A Intencionalidade no UX Design

Uma reflexão sobre Outputs & Outcomes

Arthur Santos
Pretux
12 min readOct 15, 2021

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Dentre as palestras do evento World Class Designer Conference (Conferência de Designer de Classe Mundial) de 2021, a apresentação feita pela Product Designer Lily Konings, chamou a minha atenção. Ela abordou o conceito de Outputs e Outcomes, e como nós, enquanto profissionais da área de design, em especial, UX Designers, precisamos observar com atenção estes dois conceitos no dia a dia de trabalho.

Para começar, o que significa Output e Outcome?

Output (traduzido para o português, significa "Saída" ou "Produto"), representa aquilo que criamos — um produto ou um serviço. Pode ser uma funcionalidade de um aplicativo, bugs que foram corrigidos ou os códigos que são colocados em produção e desenvolvimento (Casasola, 2020). Está relacionado às funcionalidades, requisitos, interfaces e recursos.

Outcome (traduzido para o português, significa "Resultado") é o problema que resolvemos por meio de um produto (Lorenger, 2016). Está muito mais relacionado a valores, impactos, comportamento e retorno sobre investimento.

Para exemplificar o que seriam estes conceitos, Konings apresentou um trecho do mocumentário¹ (do inglês "Mockumentary") de 2015, dirigido por Jake Szymanski, "Seven Days in Hell" (traduzido para português, significa "Sete Dias no Inferno"), inspirado na história real de dois tenistas profissionais que se enfrentam naquela que se torna a partida mais longa da história.

#PraCegoVer: Foto com o fundo preto, com dois jogadores de tênis usando roupas e faixas brancas na cabeça. Fonte: HBO

O jogador de Tennis Charles Poole (personagem interpretado por Kit Harington) está sendo entrevistado por um canal de esportes, pois é um dos atletas na disputa para se tornar o melhor jogador do mundo. Na entrevista, uma das perguntas feitas a Charles é como ele chegou no alto nível da modalidade do tênis. A cômica explicação dada por ele foi que simplesmente rebatia a bola para o campo do adversário e evitava rebater a bola para fora das quatro linhas para não perder pontos. Ou seja, basicamente, o personagem falou das especificações técnicas do jogo para conquistar pontos e das regras da modalidade do tênis.

Esta descrição feita pelo atleta, podemos considerar como sendo um Output, pois refere-se aos pré-requisitos e especificações da modalidade do tênis. Neste caso, o Outcome não foi descrito pelo atleta. Se fosse descrito, o Outcome estaria relacionado a estratégia que foi desenvolvida por ele durante sua carreira, que o elevou ao patamar de um grande atleta de tênis, um dos melhores do mundo.

Portanto, é importante entendermos que Output não é igual ao Outcome

O Output se refere a especificações, enquanto o Outcome está relacionado a impacto e valor. É neste sentido que Konings destaca a importância do Designer criar Outputs com propósito e intencionalidade.

“ […] desafiar a noção de que um designer é definido por aquilo que cria visualmente, porque o design, por si só ou as coisas que nós vemos, isso é somente um Output. E produzir esse Output, criar essa interface tangível do produto, são apenas apostas para o que fazemos como Designers. É o mínimo para que possamos nos chamar de Designers. Nos permite fazer parte do jogo. Escolher coisas como cores, sombras e padrões de interação não realiza nada, se não for aplicado com propósito.” (Konings, no WCDC 2021)

Loranger (2016), corrobora com esta percepção ao destacar que uma das maiores armadilhas do planejamento de produtos é focar em Outputs acima de Outcomes — isto é, pensar como o produto será desenvolvido, sem antes pensar em seu propósito.

Se formos pensar em uma forma de se chegar em um Outcome, precisamos incluir a Intencionalidade nesse processo.

Output + Intencionalidade = Outcome

A intencionalidade remete a propósito, intuito e desejo. Vem para complementar os Outputs que criados, darão sentido ao que é desenvolvido. E, é nesta linha que Konings destaca a relevância do UX Designer incluir intencionalidade no desenvolvimento de Outputs.

Produzir uma interface bonita, só importa quando aplicada com intenção e propósito. E como Designers, precisamos considerar criar ótimos Outcomes, não somente Outputs. (Konings, no WCDC 2021)

Para ficar mais tangível, Konings destacou um caso no qual o Output, quando somado a intencionalidade, gerou Outcome relevante

Caso do Computador Watson da IBM

#PraCegoVer: Foto com dois campeões do Jeopardy!, são homens brancos e usam terno. Estão no púlpito digital competindo contra o computador chamado Watson. Fonte: The New York Times

Um bom exemplo de quando intencionalidade importa mais do que o próprio Output é o caso do computador Watson da IBM.

Em 2011, o computador Watson da IBM competiu contra dois dos maiores campeões do Jeopardy! nos Estados Unidos.

Jeopardy! é um programa de televisão, um show de perguntas e respostas (quiz) com temas como história, literatura, cultura, ciências entre outros. Diferente dos quizes tradicionais, neste show os temas são apresentados como respostas e os concorrentes precisam formular a pergunta correspondente a cada um dos temas. Vale destacar que um dos maiores desafios do Jeopardy! está relacionado ao fato de ser um jogo de palavras extremamente complexo.

O computador Watson venceu o desafio com o resultado final bem superior aos dois maiores campeões da competição.

Esta realização não estava relacionada ao que o Watson era capaz armazenar em quantidade significativa de conhecimento e informações, mas estava associado ao fato dele fazer pesquisas de linguagem natural muito complexas com base nas perguntas e conseguir encontrar respostas a partir de dados não estruturados.

Depois do sucesso do Watson no Jeopardy! a equipe da IBM quis entender como seria possível aplicar as mesmas realizações que foram demonstradas no Jeopardy! dentro do contexto de cuidados com a saúde. Um dos campos identificados foi o de explorar Como a Inteligência Artificial poderia melhorar “Alfabetização em Saúde²” para pacientes em tratamento de câncer (Alfabetização em Saúde vem do termo em inglês, Medical Literacy, que significa a capacidade de obter, ler, compreender e usar informações sobre a saúde do paciente para tomar decisões apropriadas para o tratamento).

Computador Watson da IBM como um sistema de suporte a decisão clínica

#PraCegoVer: Foto de uma paciente, uma mulher preta usando uma bata e máscara cirúrgica fazendo exame com aparelho de mamografia de rastreamento. Fonte da imagem: Cleveland Clinic

Konings trabalhou em um projeto com o objetivo de explorar como Inteligência Artificial pode ser usada para identificar câncer de mama. A mamografia de rastreamento — trata-se de um procedimento padrão que todas as mulheres fazem uma vez por ano quando completam 40 anos. Apenas cerca de 5% a 10% dessas mulheres são chamadas de volta para um acompanhamento. Destas que retornam, uma pequena parcela realmente tem câncer de mama.

Fazer mamografia é um procedimento extremamente importante e, segundo Konings, nos Estados Unidos existe uma escassez de radiologistas para atender essa demanda. Dessa forma, ela e a equipe da IBM estavam focados em resolver esse problema por meio da tecnologia — o computador Watson.

Em teoria, a ideia por detrás da resolução deste problema por meio da Inteligência Artificial do Watson, seria a seguinte:

Após os exames, o médico radiologista teria como resultado um relatório contendo informações sobre o paciente para ser analisada. Neste relatório teria uma coluna dedicada ao Watson, onde seria sinalizado se existisse o caso de pacientes considerados de "alta preocupação". Uma vez que o Watson verificou e considerou o caso de risco, o radiologista deveria lê-lo e avaliar. Conforme pode ser observado na imagem a seguir.

Fonte: Baseado na palestra da Product Designer Lily Konings no WCDC 2021

Entretanto, apesar do Watson ser uma ferramenta útil para identificar os casos anormais e com maior probabilidade de câncer, existiam uma variedade de pontos de atenção que demandavam a equipe da IBM ser um pouco mais cautelosa:

  1. Há uma complexidade muito grande de conseguir detectar os primeiros sinais de câncer de mama ao longo do tempo. A equipe da IBM entendeu que seria muito difícil sinalizar todos os casos suspeitos e que essa seria uma promessa muito difícil de ser realizada.
  2. Existe um certo nível de desconfiança dos médicos radiologistas com o uso da tecnologia, pois, com a ferramenta, eles não desempenhavam um trabalho melhor, apenas refaziam o trabalho gerando a percepção de análise duplicada. Ou seja, o Watson fazia uma análise semelhante à deles.

Eis, então, que surgiu a ideia de fazer o oposto. O que efetivamente ajudou a resolver os dois problemas destacados anteriormente.

Ao invés de marcar os casos suspeitos de câncer, o Watson foi programado para identificar os casos normais, o que se aproximaria de um quantitativo maior de casos sem sinais de câncer.

Era muito mais fácil ensina-lo a reconhecer a monotonia dos casos normais do que reconhecer todas as razões pelas quais um caso específico era um ponto fora da curva. Além disso, os médicos confiavam no Watson para fazer o que era o trabalho de um profissional residente iniciante — a pré-leitura. Trata-se de um trabalho que muitas vezes era atribuído a um residente que ainda estava aprendendo e, por isso, o Watson estava basicamente desempenhando uma função familiar, porém, muito mais rápido e menos chances de cometer erros.

Neste novo cenário, o relatório viria conforme a imagem a seguir.

Fonte: Baseado na palestra da Product Designer Lily Konings no WCDC 2021

Konings ressaltou que para se chegar nessa solução, foram 4 meses do início do Discovery até a entrega. Neste período houve um extenso trabalho de pesquisa envolvendo médicos, engenheiros e stakeholders. Tais pesquisas que permitiram uma compreensão profunda do ambiente que estava sendo construído, guiados pelo objetivo maior de detectar o câncer de mama.

Portanto, o ponto de destaque neste caso é que o problema que realmente precisava ser resolvido não estava tornando o design mais bonito, mais utilizável ou mais sofisticado, mas estava tornando mais fácil o processo de trabalho dos médicos radiologistas.

Reajustar a rota faz parte do processo

Entendendo que naquele momento havia muita tensão, esforço e incerteza para o desenvolvimento de um produto que poderia acabar não sendo confiável, a decisão de ajustar a rota do projeto Watson foi importante para a manutenção do propósito e da qualidade do produto. Nesse processo, a equipe poderia ter pensado em continuar com o objetivo inicial de identificar os casos com indícios de câncer de mama, apenas para provar ser autossuficiente. Entretanto, ao reconhecer as limitações e repensar a estratégia com o foco em detectar os casos normais, isto permitiu que a equipe realizasse o propósito de uma outra maneira.

O processo de se ajustar a rota implementado pela equipe de Konings não foi simples. Considerando que cada paciente possui biomarcadores que lhes são exclusivos, foi necessário ensinar ao Watson a entender a diferença entre variações normais no corpo humano e variações que indicam câncer. Além disso, certas mulheres correm um risco maior de câncer de mama com base em sua história e demografia e, portanto, exigem um conjunto completamente diferente de avaliações. Tudo isso, exigiu da equipe da IBM uma análise ampla, do que era possível ou não ser feito nessa nova rota.

Dessa forma, essas são apenas algumas questões que entraram no processo de ajuste da rota, de tantos outros destacados por Konings. E a lição que ela quis trazer disso tudo é que o melhor trabalho de um designer é realizado fora dos fluxos e das telas. Está relacionado ao propósito e valor que está sendo gerado.

O melhor trabalho do designer é invisível e envolve intencionalidade

Portanto, como podemos acrescentar maior intencionalidade no nosso trabalho?

#Dica 1: Entenda o contexto geral ("the big picture") do negócio.

É importante conhecermos o contexto geral (the big picture) da empresa. Tudo que trabalhamos contribui para algo maior, envolve um esforço em direção a uma meta abrangente, seja uma meta de negócios ou uma meta direcionada ao usuário. Tudo o que fazemos está dentro de um sistema complexo cujas partes não são isoladas, mas, possuem sinergia entre si.

"O que pensamos e o que fazemos em uma jornada ou um ponto específico do produto, poderá ter um efeito cascata maior, quer pretendamos ou não."(Konings, no WCDC 2021)

Por exemplo, a tarefa de um Designer pode ser o Redesign de uma página FAQ (do inglês, Frequently Asked Questions, que significa Perguntas Frequentes). Konings destaca que existem duas formas pelas quais podemos encarar este tipo de demanda em uma empresa:

  1. Elaborar uma nova interface baseando-se apenas em requisitos e boas práticas de design, com intuito de deixa-la visualmente agradável e funcional.
    OU…
  2. Elaborar uma nova interface pensando não somente no seu aspecto visual, mas também, refletindo no propósito dessa tarefa, que talvez a melhoria da interface da página reduziria o Taxa de Contato no suporte de atendimento ao cliente. Quando consideramos o propósito em nossas tarefas, podemos ver o quão grande é o impacto do nosso trabalho, o quão estratégico ele é para uma organização.

Assim, precisamos saber onde nos encaixamos no quadro geral e como o nosso trabalho se destina a ajudar a empresa na direção do objetivo maior. Descobrindo isto, as intenções por trás do nosso trabalho se tornam muito mais completas.

#Dica 2: Entenda a complexidade do ecossistema. Seja inclusivo!

É importante entendermos que o trabalho que desenvolvemos está dentro de um ecossistema muito complexo — é composto por uma multiplicidade de pessoas, com características distintas que podem fazer uso de um produto ou serviço.

Isto é, as pessoas, ao utilizarem produtos e serviços, poderão fazê-lo dentro de diversos cenários de uso e problemas diferentes poderão surgir, pois o comportamento humano é complicado e imprevisível. Este cenário da complexidade e da incerteza, aumenta ainda mais o desafio no processo de elaboração e desenvolvimento de produtos.

Portanto, ao desenvolvermos produtos e prestarmos serviços, é importante considerarmos os casos de uso comuns e conhecidos—por exemplo, pessoas que usam dispositivos diferentes. Ou seja, é importante levarmos em conta pautas conhecidas. Mas, também é importante não esquecermos dos clientes que podem fazer o uso de um produto ou serviço, mas que são muitas vezes ignorados por se tratarem de uma minoria (numericamente falando) — pessoas com deficiência, por exemplo.

Conforme Konings destacou, o público de menor representatividade pode acabar sendo mais fácil de deixar de lado, entretanto, são eles que se tornam importantes marcadores de uma experiência de excelência, pois, caso suas necessidades sejam correspondidas, isto já representa um indicativo de que a qualidade do produto é endereçado ao público de forma abrangente.

#Dica 3: Entenda que Trade-offs existem e que em alguns momentos será preciso fazer escolhas difíceis.

Muitas vezes, as limitações no trabalho podem ser resultado de situações que existam conflitos de escolha. É o que denomina-se de Trade-off (resultado de situações contraditórias, de divergência).

Conhecer as limitações que temos para realização do nosso trabalho é fundamental para que façamos escolhas assertivas. Estas limitações podem estar relacionadas a uma variedade de fatores, como por exemplo, disponibilidade de tempo, viabilidade de ferramentas para realização de um projeto e demandas vs prioridades concorrentes.

A nossa capacidade de oferecer uma solução sólida, mesmo diante destas limitações é o que diferencia o nosso trabalho. Por isso, é de fundamental importância entender as restrições para que seja possível buscar alternativas e mesmo diante dos percalços, se manter intencional no desenvolvimento do produto ou serviço.

#Dica 4: Faça perguntas! Desenvolva o Pensamento Crítico.

Se houver dúvidas de como adicionar maior intencionalidade no seu trabalho, uma sugestão é começar fazendo perguntas. É não ter medo de estar insatisfeito com as informações que lhe são apresentadas e querer saber mais, aprofundar no assunto. Pergunte:

Por que isto é importante? Por que estamos fazendo isso?

O desenvolvimento do pensamento crítico, por meio de interpretações, avaliações e julgamentos, nos ajudam a "criar sentido" durante o processo de tomada de decisões. E vale salientar, que este processo de criação de sentido pode ocorrer em níveis — individual, grupal e organizacional— e de forma racional (planejada) ou extemporânea (a medida que os eventos ocorrem, vai-se estruturando e aprendendo). E disso tudo, poderemos ter como resultado decisões mais conscientes, assertivas e oportunidades de aprendizado.

Considerações finais

Para criarmos melhores experiências em produtos e serviços, precisamos incluir aos nossos Outputs, INTENCIONALIDADE e PROPÓSITO, em busca da visão direcionada a Outcomes.

Trata-se de um exercício diário e que requer a prática de reflexão contínua no nosso dia a dia de trabalho—exercício de pensar, entender e criar sentido, considerando o nosso contexto, o nosso produto/serviço e as pessoas que serão favorecidas por aquilo que desenvolvermos.

Notas

  1. Um estilo narrativo de documentário, que produz uma obra de ficção com um toque de humor.
  2. Capacidade médica de obter, ler, compreender e usar informações sobre a saúde do paciente para tomar decisões apropriadas para o tratamento

Agradecimento a Comunidade PretUX

Gostaria de agradecer a Comunidade PretUX, pela oportunidade de participar do World Class Designer Conference (Conferência de Designer de Classe Mundial) de 2021. Um evento de altíssima qualidade, com palestras e workshops feito por profissionais da área de UX Design. Obrigado por ajudar nós, PretUX, a acessar conhecimentos de alto nível!

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Arthur Santos
Pretux
Writer for

UX Researcher. MSc in Business Administration. Curious & Not so good humorist.