Política

Leis congeladas no tempo

Os fundadores da iniciativa de desburocratização de Porto Alegre argumentam que as excessivas regulações no município são um impedimento para o cidadão comum que tenta desenvolver seu pequeno negócio ou startup

J C
Olhares Plurais

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Vereadores Nádia, Mendes Ribeiro, Camozzato e Gomes conversam com o presidente da Câmara Valter Nagelstein (Foto: Leonardo Contursi/CMPA)

Você já se perguntou por que nunca viu alguém vendendo sucos naturais nos parques de Porto Alegre? Ou alguma vez questionou a razão da proibição de bombas de autosserviço em postos de combustíveis? Encontrou cartazes contra a propagação da leptospirose na última vez que foi ao supermercado? Talvez você tenha presenciado várias das inúmeras leis e regulações que existem na capital gaúcha há décadas e que hoje não têm utilidade alguma para os portoalegrenses, mas, pelo contrário, dificultam a vida diária dos mesmos.

Em 2017, um grupo de vereadores da cidade se uniu para criar a Frente Parlamentar de Desburocratização e Revisão Legislativa da Câmara de Porto Alegre, mais conhecido como “Revogação”. O objetivo é revisar, anular ou alterar várias das leis municipais consideradas defasadas e ineficientes, acabando dessa forma com normas inócuas ou que criam entraves burocráticos para quem quer empreender. A frente do Revogação, presidida por Valter Nagelstein (MDB) e Wambert Di Lorenzo (Pros), trabalha de forma complementar à Frente de Empreendedorismo e Desburocratização (Fraped), comandada por Felipe Camozzato ,do partido Novo.

Os fundadores da iniciativa argumentam que há regulamentações demais no município e que as mesmas são um impedimento para o cidadão comum que tenta desenvolver seu pequeno negócio ou startup. As propostas que surgem na Frente Parlamentar de Revisão Legislativa passam pelos trâmites da Câmara, como os outros projetos de lei, e são submetidas à apreciação em plenário. Um estudo realizado pelo gru. Serão revisadas mais de 12 mil. Para acelerar a revisão dessas regulamentações, os vereadores da comissão criaram outro grupo de caráter temporário denominado Comissão Especial de Modernização Legislativa, a qual pretende aglutinar projetos para votação em blocos.

“Tem muitas leis que tanto tornam mais demorado e complexo fazer análises de quais regulações que afetam a um negócio no dia a dia na cidade, quanto também abre margem para que a fiscalização exerça um poder maior sobre quem empreende ou quem vive na cidade,” comenta Camozzato (NOVO).

Da mesma forma, o vereador Valter Nagelstein (MDB) argumenta que é preciso encontrar melhores soluções para dinamizar a economia. “Toda a vez que o cidadão precisa de um documento ou de uma licença para algum empreendimento, ele se depara com uma série de obstáculos nas secretarias”, comenta. Segundo o vereador, existem quatro milhões de leis criadas em âmbito federal, estadual e municipal a partir de 1988. “Existem leis boas no país, mas algumas muitas vezes atrapalham a vida dos brasileiros que pretendem empreender”, destaca Nagelstein.

Segundo o vereador, em outros países, como a Nova Zelândia, os empreendedores demoram apenas quatro horas para conseguir um CNPJ e terminar a documentação necessária para abrir o seu negócio. Por outro lado, no Brasil, leva-se pelo menos 120 dias para se abrir uma empresa, segundo pesquisas do Banco Mundial. O prazo pode superar os nove meses se for para um estrangeiro, e isto é causado pela enorme quantidade de regulações ineficientes que existem.

O Brasil tem aproximadamente 181 mil normas legais, segundo levantamento feito pela Casa Civil da Presidência. Dessa forma, especialistas acreditam que não seria nada estranho o fato de que a maioria das leis em vigor seja desconhecida e não aplicada pela maioria da população. Seja por desconhecerem a lei ou pelo seu caráter inconstitucional, inúmeros juízes simplesmente não aplicam todas as leis existentes. O excesso de normas e leis, em muitas vezes contraditórias e inúteis, pode aumentar a insegurança jurídica do país, inibindo o empreendedorismo e afastando investimentos. Para combater este excesso, países como o Canadá, por exemplo, já colocaram em vigor uma norma que determina que, para cada nova lei aprovada no país, duas outras antigas devem ser revogadas, implicando que a nova lei não pode gerar custos maiores do que a atual.

Por outro lado, tem quem questiona a iniciativa na Câmara. Marcelo Sgarbossa (PT), acredita que boa parte das leis inúteis são simplesmente ignoradas, revogadas pelo desuso. Ele comenta que a relevância depende de os integrantes da frente parlamentar apontarem em que exatamente essa legislação está causando um problema social.

“Pode gerar uma falsa expectativa de que a iniciativa ajudará de fato na vida das pessoas,” argumenta.

Leis congeladas no tempo

O vereador do Novo também destacou a importância de revisar principalmente as leis mais antiquadas que simplesmente estão congeladas no tempo e não são mais relevantes para os cidadãos do município. Camozzato já sugeriu a revogação de cinco legislações, mais especificamente a Lei 1.180/53; que estabelece a obrigatoriedade de recantos infantis em edifícios residenciais a serem construídos. A Lei 7.973/97; que proíbe a instalação de bombas de autosserviço nos postos de combustíveis. A Lei 8.797/01; que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção e distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre a sua correta utilização. A Lei 9.189/2003; que obriga os estabelecimentos comerciais e similares a afixar cartazes contra a propagação da leptospirose, e a Lei 1.1130/11; que obriga os hipermercados, os supermercados e similares a realizarem o serviço de acondicionamento das mercadorias compradas pelos seus clientes. Para o vereador, essas leis tiram a liberdade dos empreendedores que buscam diferenciar os seus estabelecimentos da maneira mais efetiva e atrativa para os consumidores.

Entretanto, nem todas as leis que estão na mira do Revogação têm o caráter peculiar das já citadas. Na visão de vários membros do grupo, algumas devem ser extintas para facilitar o empreendedorismo, como, por exemplo, a lei que regulamenta os food trucks — a qual estabelece que os food trucks fiquem em locais pré-estabelecidos e a distância para outros comércios e estabelecimentos. Já outras devem ser revistas, como os requisitos para concessão de alvará pela prefeitura.

Para o vereador Wambert, a avaliação e a anulação dessas leis terão dois focos principais: aquelas que comprometem a economia e criam dificuldades de empreender na cidade; e a interferência indevida do Estado na vida das pessoas. “Com leis inúteis, invasivas e imorais que afetam liberdades individuais”, diz. O vereador argumenta que a tarefa do parlamentar não é só legislar. “A cada semana são criadas leis novas na Câmara que vão impactar a vida do cidadão.”

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