As técnicas de UX Writing e a ferocidade no consumo de informação

Luan Silva
Pretux
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13 min readFeb 3, 2021

Como uma das mais promissoras vertentes do Design de Experiência pode contribuir de maneira efetiva para que o produto, ou serviço, alcance boas métricas no seu diálogo com os usuários?

Pessoa escrevendo em um papel com um smartphone com um aplicativo de gráfico aberto, e um notebook ao lado.
(Nappy.co; @rawpixel.com).

O UX Writing Escrita para a eXperiência do Usuário — vem ganhando cada vez mais espaço e evidência, à medida que os profissionais focados nesta área do UX mostram a importância de sua presença em projetos. Com o foco em dados fornecidos pelo público-alvo, este tipo de escrita busca tornar o produto, ou serviço, mais alinhado ao modelo mental das pessoas e com informações mais objetivas e racionais o quanto for possível dentro de uma semântica comum a elas.

Neste artigo, temos um resumo de algumas técnicas e métodos expostos em dezembro de 2020 no bootcamp de UX Writing da How Bootcamps ministrado por Bruno Rodrigues, autor do livro “Em busca de boas práticas do UX Writing” (Brasil, 2019) e que há mais de 20 anos se dedica ao estudo e pesquisa acadêmica da Comunicação Digital.

Porém, antes de abordar as técnicas, iniciaremos falando sobre um termo, bem interessante, utilizado por Bruno, em quase todas as aulas, sobre a atual relação dos usuários dos meios digitais e o consumo de informações: ferocidade.

Ferocidade e informação

Ao ouvir a palavra, provavelmente, a sua mente transbordou um monte de imagens animalescas, selvagens, cruéis e ligadas à fúria. Pensamos em ferocidade e logo vemos um felino rugindo perante uma ameaça ou presa.

É certo que muita gente vai seguir esta mesma linha de raciocínio. Isso é o que conhecemos dentro da Arquitetura da Informação, e outras áreas, como modelo mental. Cada indivíduo tem o seu, mas é comum que, em grupos, com as mesmas bases culturais e vivências, mesmo repertório de estudos e interesses, esse modelo siga o mesmo padrão de lógica e raciocínio. E, consequentemente, associe de forma similar uma situação a uma palavra. Por isso é comum, ao se falar em ferocidade, se imaginar um animal feroz.

De início, pode soar estranho o uso do termo dentro do UX Writing. Todavia, à medida que se compreende a relação da sociedade com as tecnologias, o excessivo consumo de informações, encontramos pontos dessa ‘ferocidade informativa’ com outro fenômeno bastante ligado à nossa era digital, o FoMO.

Ilustração de mulher negra ansiosa sentada na cama conferindo o celular com várias notificações e informações ao seu redor.
Representação de situação de ansiedade causada por FoMO (Freepik.com; @stories).

“Fear of Missing Out”, em português “medo de ficar de fora” ou “medo de estar perdendo algo” é considerado, hoje, uma patologia psicológica. A expressão surgiu por volta dos anos 2000 com Dan Herman, estrategista de marketing estadunidense, e foi redefinida, anos mais tarde, em Harvard e Oxford como “desejo de estar sempre conectado”.

Em uma explicação superficial, FoMO é a compulsão por informações; a obsessão de sempre estar atualizado dos últimos acontecimentos, sobre as tendências e tecnologias mais utilizadas. E aqui a palavra ‘ferocidade’ faz total sentido. Afinal, o comportamento humano tem se pautado, quase que completamente, em se manter atualizado de forma rápida, urgente e feroz.

Foi visto no bootcamp que, até 2014, o consumo de informações por dispositivos digitais e com acesso à internet seguia um padrão que ainda respeitava a técnica textual jornalística da “pirâmide invertida”. Graças ao boom dos smartphones no mundo o acesso à informação ficou mais viável, e, com isso, o consumo da estrutura da pirâmide foi perdendo força, sendo praticamente cortada na sua base.

Gráfico explicativo da Pirâmide Invertida do Jornalismo. (Luan Silva)

Segundo pesquisas ainda em execução em todo o mundo, sobretudo o núcleo de pesquisa Oxford Internet Institute, o público deixou de ler os textos até o fim. Para economizar tempo, o consumidor busca a informação de forma objetiva, clara, concisa, e, que traga os dados da forma mais simples o quanto for possível.

Aquela fórmula textual tão conhecida (introdução, desenvolvimento, conclusão) perde o sentido e se embaralha para atender a essa pressa. É nesse ponto que começamos a entender porque as técnicas de UX Writing são essenciais para atender a demanda da ferocidade no consumo da informação.

As camadas da informação em UX Writing

Ao levar em consideração os dados (que o usuário busca), o tempo (que ele pretende economizar) e a relevância (que o produto almeja ter), é preciso criar pontos de contato linguísticos eficazes para que as pessoas obtenham sucesso nas suas experiências com a escrita para UX. Esse sucesso só é possível com base em uma das principais ferramentas de compreensão das dores do público-alvo: a pesquisa.

Dentro da construção de um texto, é comum apelarmos para a nossa lógica cognitiva. “Nosso produto é um aplicativo de jogos de raciocínio, vamos usar o linguajar do público de jogos em geral”. Um exemplo superficial, mas que tem uma grande chance de dar errado, ou não alcançar os resultados almejados.

Tal artifício pode funcionar quando estamos falando de Copywriting — textos mais voltados para publicidade, marketing e afins. Para UX Writing é preciso deixar de lado a lógica comum e se concentrar nos dados que as pesquisas com o público fornecem. Obtendo este recorte linguístico tem-se material suficiente para criar os pontos de contato, ou camadas de informação comuns à Gestão de Conteúdo.

Gráfico das três camadas de informação. (Luan Silva)

Primeira camada: apresentação.

É o ponto inicial. É a “isca” criada para que quem lê se sinta atraído. Um exemplo é o texto que aparece quando fazemos buscas em sites como o Google. Composto, normalmente, por quatro elementos: título, texto de chamada ou resumo, imagem e legenda da imagem. Uma peculiaridade importante da apresentação é que ela não permite dados ou informações repetidas entre os elementos.

Vejamos este exemplo fictício sobre um aplicativo mobile.

Simulação de notícia sobre lançamento de um jogo de raciocínio lógico. Todas as informações são fictícias. (Freepik.com/Luan Silva)

Nota-se que os dados utilizados não se repetem em nenhum dos elementos da apresentação. Isso garante que o usuário queira consumir o conteúdo inteiro, expõe do que se trata, elenca as informações mais relevantes e ainda aproveita completamente o espaço.

É preciso, porém, tomar bastante cuidado na relevância e quantidade dos dados. Alguns pontos importantes:

  1. Na imagem, por exemplo, quanto menos informações houver, melhor. Menos é mais e a imagem deve servir de apoio ao texto.
  2. A legenda não deve ser confundida com o texto descritivo para acessibilidade, deve ter informações diversas e complementares.
  3. No título, a chamada deve ser objetiva e consistente. De preferência usando termos comuns aos da pesquisa com o usuário.
  4. O texto da chamada deve trazer informações que garantam a coesão de todos os elementos e principalmente a semântica do usuário.
  5. Evitar sempre que ao máximo a adjetivação do produto ou do serviço. Dizer que ele é “bom”, o “melhor”, “mais rápido” é uma informação que pode ser questionada e contestada. Esse tipo de conceituação deve sempre ser acompanhado de dados que comprovem o que é dito na notícia (pesquisas, benchmarks etc.).

Segunda camada: resumo.

Corresponde à mais importante imersão do leitor ao produto. Muitas vezes este é o texto principal, e, por isso, deve ser construído com o mais criterioso cuidado. Atentar-se a alguns detalhes importantes é essencial.

Todas as informações são fictícias. (Luan Silva)
  • O título é uma das partes fundamentais desta camada, por conta da usabilidade do texto e do SEO.

SEO: Search Engine Optimization, ou, em português, otimização de sistema de busca. É o mecanismo do Webwriting responsável por potencializar e hierarquizar o que buscamos, organicamente, em sites como o Google. Compreender e estruturar os títulos dos textos para que as palavras utilizadas estejam de alguma forma conectadas ao método de busca dos usuários é uma das técnicas mais eficazes de conseguir relevância diante a concorrência.

Usabilidade de Texto, que são as técnicas já conhecidas de estruturar e exibir textos na web com o objetivo de torna-los mais comuns aos usuários. Aqui entra a questão de tipografia, se estará em caixa alta ou baixa, os espaços entre os textos, a área e elementos de respiro, cores, etc.

Estes artifícios são complementares, então é comum pensar em utilizá-los em conjunto. No entanto, há momentos em que a usabilidade de texto e o SEO podem ter um conflito. A linguagem necessária para a usabilidade pode ser muito específica e não estar dentro do contexto do SEO, por exemplo.

Se necessitar escolher uma das duas, o SEO deve ser priorizado ante a usabilidade. Sim! É contraditório em uma escrita voltada para o usuário priorizarmos um sistema de otimização ao que seria mais palatável para o indivíduo que é o centro de nossos produtos. Contudo, a demanda do Mercado Capitalista ainda define quais são as métricas que qualificam os produtos.

Sendo assim, temos que adequar ao título “palavras-chave”, “expressões” e “termos” que englobam todo o conteúdo abaixo dele e que respeitem estes dois potencializadores. Como no exemplo do LeftBrain acima.

Deixar a construção do título para só depois que o texto esteja pronto, é uma outra prática bastante recomendada, principalmente por conta do SEO. Com o conteúdo pronto, saberemos do que realmente estamos falando e poderemos fazer uma chamada mais focada.

  • O texto principal é o elemento onde, sabemos por pesquisas, o leitor terá mais chances de ler.

Deve ser composto de no máximo três parágrafos e conter os dados principais que se quer dar destaque. No exemplo, são eles: o que o LeftBrain traz, o que ele possibilita e para que ele serve.

  • A área cega é um parágrafo criado estrategicamente para ser “sacrificado na leitura”.

Segundo o que apontam as atuais formas de leitura, passado os três parágrafos iniciais, os próximos, normalmente não serão lidos. Esse texto tende a ser menos informativo e fica acima da conclusão. Funciona como uma área de respiro.

  • A conclusão, ou especificamente o último parágrafo do texto é onde normalmente ficam dados relevantes, mas que para o foco do texto não são tão destacáveis.

No exemplo, o dado citado é a promoção da assinatura premium gratuita por 3 meses. A lógica pode, inclusive, dar a entender que este dado deveria estar entre os primeiros parágrafos que tendem a fisgar mais usuários. No entanto, a motivação das pessoas que fazem uso desses jogos, dificilmente está ligada a valores, assinaturas ou questões do tipo. Este é um dado relevante, porém, para o público-alvo ele não tem um apelo tão forte quanto no caso das funcionalidades.

  • Lembra que citamos certas mudanças que a ferocidade causou nos textos dos últimos anos? Vamos analisar na prática. É nesse exato texto que temos que “cortar” a pirâmide invertida, e alterar a ordem da fórmula de escrita (introdução, desenvolvimento e conclusão).

A sugestão aqui é escrever o texto corrido, como o costume manda. Iniciamos pela introdução, depois o desenvolvimento e por fim a conclusão. Averígua-se os dados mais importantes, relacionando com as informações que as pessoas entrevistadas forneceram e depois organizamos os blocos do texto de acordo com o que tem mais dados e relevância.

A ordem estabelecida na imagem é meramente ilustrativa e não regra. (Luan Silva)
  • E a usabilidade de texto?

Não esquecer de usar os artifícios de usabilidade de texto que estamos habituados em escritas digitais. Grifar textos, utilizando recursos como negrito, itálico e cores, cria o tom da leitura e prende a atenção do leitor, fazendo com que ele assimile mais rapidamente as informações necessárias.
Vejamos o texto do LeftBrain com este recurso.

Todas as informações são fictícias. (Luan Silva)

É notável que os destaques causam um impacto maior no texto para os usuários e direciona melhor as informações que estão sendo evidenciadas. E essa é uma das mais importantes funções da usabilidade de texto.

Terceira camada: detalhamento.

Esta camada foi apenas citada no bootcamp, não exatamente trabalhada. Porém corresponde a informações mais específicas como a ficha técnica de um produto. Um compilado de informações elencados em forma de tabela ou mesmo texto, porém ainda mais direto e sucinto que o resumo.

Um ponto falho no bootcamp, sobre a criação de textos dentro da realidade de UX Writing, foi a falta de abordagem sobre um produto específico como aplicativos. Que é o nicho de maior atuação dos designers, atualmente. A construção de texto para uma plataforma móvel e em um aplicativo mais dinâmico que um texto corrido e de chamada tem particularidades mais específicas que as tratadas. O trabalho é mais minucioso e precisa de muitos testes e entrevistas com as pessoas para que possamos chegar a textos curtos, mas que informem todo o conteúdo.

A Fome de Semântica e Dados”

Recapitulando o que já tratamos:

  • O que é UX Writing
  • Ferocidade e FoMO
  • As camadas da informação
  • Os elementos das camadas

Vamos agora tratar de dois pontos do UX Writing que são necessários para aplicação das técnicas demonstradas anteriormente: dados e semântica.

Dados

Dados são a matéria-prima da informação. São fatos catalogados que por si só carregam conceitos, porém quando analisados isoladamente não informam com total eficácia.

Voltando ao exemplo do LeftBrain.

Expondo os seguintes dados: “aplicativo de raciocínio lógico”, “14 idiomas”, “mais de 50 jogos” e “grupo de 20 pessoas”. Sozinhos esses dados trazem uma informação solta, mas nada coeso. Por isso é preciso criar um contexto informativo que faça com que a informação faça sentido.

“LeftBrain é um aplicativo de raciocínio lógico, disponível em 14 idiomas com mais de 50 jogos e permite torneios com grupos de até 20 pessoas”.

No bootcamp trabalhou-se a importância de dados autossuficientes. Ou seja, que sozinhos informem o que se quer informar. Quanto mais sucintos forem estes dados melhor. Se for possível reduzir os dados de uma frase, ou expressão para uma palavra, melhor ficará o texto em termos de UX Writing.

Perceba que, inclusive, foi possível reduzir os textos de exemplos do Leftbrain apresentados anteriormente a uma única frase. Pegamos os dados principais e trabalhamos para que eles, juntos, informem sem que se estenda demais.

Semântica

Bruno Rodrigues chama de “pescaria semântica” a pesquisa de imersão na linguagem das pessoas no contexto do produto. É basicamente a captação de termos, palavras, expressões específicas da vivência do público.

Recorte do material de acompanhamento do Bootcamp. (Bruno Rodrigues)

Um produto não tem utilidade alguma se o usuário não conseguir utilizá-lo intuitivamente. Ou, em casos mais complexos, com uma orientação eficaz no próprio produto. Cabe ao UX Writer usar da semântica e linguagem do usuário para garantir uma experiência mais imersiva, satisfatória e que produza resultados em métricas positivas.

A captação da semântica do público-alvo se dá por meio de vários meios. Pesquisa quantitativa e qualitativa ainda são os meios mais eficazes e que contemplam outras áreas do UX.

A pesquisa quali dá liberdade às pessoas entrevistadas em se expressar da forma que melhor lhe convém. E isso é ótimo porque nessa liberdade, percebemos os termos que eles usam naturalmente quando falam do assunto.

No caso do LeftBrain, por exemplo, as pessoas entrevistadas falaram bastante de torneios, desafios, competição. Compreendendo esse fluxo mental, estes são os termos mais comuns ao público-alvo. E faz total sentido utilizar esses termos em textos, botões e caminhos no aplicativo.

É na naturalidade da fala ou da escrita que podemos elencar quais termos que foram mais usados e mapear o público por categorias e descobrir, junto a outros designers, qual é a persona do produto, como ela se comunica e como funciona o mapeamento da sua mente. E principalmente criar uma biblioteca semântica que agrupe os termos, expressões e falas dos usuários.

Importante salientar que essa biblioteca será extremamente mutável e com uma obsolescência altíssima. Isso acontece porque a língua está em constante mudança e as pessoas tendem a criar sempre novas formas de se referir aos produtos.

No bootcamp, tivemos um exercício de entrevista lidando com produtos da empresa Coca-Cola. Note que é a empresa e não o produto. No entanto, a maioria dos entrevistados compreendeu como o produto e a entrevista só gerou resultados para um único produto de uma empresa que tem vários, só aqui no Brasil. Ou seja, na mentalidade dos entrevistados ao falar “coca-cola” — ou “coquinha” como alguns se referiram — eles pensam imediatamente no produto e não na empresa. Foi interessante perceber esse comportamento na pesquisa para que compreendêssemos que muitas vezes um termo que um produto use (no caso da Coca-Cola ter o mesmo nome para seu produto principal e para a empresa) pode causar um ruído na comunicação.

A Fome de Méqui

Ainda pensando em casos, dessa vez um real, temos o exemplo da McDonalds e sua atual aposta publicitária “fome de méqui”. A campanha teve um sucesso tremendo por ter aliado um estudo neurocientífico aos seus produtos. No estudo, comprova-se que a tal “fome de méqui” realmente existe e provoca estímulos em determinadas áreas do cérebro e do paladar.

Não há dados públicos se esse termo foi pescado pela equipe de Marketing, ou se foi um UX Writer que fez uma pesquisa minuciosa com os usuários e viu que a maioria do público-alvo, ao se referir ao desejo em comer seus produtos, se refere a ele como “fome de méqui”. Mas é um excelente exemplo de como conhecer a linguagem do público cria oportunidades imprescindíveis.

Prints de tela do aplicativo da McDonald’s

Atualmente, a McDonalds está inclusive abrindo mão de usar o seu nome oficial nas fachadas das lojas mais movimentadas, para usar o “apelido carinhoso” Méqui. E no seu aplicativo, igualmente.

Ou seja, se até uma das maiores empresas de fastfood está utilizando a linguagem de seus consumidores como ferramenta de comunicação e com isso gerando uma relação de maior proximidade e eficácia em seus resultados, é porque estas técnicas são extremamente válidas para a nossa realidade atual, atendendo a ferocidade e a fome.

Fontes:

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Luan Silva
Pretux
Writer for

Ser designer é ser como um espelho. Refletir sobre os problemas e necessidades. Projetar soluções criativas e ágeis. Focar em pessoas, praticando a empatia.