; aqui, ela já corresponde a 20 porcento do consumo nacional, número que vem subindo rapidamente. Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/gazzconecta-colab/o-que-e-a-economia-prateada-e-por-que-prestar-atencao-neste-mercado/

Os números acima correspondem somente ao público de pessoas idosas. E as pessoas com deficiência? E as pessoas analfabetas funcionais?

Somente na realidade brasileira poderíamos citar pelo menos 30% da nossa sociedade quando pensamos em deficiências permanentes. Isso corresponde a pelo menos 27,8 bilhões de reais que deixam de circular na economia todos os anos.

E quantas outras pessoas podem estar sendo excluídas socialmente se o seu produto não é acessível? Todos temos direito a consumir o que quisermos, não é?

No entanto, para consumirmos algo, primeiro buscamos entender o produto, o site ou o aplicativo. E como poderíamos compreender tudo isso se não entendêssemos a forma como eles são comunicados?

Abaixo seguem exemplos de como, através da escrita de exclusão, o acesso das pessoas ao consumo de algo pode ser limitado:

Notificação de celular escrita: 40%OFF? Esquece, o pai tá on e roteando (emoji com óculos escuros). Aproveite o cupom TEM40 e garanta 40%OFF na 2 peça, em lista especial de moda masculina! Se preferir, retire na loja*, sem sair do carro! (emoji de carro) *Consulte condições.

Esse é um push (se pronuncia pôochi) — ou, pensando de forma mais compreensível: uma notificação que aparece na tela do celular (ainda que tenham algumas poucas diferenças das notificações comuns) de uma marca de roupa de varejo popular que recebi na semana passada no meu celular.

O conteúdo para falar sobre o desconto é criativo? Sim, é bastante! Mas é acessível? Definitivamente não. E posso explicar o motivo: “Esquece, o pai tá on e roteando” é uma frase muito nichada.

Nichada? O que isso significa?

Significa que nem todos os públicos vão entender. No exemplo citado acima, somente o público jovem que acompanha conteúdos específicos na Internet vai captar a mensagem. E quais as vantagens de não ser compreendido por grande fatia da sociedade brasileira que possivelmente consome ou quer consumir o meu produto?

Particularmente não consigo pensar em nenhuma.

Mulher branca, de cabelos loiros faz uma cara de quem não entendeu alguma coisa ou não sabe a resposta de algo, enquanto algumas fórmulas de resoluções de problemas matemáticos aparecem na tela. Fonte: https://tenor.com/view/calculating-puzzled-math-confused-confused-look-gif-14677181

Nos dois próximos exemplos existe um grande problema em comum: a marca se limita a lançar produtos indicados apenas a duas identidades de gênero, enquanto atualmente existem pelo menos 31. Levando em consideração que existem pessoas que podem não se identificar com nenhum dos únicos dois listados pela marca, ocorre uma exclusão de uma parcela de consumidores dos produtos da marca.

Além disso, na primeira figura, existe a palavra “login” (se pronuncia loguin), um estrangeirismo fácil de ser substituído por “entrar”, “conectar” ou qualquer palavra que faça sentido para todas as pessoas consumidoras.

Fundo bege com objetos em tom de rosa bebê. Existe uma bolsa do lado esquerdo com uma frase abaixo: Com exclusiva bolsa tiracolo. Tem sabonetes, hidratante e perfume em cima de uma caixa bege com fitas prateadas do lado direito da imagem. Ao meio está escrito: “Presente Essencial Feminino. Ritual completo e acessório especial para quem tem o poder de inspirar. De R$ 387,90 por R$ 279,90. Botão escrito Presenteie” — Abaixo tem escrito: Faça seu login e aproveite uma experiência personalizada!

Na figura abaixo, existe o estrangeirismo com a palavra “off” (pronuncia-se ófi), mas destaquei além do já citado acima sobre identidades de gênero, também a frase que se repete em muitos sites: “Aceitar todos os cookies, porque me questionei se de fato todas as pessoas conseguem entender o que são esses tão falados cookies (biscoito em inglês — que se pronuncia kúkeez).

O que eu posso fazer com uns cookies (ou kúkeez), além de comê-los mais tarde? Eu não sei, você sabe? Todas as pessoas usuárias que transitam pelos sites (sáitis) também podem saber?

Fundo bege com perfume e desodorante, em tom de preto, em cima de uma caixa. Ao lado direito está escrito: “Presente Essencial Masculino. 37 porcento OFF. A elegância e sofisticação de um poderoso ritual perfumado. De R$ 272,90 por R$ 169,90. Botão escrito Presenteie — Abaixo tem escrito: Ao clicar em em Acessar todos os cookies, concorda com o armazenamento de cookies no seu dispositivo para melhorar a navegação no site, analisar a utilização do site e ajudar nas nossas iniciativas de marketing

Abaixo, segue um exemplo onde o leitor de tela, para o deficiente visual não vai ajudá-lo a compreender perfeitamente o emoticon representado por dois pontos e um parêntese:

Imagem de fundo vermelho com bicicleta, microondas, liquidificador, celular, controle de videogame, relógio, televisão e máquina de lavar. Está escrito: Relaxa :) O que eu quero tem frete grátis? meu produto tem entrega rápida? será que tem muita variedade? relaxa, na (nome da marca) você acha :) Pode confiar, na (nome da marca) tem tuuudo que você procura! Milhões de produtos com entrega rápida e frete grátis? Relaxa, na (nome da marca) você acha :)

Sobre alguns leitores de tela que tive conhecimento, entendi que, no exemplo acima, seria um problema ler as mensagens com o emoticon “:)”, porque a mensagem seria lida basicamente assim: “relaxa dois pontos fecha parênteses”. Qual sentido isso teria para uma pessoa com deficiência visual? Até mesmo para um idoso, também.

Outro dia a minha mãe, que tem 57 anos recém completados, portanto ainda nem é considerada idosa, se deparou com um emoticon (<3) que ilustra um coração e me perguntou o que ele significava. Até ela ouvir a minha explicação, ela não tinha compreendido a mensagem por inteiro.

Imagem com Título “#Novidades” e vários produtos para cabelos distribuídos lado a lado, como: densidade acidificante (acidificante 250g), densidade máscara (máscara 230g), densidade shampoo (shampoo 250ml), densidade tônico noturno (tônico noturno 25ml). Em cima de cada produto tem escrito “New” e embaixo de cada produto, no canto direito de cada um tem escrito “lançamentos”

No exemplo acima me incomodei com o fato de, após usarem a palavra “novidades”, usarem também do estrangeirismo e colocar “new” ao lado dos itens.

Imagem de página de venda de uma loja de roupas de varejo popular. Tem um pedaço de uma imagem onde só dá para ver o pé de uma pessoa. O produto vendido é: calça wide pantalona jeans cintura super alta com amarração. Como forma de avaliação, de 5 estrelas, tem 4 estrelas e 22 avaliações. O seu preço é R$ 119,99 à vista ou 6x de R$ 19,99. Tem uma frase embaixo do preço: “Comprando agora acumule 2 likes”. Também tem os tamanhos e guia de medidas e também um ícone de sacola.

Na foto de tela ao lado, circulado de vermelho, trouxe um exemplo de estrangeirismo diferenciado, como eu nunca havia me deparado antes.

Além do aviso “comprando agora acumule 2 lik&ster o risco de ficar inacessível para quem não compreende inglês, também existe a dificuldade de compreender a palavra “likes”, já que existe um símbolo substituindo uma das vogais da palavra. Sendo assim, ela pode não ser muito bem compreendida, seja por não falantes de inglês, por pessoas mais velhas ou por deficientes visuais, por exemplo, que precisam do auxílio do auxílio de leitores de telas que leem exatamente como as informações estão na tela.

Logicamente, não somente os grupos minoritários citados no texto precisam de acessibilidade, mas é fundamental para todos, de alguma forma. E torná-las frequentes, não somente trará benefícios a grupo específicos, mas a toda a sociedade.

Também é importante lembrar que acessibilidade e inclusão não é caridade. Essas duas são direito de todo ser humano.

Está na constituição:

Os direitos sociais estão prescritos no artigo 6º da Constituição, que prescreve os direitos do cidadão à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, infância e também à assistência aos desamparados.

É necessário dar a todas as pessoas a autonomia que todos merecem. Afinal de contas, você deve concordar comigo que é mesmo muito chato que o acesso a qualquer coisa que precisamos ou queremos fazer somente seja possível com o auxílio de alguém, não é mesmo?

Então, caso queira mergulhar nesse universo que estou completamente inquieta para consumir mais conhecimentos e colocá-los em prática, eu super indico o curso de Escrita Inclusiva e Acessibilidade da How Bootcamps. As práticas sugeridas por Cecí dão diversos insights incríveis e tornam seu olhar mais atento no dia a dia.

Eu, por exemplo, poderia jurar que esse meu primeiro artigo no medium não daria mais de dois minutos, mas cá estava eu distribuindo diversos exemplos e já pensando em desenvolver novos artigos sobre acessibilidade e escrita inclusiva, porque simplesmente não dá para escrever tudo em um só.

Obviamente, ainda estou no início da minha jornada na área e ainda tenho muito a aprender. Ainda assim, já estou muito feliz por partilhar um dos meus primeiros aprendizados aqui.

Gostaria de encerrar meu primeiro artigo agradecendo novamente à comunidade PretUX, que foi extremamente acolhedora e me presenteou com essa preciosidade que é o curso. Também ao meu noivo Tiago Pereira que é uma das pessoas que mais me incentivam na vida, junto a minha mãe. Quero agradecer também a Jeane Bispo que é uma joia rara que apareceu em minha vida. Também às minhas parceiras de projeto há três meses, que são extremamente compreensíveis e competentes: Evelyn Barros e Kézia Wiezel Brasil Rosa.

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Tarsila Santana
Pretux
Writer for

Soteropolitana descobrindo o Universo de UX Writing