JOSÉ bonifácio de andrada e silva

José Bonifácio, o pai do Brasil

Artigo publicado no jornal A Tribuna, de Santos/SP, dia 12 de junho de 2013, véspera das festas em homenagem aos 250 anos de José Bonifácio

Rafael Nogueira
4 min readSep 2, 2013

--

Lembrado pelos livros de história apenas como o senhor erudito, elitista e mal humorado — mais conhecido como o “Patriarca da Independência” — que ajudou D. Pedro I a dar início ao Império do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva pode ser enquadrado no rol dos patriotas injustiçados por sua pátria. Pátria que fundou. Não à toa, um cientista político norte-americano, ao escrever sobre José Bonifácio, referiu-se a ele como “o pai esquecido por sua pátria, o Brasil”.

José Bonifácio não merece o esquecimento. Sua vida é fecunda de bons exemplos capazes de guiar a juventude na direção do patriotismo, da honestidade, da honra e do amor ao conhecimento. E sua obra multifacetada aponta novas perspectivas para a compreensão do Brasil e do brasileiro, além de inspirar planos futuros. Tomar conhecimento de seus feitos não desaponta nem o mais cético e desinteressado dos brasileiros.

Espírito poliédrico, reunia em seu caráter aspectos aparentemente inconciliáveis. Deleitava-se com os clássicos da literatura e, ao mesmo tempo, queria extrair de suas meditações resultados práticos imediatos, capazes de beneficiar a sociedade. Tinha erudição enciclopédica à francesa, e agia com o pragmatismo de tipo anglo-saxão. O estrategista político, o ministro incansável e de honestidade à toda prova, foi também um inspirado poeta. E esse escritor apaixonado destacou-se como herói de guerra.

Se por um lado foi precursor da ecologia, defendendo as baleias catarinenses, a plantação de bosques em Portugal e as matas cariocas, por outro, foi também um desbravador dos mistérios da natureza, duas facetas hoje consideradas inversas. Seus feitos científicos renderam-lhe, inclusive, uma homenagem feita pelo geólogo norte-americano James Dana, que batizou um minério de “Andradita”. O concentrado estudioso tinha temperamento festivo, além de ter sido mulherengo e irritadiço.

A integração das contradições de sua alma o tornou confiante para resolver as contradições do Brasil, que não tinha sido criado por Portugal para ser uma nação. O projeto que tinha para o Brasil era o de formar uma nação homogênea com os elementos mais díspares possíveis. Alguns exemplos da ideia de nação que tinha em mente:

Andrada vivia a considerar todo o espectro do povo. Desenhando a bandeira.

(1) manter unidos todos os povos da América Portuguesa – se o Brasil é gigante, não é “pela própria natureza”, mas pela iniciativa de José Bonifácio e daqueles que seguiram o plano bonifaciano; (2) a união entre uma atitude ministerial não-intervencionista e fomentadora da livre-empresa e o profundo sentimento social que o levou a lutar contra a escravidão e o latifúndio; (3) o fomento à miscigenação – para Bonifácio, o “amálgama racial” não devia ser somente o resultado natural do contato entre várias raças, mas uma política de estado ligada à libertação dos escravos, à integração dos indígenas e à formação de uma raça original; (4) a luta para desentravar a cultura, a ciência e, principalmente, a educação – conquista primordial para existir participação popular consciente no sistema representativo que estava a fundar.

Quando D. Pedro I foi assediado por inimigos da pátria — mal aconselhado por interesseiros e egoístas, sobretudo uma amante e um amigo boêmio pagos por maçons anti-Andradas e por fazendeiros anti-emancipação — , passa de admirador e amigo a adversário político de José Bonifácio. De pouco em pouco, são colocados obstáculos quase intransponíveis à realização do projeto nacional do Andrada, que acaba postergado indefinidamente com seu exílio. O fato de ter voltado, um dia, para ser tutor do pequeno Pedro de Alcântara (que viria a se tornar D. Pedro II), a convite do mesmo D. Pedro I que uma vez o expulsou, representa sua ação voltada ao bem das próximas gerações, porque já não escondia que não acreditava possível viver o suficiente para ver germinar o bem que plantou.

Examinar a vida de José Bonifácio pode não trazer todas as respostas aos problemas do presente, afinal, o Brasil mudou muito. Contudo, uma vez que a nação por ele imaginada ainda é melhor que a que temos realizada, o sentido da sua vida pode se estender às nossas, na medida em que discutimos um arquétipo nacional comum e lutamos por dar vida à nação que queremos compartilhar.

José Bonifácio não é só o santista mais ilustre da história. É o fundador esquecido de sua pátria. O pai desprezado de cujos conselhos poderiam fazer ressurgir nas almas brasileiras aqueles nobres ideais tão ansiados para ser possível, finalmente, acreditar na esperança de dias melhores.

Dia 13 de junho de 2013, José Bonifácio completaria 250 anos. Homenagens foram prestadas em Santos, entre as quais, uma palestra na Câmara Municipal de Santos proferida por mim: http://www.youtube.com/watch?v=IPwuvmrdrmM. Tudo começou, como já é tradição da cidade aos 13 de junho, com uma cerimônia em frente ao Panteão dos Andradas, onde é possível ver o túmulo de José Bonifácio e, na frente dele, a pedra tosca na qual o Andrada pediu que fossem gravados os seguintes versos do poeta português Antônio Ferreira:

“Eu, de uma coisa só fico contente,

Que a minha terra amei, e a minha gente.”

--

--

Rafael Nogueira

Estudioso pangnoseológico inspirado pelo exemplo da noz: cérebro bem nutrido protegido por uma casca grossa.