Acessibilidade

Em busca de um direito

Vanessa Gomes é cadeirante e luta pelo seu direito à educação

Mélani Ruppenthal
Olhares Plurais

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Vanessa Gomes nasceu com uma má formação na coluna vertebral, chamada mielomeningocele. Foto: arquivo pessoal

A educação é para todos? De acordo com a legislação, sim. Mas adquirir e fazer uso desse direito se torna mais difícil para algumas pessoas. Vanessa Gomes, 28 anos, é cadeirante e tem lutado para exercer o seu direto à educação.
Vanessa terminou o ensino médio em 2016. Desde pequena encontra dificuldade em frequentar a escola regularmente, por conta de constastes problemas de saúde. Durante seu período letivo, teve que interromper diversas vezes e, por fim, concluiu o ensino médio através do supletivo EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Pronta para ingressar no ensino superior, decidiu cursar Publicidade e Propaganda. ‘’Eu gosto muito da parte de criar coisas’’, comenta sobre a escolha. Ela estudou em casa sozinha e conseguiu uma difícil vaga na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Dos mais de 30 mil inscritos, pouco mais de cinco mil conseguiram o feito.

No início de 2018, Vanessa ingressou no primeiro semestre. Para esse período inicial, a futura publicitária se inscreveu para cinco cadeiras (média normal dos alunos). No entanto, com as dificuldades de locomoção e os problemas de saúde, precisou mais uma vez faltar muito, o que a fez reprovar pela quantidade de faltas.

O primeiro fator é à distância. Vanessa reside em Alvorada, no bairro Formosa, região metropolitana de Porto Alegre. Em média, precisa pegar quatro ônibus (dois para ir e dois para voltar), mas esse número pode aumentar para cinco, caso não haja ônibus adaptados pelo trajeto.

São aproximadamente 21 km de sua casa até a faculdade, localizada na Avenida Ipiranga.

O segundo problema são as estruturas dos ônibus. A empresa Soul é a responsável por atender as localidades de Alvorada até Porto Alegre. Apesar de contar com 273 veículos, nem todos são adaptados. Já os veículos que estão preparados para comportar fisicamente um cadeirante só disponibiliza espaço para um a cada viagem. ‘’Já aconteceu muitas vezes de eu me preparar para subir no ônibus e ele passar reto por já estar com um cadeirante. A espera de 1h então passa para 2h’’, conta Vanessa.

Isso também ocorre em veículos de outras empresas. Na tabela abaixo, consta os horários do ônibus 439 São Manoel, que Vanessa usa para chegar até a UFRGS. Dos 101 horários disponíveis, apenas 16 contam com ônibus adaptados. A empresa Soul não disponibiliza os horários específicos dos ônibus adaptados.

Mesmo nos ônibus adaptados, Vanessa relata que nem todos funcionam corretamente, há casos em que a rampa que auxilia o cadeirante a embarcar se encontra estragada. ‘’Já aconteceu também da rampa não funcionar e precisarmos trocar de ônibus. Muitas pessoas ficam irritadas por precisarem descer do ônibus e estarem atrasadas para o trabalho ou para a aula. É um constrangimento’’, desabafa.

Além disso, os moradores de Alvorada reclamam com frequência da demora dos ônibus, devido ao número insuficiente da frota para atender as demandas do município. A baixa circulação de veículos causa transtornos como as superlotações dos ônibus em grande parte dos horários, limitando o acesso físico de um cadeirante.

A superlotação dos ônibus causa transtornos aos passageiros de Alvorada e dificulta o deslocamento de cadeirantes. Foto: Mélani Ruppenthal

A situação das ruas também é preocupante. Em Alvorada, é comum encontrarmos ruas com muitos buracos e que não são asfaltadas. O chão batido se torna um lamaçal pela chuva e é quase impossível andar com uma cadeira de rodas por ele. Vanessa conta que nessas situações sua cadeira fica suja barro, assim como as mãos por precisar empurrar as rodas da cadeira para andar.

Isso piora quando está chovendo. Vanessa precisa faltar aula por não ser possível carregar um guarda-chuva e empurrar a cadeira ao mesmo tempo. Ela conta que várias vezes ficou doente por pegar chuva e permanecer molhada o dia todo.

Nas vezes em que não tem a opção de faltar aula, ela chama um carro por aplicativo. Mesmo nesses casos, ainda tem dor de cabeça. Além do preço expressivo da corrida por conta da distância, ela precisa telefonar para o aplicativo e confirmar se há espaço para deixar sua cadeira de rodas (nos carros a gás não há espaço nos porta-malas).

Por conta dessas questões, reduziu seu número de cadeiras de cinco para duas nesse segundo semestre.

Uma mulher forte desde o início

Vanessa mora sozinha há aproximadamente seis anos. Para manter sua independência, ela já trabalhou vendendo em casa roupas, acessórios, produtos de beleza, doces e confeccionou cartões de aniversário.

Essa força vem desde pequena. Vanessa nasceu com uma má formação na coluna vertebral, chamada mielomeningocele. Logo após o seu nascimento, foi submetida a uma cirurgia — procedimento padrão para pessoas nessas condições. Na maioria dos casos, nas primeiras 48 horas de vida, o recém-nascido é submetido a uma intervenção cirúrgica para fechar a coluna vertebral e proteger a medula, de modo que evite infecções ou lesões graves que podem colocar em risco a vida do bebê.

Nos casos mais graves, como o de Vanessa, há a perda de movimento das pernas. Mas a doença também traz sintomas como a diminuição de sensibilidade para calor ou frio, incontinência urinária e fecal e malformações nas pernas ou pés. Entenda:

Ela se acostumou a frequentar hospitais. Depois da primeira cirurgia, precisou passar por várias outras para corrigir problemas ocasionados pela mielomeningocele. Chegou a perder um rim por conta da doença e hoje só tem metade do outro; desenvolveu escaras, que são feridas que aparecem na pele de uma pessoa após ficar muito tempo em uma posição; e precisou fazer correções nos joelhos que se atrofiaram por causa do longo período em que permanece sentada.

Os mais de cem solidários

Para driblar os obstáculo do transporte, Vanessa teve a ideia de fazer uma vaquinha virtual para comprar um triciclo elétrico. ‘’A ideia foi de repente, eu acordei e pensei: vou tentar fazer uma vaquinha online e ver se dá certo. No inicio, não acreditei que conseguiria’’, comenta.

Vanessa pesquisou os preços dos triciclos elétricos e como não poderia arcar com os custos, a vaquinha se tornou uma opção. As contribuições online iniciaram no dia 23 de agosto e já contam com 114 doadores.

‘’Estou aqui pedindo ajuda para comprar esse triciclo elétrico para ir e voltar da faculdade, ganhei uma bolsa 100% na Federal (UFRGS) este ano e está sendo um caos o deslocamento. Já perdi um semestre por causa disso. Esse triciclo vai facilitar muito minha vida! Peço ajuda de todos e agradeço desde já’’, escreve Vanessa no site Vakinha.

Além de adquirir o triciclo elétrico, Vanessa irá precisar tirar a habilitação na categoria ACC (Autorização para Conduzir Ciclomotores). Como o DETRAN não disponibiliza o veículo prévio, o condutor precisa possuir com antecedência o triciclo elétrico para poder fazer as aulas práticas.

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