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Você é a política.

Tenho ouvido e lido muita gente dizer que “torce”, “espera”, “sonha”, “tem medo” que alguma coisa aconteça ou deixe de acontecer. Hoje conto a vocês que a gente só muda a política fazendo política, e que esse fazer também muda a gente que, por sua vez, muda a política. É preciso começar o ciclo.

Marília Moschkovich
Brasil: de 2013 ao futuro
7 min readJun 28, 2013

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“Estou com medo”, diz um. “Espero que não aconteça”, diz a outra. “Torço pela nossa democracia”, comenta um terceiro. Ao perceberem que há um jogo não muito evidente rolando na onda de manifestações, na cobertura da mídia, na repressão policial, muitas pessoas me escreveram com atitudes assim. Se estivermos mesmo diante de um golpe, de uma nova ditadura, de um Estado autoritário, ou da perda de direitos civis e políticos, como enfrentar a situação? O que fazer com a angústia no peito, com o medo crescente, com os planos secretos de fugir do país?

Sonho que se sonha só é só um sonho

Vocês se lembram da distância criada entre os cidadãos e a política ao longo da história do Brasil? Pois é essa mesma distância que nos habitua (muito perversamente) a lidar com a política como se ela fosse fruto de movimentações sobrenaturais pelas quais nada podemos fazer. Ora, num primeiro momento você sequer reconhecia a influência da política em sua vida. Agora, reconhecendo, e se interessando por ela, precisa aprender a próxima lição:

Você é a política.

A política, afinal de contas, não é feita de acaso. A política não é resultado de forças divinas, astrológicas ou da sorte, pelas quais devemos “esperar” ou “torcer”. A política é feita de gente, de disputas, de decisões. A política é feita de relações.

Isso quer dizer que, embora legítimo, o medo paralisante não tem razão de existir. É preciso, pelo contrário, resistir. Em todos os casos da história o sucesso e o fracasso de golpes e outras manobras estiveram ligados à reação e às ações de cidadãos comuns, assim como vocês e eu. Vocês acham que Hitler subiu ao poder ameaçando toda a população alemã de morte? Ou que o golpe de 1964 no Brasil escandalizou a sociedade na época? Nananinanão. O apoio geral da população foi essencial para esses e tantos outros episódios da história política.

Distintas ‘senhouras’ vão às ruas apoiando o golpe militar que depôs Jango em 1964. Sob o pretexto de “salvar o Brasil do comunismo” grande parte da população apoiou a instauração da ditadura. Esse apoio foi crucial para o sucesso da manobra política que deu poder aos militares.

O que quero dizer com isso é que a decisão sobre o futuro está nas mãos de cada um de nós. Quando escolhemos como nos posicionar diante de fatos e acontecimentos do presente, produzimos novas teias de eventos para o futuro. Por isso, especialmente nesse momento de nossa história, é tão importante refletir sobre como você se posiciona e, mais do que isso, agir de alguma maneira.

Peraí! Agir?

Como posso agir se estou começando agora a conhecer um pouco mais de política e história política? Como devo me posicionar? O que eu posso fazer?

Sonho que se sonha junto é realidade

“O homem é um animal político”, disse Aristóteles, ao que eu acrescentaria “a mulher também”. Essa nossa característica está ligada a duas outras características essencialmente humanas:

  1. Nós, seres humanos, somos essencialmente coletivos e vivemos em sociedade. Essa é uma das poucas coisas “naturais” dos seres humanos [a quem interessar, conheça o paradoxo da proibição do incesto descrito por Claude Lévi-Strauss];
  2. Ao mesmo tempo, uma das mais importantes diferenças entre nós e os demais animais é que nós somos capazes de elaborar esquemas simbólicos de classificação e hierarquização do mundo e a partir desses esquemas interpretamos a realidade à nossa volta [e nem sou eu que estou dizendo, é o Marcel Mauss].

Isso quer dizer que (i) nós sempre nos relacionamos com outras pessoas e grupos de pessoas e (ii) essas relações são sempre relações de poder (que partem justamente da forma como interpretamos e organizamos o mundo social usando esses esquemas de classificação e hierarquização de coisas, seres e pessoas). O resultado dessa combinação é que, vivendo em sociedade, em especial na nossa, é impossível fugir da política.

A política não está apenas nas ações do Estado de do poder público, mas em diversas outras formas de organização. Ela acontece a cada vez que você participa de decisões coletivas em grupos organizados (sua turma na faculdade, a reunião de condomínio, as decisões de um projeto profissional, a colaboração para um evento de sua igreja ou associação comunitária, etc). Nesses momentos, você está necessariamente lidando com pessoas em diferentes posições de poder numa hierarquia, jogando com uma variedade de interesses, opiniões, ideias e experiências, e tomando uma decisão que contemple o coletivo de alguma maneira. Pois isso é que é “política”.

A política nunca é uma ação individual. Nem em seu nível mais microscópico, unitário. Ela exige pelo menos duas pessoas para poder existir. Daí a força de reivindicações e opiniões que são planejadas e pensadas por grupos de pessoas. Daí a importância de participar de espaços coletivos de troca para aprender a política.

Ok, mas e o poder público com isso?

O processo político que acontece em grupos menores, locais, pode significar um enorme aprendizado para a participação no poder público. As habilidades e percepções que desenvolvemos participando de espaços coletivos organizados são extremamente úteis na hora de compreender a política que acontece no Estado e no poder público de maneira geral.

Uma das melhores formas de aprender sobre política (se não a melhor) é justamente participando da política.

A participação individual, à distância, via internet, é muito importante mas simplesmente não é suficiente. Em termos de formação política, o conhecimento de livros, textos, vídeos é uma espécie de “base” sobre a qual você vai traçando seu caminho. Para caminhar, porém, é preciso confrontar essa “base” com outras informações, ideias, discussões, acontecimentos. Isso se faz em espaços coletivos organizados.

Um “espaço coletivo organizado” não necessariamente é um partido. Os partidos são, por excelência, os “espaços coletivos organizados” que disputam o poder público e se ocupam da política que envolve o Estado. Nosso sistema político é todo baseado em partidos, ainda que você individualmente imagine que está votando “no candidato”. Embora nem sempre essa informação esteja explícita, porém, as decisões da vida pública não são tomadas exclusivamente por partidos no executivo e legislativo.

Além dos partidos, dos técnicos empregados pelos governos municipais, estaduais e pelo governo federal, e além do poder judiciário (que é o único dos três poderes sobre o qual não temos influência, voto, participação, nada - mas isso é assunto para outro post), as decisões do Estado também são forjadas por lobby, pressão, discussões, etc. com movimentos sociais e outras organizações coletivas.

A inclusão de história da África nos currículos escolares, por exemplo, ou a criação de programas de renda de cidadania (como o bolsa-família) são resultado de longas batalhas de movimentos sociais organizados como o movimento negro e outros movimentos populares. Os grupos organizados que estão “fora” do Estado, ao se relacionarem com quem ocupa o Estado (partidos, técnicos, intelectuais, cientistas, etc), encampam uma luta política extremamente produtiva. Participar de um movimento social organizado que defenda um projeto de sociedade ou causa em que você acredita é uma forma extremamente eficaz de fazer política também (para isso, é claro, você precisa se informar e pensar em que, afinal, você acredita).

Individualmente (mas nem tão individualmente assim), você pode manter alguns hábitos saudáveis básicos, como acompanhar periodicamente as atividades da bancada do parlamentar ou vereador em quem você votou, ou mesmo do próprio eleito (caso tenha conseguido o cargo). É importante prestar atenção ao posicionamento coletivo das bancadas partidárias, mesmo que você, na hora da urna, tenha pensado mais no candidato e menos no partido. Lembre que, independente de sua vontade, se o candidato que recebeu seu voto tivesse sido eleito, ele provavelmente se posicionaria daquela forma, endossando o projeto político defendido pelo partido.

Quer dizer: com que moral você vai reclamar que “aqueles vagabundos não trabalham” se você sequer sabe o que estão fazendo quando faltam às sessões ou quando estão lá “trabalhando” (também é importante quebrar o mito de que o único trabalho dos parlamentares é comparecer às sessões, mas prometo fazer isso em outro post)? O que é o “trabalho” que aquela bancada e/ou parlamentar tem feito?

Além disso, em muitos casos, o próprio poder executivo e o legislativo têm canais de participação popular dos quais você pode se inteirar sem necessariamente se filiar a partidos ou participar de movimentos sociais organizados. Um exemplo são os orçamentos participativos, que existem em diversas cidades brasileiras. Outro exemplo são as conferências temáticas (como a conferência nacional de juventude) organizadas pelo governo federal. Outro, ainda são conselhos consultivos municipais, estaduais e federais.

A participação na política, no poder público, no Estado, muda a política, muda o poder público, muda o Estado. Muda a gente, também, porque envolve debate, discussão, confronto de ideias, observação do funcionamento da vida pública. O Estado tem espaços (não suficientemente, mas tem) de participação popular. Precisamos ocupá-los.

Pra inspirar, um poema

Termino com um poema. Gostaria que ele tivesse sido o título do post, mas a formatação padrão não ajudou.

A graça deste tipo de verso é a leitura em voz alta. Então leia. Leia em voz alta. As palavras repetidas ganham novos sentidos. Quantos sentidos você consegue dar a essa frase?

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(Essa sou eu, me divertindo com os versos:)

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Marília Moschkovich
Brasil: de 2013 ao futuro

socióloga-antropóloga, escritora-poeta, feminista-comunista, antirracista, não-mono/relações livres