Processo seletivo racista: a história de terror de uma mulher preta migrando para UX

Jeniffer Lacerda
Pretux
Published in
5 min readJan 5, 2021
Sou uma mulher preta, mãe solo da periferia, que sempre lutou muito pra estudar e ter as mesmas oportunidades de outras pessoas em melhores condições. Só que conquistar um espaço no mercado de trabalho não é assim tão fácil.

O mercado de trabalho é um ambiente muito competitivo e agressivo onde existem vários tipos de profissionais. E uma delas sou eu.

Meu nome é Jeniffer, sou uma mulher preta, periférica e mãe solo de 2 filhos que sempre lutou muito para estudar e ter as mesmas oportunidades de outras pessoas em melhores condições. Só que conquistar um espaço no mercado de trabalho não é tão fácil assim. Ainda mais para uma mulher preta.

Estou no processo de transição de carreira do secretariado para UX Design desde o início de 2020. Me apaixonei por UX Design por diversas razões, mas o que mais me fascina é tornar a experiências das pessoas melhores através do meu trabalho.

Não tem sido nada fácil, principalmente se levarmos em consideração toda a situação provocada pela Covid 19 e como as populações pretas e periféricas sofrem mais com as consequências da pandemia.

Como muitos perdi meu emprego durante a pandemia, e comecei a me aplicar nas vagas de UX, quando depois de meses de estudo e prática, recebi um convite para participar de uma entrevista. Fiquei tão feliz e animada… senti que todo o trabalho e meses de estudo finalmente dariam resultado. Depois de vários “nãos”, parecia que o meu sim tinha chegado.

Depois de vários processos sem conseguir chegar ao menos na fase da entrevista, aquela parecia ser a minha grande chance de mostrar minhas habilidades e conhecimentos que nem o mais elaborado e descritivo estudo de caso consegue transparecer.

No dia da entrevista pensei “Hoje eu vou conseguir o meu tão sonhado sim, vou estudar, me preparar”. Acredito que muitos devam fazer o mesmo: dedicam tempo e esforços pesquisando sobre a empresa e sua cultura, se preparam para ter uma conversa com uma pessoa que mal conhecem e o nervosismo toma conta, são múltiplos sentimentos que temos já que aquele momento, aquela entrevista pode determinar o seu futuro.

Durante a entrevista, que foi inicialmente tranquila, o entrevistador foi muito simpático e tentou me deixar o mais tranquila possível. Tudo parecia ir bem. Mas no meio da nossa conversa, comecei a ficar desconfortável com alguns assuntos trazidos e perguntas feitas:

- “O que você acha sobre cotas raciais?”

- “Você pensa sobre pessoas periféricas?”

- “Você acha que somente as pessoas pretas precisam de ajuda?”

Confesso que foi no mínimo perturbador ter que responder essas perguntas em uma entrevista de emprego, um ambiente onde uma resposta em desacordo com a crença dele poderia me colocar em desvantagem. Ainda mais depois de o entrevistador falar que não concordava com cotas.

Ele como homem e pessoa em posição de poder, não deveria me fazer perguntas sobre um assunto tão delicado durante uma entrevista. Já que naquele momento ele exercia um papel decisor naquela dinâmica sendo a pessoa que decide meu futuro.

E essa pessoa é um UX Designer. O mínimo do seu trabalho é ter empatia e criar boas experiências. Um trabalho que, a julgar pela minha interação com ele, deve fazer mediocremente.

Mas não acaba por aí, ele pediu pra eu pensar em dois pontos. Disse ele:

— “Tem pessoas participando do processo seletivo que são mais qualificadas do que você, com mais experiência, mas que acredito que pessoas que estão iniciando podem ter melhor desempenho que os demais.”

— “Essa vaga em questão exige um profissional para trabalhar além do horário … também aos finais de semana sem a cultura de horas extras ou banco de horas, o que consequentemente vai ferir seu relacionamento com seus filhos já que não teria muito tempo livre.”

No primeiro momento eu não tive reação, fui pega de surpresa, não esperava por esse tipo de assunto.

Ele realmente invalidou meus estudos e qualificação? Ele realmente fez demandas ilegais de trabalhar sem receber por horas extras e inclusive nos finais de semana potencialmente ferindo meu relacionamento com meus filhos?

Apenas finalizei a entrevista e fiquei com aquele sentimento de impotência. Comentei com a minha mãe que havia passado para a próxima etapa do processo, mas toda aquela animação agora havia se tornado fraqueza e dor. Eu realmente não sabia o que fazer.

No dia seguinte tive uma conversa com o meu mentor da PretUX onde contei a experiência que tive. Ele ficou horrorizado com aquela situação, e por causa do choque, nem conseguiu me aconselhar como gostaria e levou o meu caso para a pessoa responsável pela área de mentorias.

Conversamos bastante e ele foi abrindo a mente sobre como deveria me comportar diante dessa situação para não prejudicar ainda mais o meu psicológico, ele foi a luz no meu caminho, mandei o e-mail de recusa da vaga explicando os motivos do meu encerramento no processo, foi quando mais uma vez eu fui surpreendida e novamente ferida pela falta de empatia.

print dos e-mails

A triste realidade de mulheres pretas

Essa é a experiência de muitas mulheres pretas não só no mercado de trabalho, mas também na vida pessoal. Preteridas, diminuídas, inferiorizadas e violentadas. E essa continuará sendo a experiência enquanto empresas, e seus profissionais cegos pelos seus privilegios, não se preocuparem realmente com a diversidade que tanto dizem prezar.

De nada adianta se vender como uma empresa diversa se seu processo seletivo é extremamente discriminatório e as pessoas que praticam racismo não sofrem com nenhum tipo de consequência.

Enquanto essa história de terror entra pra estatística, eu sigo desempregada, e ele segue entrevistando e traumatizando pessoas, sendo racista sem conseguir fazer o básico do seu trabalho: ter empatia.

Mas eu sigo confiante, acreditando no meu potencial e na minha força, buscando minha recolocação no mercado de trabalho e acredito que meu sim vai chegar.

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