Saúde

As crianças não estão bem

Como a escola pode lidar com a crescente depressão juvenil

Ana Carolina Gonçalves
Olhares Plurais

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Imagem: Pixabay

Teachers, por favor! Ajudem aqui!”

O pedido, salpicado de emojis e de outras mensagens em rápida sequência, veio por um grupo de WhatsApp. O grupo, como milhares de outros, era composto por adolescentes alunos de uma turma de um curso de inglês de Cachoeirinha (RS), sua professora e a professora do semestre passado, com a qual já tinham até uma relação de amizade fora da sala de aula. Tal grupo servia para lembrar do homework da semana, para praticar a conversação em inglês fora da escola, para memes — e, naquela noite em especial, para tentar salvar uma vida.

Uma das alunas, Luiza*, 12 anos, conversava com uma amiga de fora do curso, quando esta disse querer tirar a própria vida — de preferência ainda naquela noite. Luiza tentava dissuadi-la como podia, mas a menina parecia resoluta. Desesperada, Luiza recorreu ao grupo de WhatsApp do inglês, na esperança de que as professoras em quem confiava pudessem ajudá-la. Chamou pelas teachers e alertou os colegas, dizendo que tinha medo de envolver a própria mãe e do que poderia acontecer.

Serviços de emergência foram acionados e a família da amiga de Luiza, alertada. Ela sobreviveu àquela noite. O grupo ficou ainda mais unido.

Alguns meses antes, o mesmo curso de inglês viu uma das alunas, Ariel*, 14 anos, parar de frequentar as aulas. Ariel era uma excelente aluna, com um nível do idioma muito além do esperado para sua idade, monitora dos alunos de níveis mais baixos, muito envolvida com a escola, com os funcionários e no espectro LGBT+. Por semanas, os funcionários se perguntavam o que teria acontecido, mas eram orientados pela diretoria a não perturbar a aluna e sua família. A coordenadora pedagógica contou aos professores, discretamente, que Ariel tentou suicídio graças ao bullying de colegas homofóbicos. Contudo, estavam todos proibidos de tocar no assunto em sala de aula, proibidos de contatar Ariel sobre o assunto e proibidos de sequer mencionar isso com os colegas que a levaram a cometer tal ato.

Os professores não sabiam o que fazer. A ordem de silêncio não parecia certa, mas eles não sabiam como quebrá-la. “Não fazia sentido para nós, mas acatamos. Só queríamos recebê-la de volta e deixar esse assunto para trás. Fazer ela entender que faz muita falta pra nós, pra todo mundo”, conta a professora Mônica*. “Ficamos perdidos.”

Mônica não estava perdida sozinha. Ao longo dos últimos anos, as incidências de depressão têm aumentado entre crianças e adolescentes em idade escolar: em um relatório de 2014, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a depressão como a principal causa de doença entre jovens de 10 a 19 anos. Professores e direção estão cientes não só de que a depressão tem sido cada vez mais recorrente no ambiente escolar, mas também de outras incidências preocupantes. “Além desta elevação dos casos, tenho observado que ela chega cada vez mais cedo, muitas vezes nos anos iniciais”, relata a professora e coordenadora pedagógica Stela Maris Martins, da Escola Estadual de Ensino Médio Tuiuti, de Gravataí (RS). Ela também aponta que os professores, atualmente, não têm recursos adequados para essas situações, por mais que se envolvam com o caso e desejem o bem-estar do aluno. “Os professores e professoras não estão preparados para lidar com estas questões, principalmente em virtude do excesso de trabalho. Os recursos na rede pública de ensino são muito precários. O que temos é a boa vontade dos profissionais para fazer um bom acompanhamento”.

Os alunos também sentem-se inseguros para pedir ajuda. Muitos deles internalizam essas angústias, sendo constantemente invisibilizados — em casa, na escola, em seus círculos sociais — e tendo seus sentimentos invalidados como mera “coisa da idade”, “besteira de adolescente”. Quando a cantora norte-americana Lana Del Rey vira meme entre os jovens ao dizer “queria estar morta” e apresentar-se como uma deprimida glamurizada, conecta-se com o adolescente de hoje. As manifestações da angústia juvenil na cultura popular não são novas — góticos e emos, por exemplo, já faziam isso em décadas passadas -, mas seu constante crescimento no mainstream pode ser um fator preocupante. Muitos jovens usam dessas ferramentas culturais (a música, os blogs, os memes) para fazer um pedido velado por ajuda. “A gente compartilha aquelas fotos de floresta com músicas, compartilha uns memes, faz umas piadas. De repente alguém vê. De repente alguém pode me entender. Mas minha mãe só diz ‘que horror, tira isso daí’”, conta Vicente*, 12 anos.

Contudo, Stela diz que os professores, mesmo com poucos recursos, podem fazer essa ponte entre o aluno e a ajuda de que precisam. “Converse primeiro com aquele educador de sua confiança, peça ajuda a ele, mas, se for possível, procure a Orientação Escolar, a Coordenação Pedagógica ou a Direção e conte o que está acontecendo. Leve a sério no menor sintoma, pois se esse se agravar, pode virar uma depressão severa e de difícil tratamento. Você terá sempre alguém disposto a te escutar”. A educadora ainda faz apelo aos jovens para que não tenham vergonha em buscar ajuda — o que muitos, como Vicente, acusam como o maior fator que os mantêm calados. “Dá vergonha, né? A gente acha que não é nada demais. É besteira”.

Existe solução?

Existe algo que os professores podem fazer para que histórias como a de Ariel não se repitam, ou para que Vicente sinta-se confiante para ver no educador um aliado contra a depressão? Stela aponta um possível caminho. “A melhor ajuda que um educador ou uma educadora pode dar é ter um olhar sensível para observar quem precisa de ajuda, e um ouvido disposto a escutar sem julgar”. Ao colocar-se à disposição dos alunos dessa forma, o professor pode estar suprindo uma deficiência que eles têm em casa e validando o que eles só têm coragem de sentir sozinhos. Aos professores que estão em grupos de WhatsApp com seus alunos e os seguem em redes sociais, vale observar se as atividades deles refletem possíveis sentimentos de angústia, raiva ou desespero em excesso.

Contudo, vale lembrar que o professor não é um profissional da área de saúde mental. A ele, cabe o suporte emocional e o encaminhamento para um profissional que faça o tratamento e o acompanhamento psicológico adequados, se o aluno assim consentir. A coordenação escolar é quem deve fazer os devidos direcionamentos para um psicólogo. Stela orienta: “faça um acordo para poder encaminhá-lo para outra pessoa, e se coloque a sua disposição para ouvi-lo quando necessitar, pois ele precisa saber que pode confiar em você e que você se importa com ele”.

Colocar-se à disposição foi o que as professoras do início desta reportagem fizeram. Ao ouvirem o pedido de Luiza, pediram o endereço de sua colega, que Luiza continuasse conversando com ela e que as mantivessem informadas. Com o endereço em mãos, ligaram para a polícia e informaram uma adolescente em uma tentativa ativa de suicídio. A visita dos policiais fez com que a família da menina percebesse um problema que ignoravam há muito e buscasse tratamento psicológico para toda a unidade familiar.

Para o grupo de WhatsApp da turma, foi um batismo de fogo. Professores e alunos assinaram um contrato invisível que garantia que todos ali se importavam e todos ali estavam dispostos a ouvir.

Foi uma aula de humanidade.

*Os nomes de todos os alunos e da professora foram trocados para preservar sua identidade.

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