Comportamento

Um veterano na estrada

A rotina, dentro de um ônibus, de trabalhadores que precisam se deslocar de Butiá a Porto Alegre em busca do sustento

Karoline Costa
Olhares Plurais

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Ônibus da Marfran chega em Porto Alegre às 7:00h e fica no estacionamento em frente
à rodoviária / Foto: Karoline Costa

Viagem diária, esperar na parada, cochilar dentro do ônibus, trabalhar e voltar para casa. Essa é a rotina dos trabalhadores pendulares que se deslocam de Butiá para Porto Alegre. Todos os dias essas pessoas vão para suas respectivas paradas esperar o ônibus para buscar o sustento na capital. Movimento pendular é aquele realizado por trabalhadores diariamente. Eles residem em uma cidade e trabalham em outra, próxima. É o que o Daison Lima de Camargo, dono da empresa de ônibus Marfran Tur, possibilita aos passageiros de seu ônibus realizarem desde 2001. Além de fazer excursões, ele transporta trabalhadores diariamente.

A migração pendular está principalmente atrelada ao mercado de trabalho e à educação e é o motivo de concentração de atividades em cidades médias e grandes. O movimento pendular foi usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para um novo conceito chamado de arranjo populacional, que é quando uma ou mais cidades têm parcelas significativas de pessoas realizando o deslocamento pendular. Outro critério usado foi o da conurbação, que é a unificação das manchas de dois ou mais municípios. Guarulhos e São Paulo, com 146.330 pessoas se movimentando entre as cidades, ficou no topo em 2015.

Butiá, uma cidade com 20.405 habitantes, fica a 83,5 km de Porto Alegre. Apesar do município de ter ficado em segundo lugar, na Região Carbonífera, em índice de desenvolvimento, com 0,7221, de acordo com Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), em 2016, Butiá não consegue empregar seus trabalhadores. “Trabalho em Porto Alegre porque não tem emprego em Butiá”, diz Amanda Ripoll Velasques, que viaja no ônibus da Marfran Tur há sete meses.

Segundo o secretário de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, Paulo Machado, a falta de emprego é decorrência da falta de investimento federal, principalmente em cidades pequenas, pois Butiá, em 2018, emprega 2510 pessoas, sendo o comércio o setor que mais gera emprego, com 1200 vagas, pouco para os mais de 20 mil habitantes. Ainda de acordo com o secretário, projetos futuros estão sendo desenvolvidos. “A Associação Comercial, Indústria e Serviço e a Associação Comercial, Industrial de Serviços Agropecuários vão atingir o comércio, a agropecuária, o pequeno e médio produtor”, afirma Paulo. E assegura que os números do município são bons, mesmo reconhecendo que não são suficientes para empregar os butiaenses.

Marcelo espera no lado de fora do ônibus até a partida por causa do calor / Foto: Karoline Costa

Um mundo entre placas de trânsito e semáforos

Às 5h30min, o ônibus sai da garagem, passa em 16 paradas em Butiá, pegando as pessoas em quase todos os bairros. São 50 lugares, que diariamente vão ocupados até a capital. Daison toca sozinho seu negócio de fretamento e excursões. Depois de 17 anos, já perdeu a conta de quantos viajaram com ele. “O ônibus nunca se envolveu em nenhum acidente”, reitera o dono da empresa.

De Butiá a Porto Alegre, leva aproximadamente uma hora de viagem, isso quando o veículo não fica preso no trânsito. Acidentes e protestos na BR 290 são frequentes. Para, arranca, para de novo. Então os passageiros perdem o sono e só conseguem pensar na hora em que vão chegar em casa. “Quando a gente fica parado na estrada, uma, duas horas, no outro dia parece que mal saímos do ônibus e já temos que voltar”, exclama Deramis da Silva, que viajou no ônibus de 2007 até 2011, parou, e retornou neste ano de 2018.

Os percalços para quem viaja aparecem muito frequentemente. “Uma vez estourou dois pneus do ônibus na mesma viagem, um foi em cima da ponte, e o motorista trocou em Eldorado; o outro foi em Arroio dos Ratos, então fomos até Butiá sem estepe”, conta Deramis. O veículo também tem suas limitações. “Como quando choveu dentro do ônibus ano passado, um dia que pegamos muita chuva no caminho”, lembra Ana Cristina Sanguné, que viaja nesse ônibus há seis anos. E a cidade pequena não está imune a criminalidade. “Botaram fogo no motor do ônibus lá em Butiá, e o Daison precisou trocar o ônibus”, conta Ana Cristina.

De lá para cá

Os trabalhadores pendulares acordam três horas antes dos seus colegas, que moram na mesma cidade em que trabalham, e chegam em casa duas horas depois. Cansaço é a tradução dos suspiros dessas pessoas quando entram no ônibus, mas morar em Porto Alegre é algo que está no pensamentos de poucos. Alexandre Antônio de Almeida, que viaja no ônibus há nove meses, já morou na capital, em 2006. Mesmo com o cansaço físico e psicológico a vantagem de morar no Interior é ter a família por perto.

Para alguns, o cansaço na viagem atrapalha rendimento no trabalho. Todos os buracos da estrada e as freadas que despertam o cochilo no banco só se somam à exaustão, mas Romilda Oliveira da Silva, que viaja há 20 anos — antes mesmo do serviço que utiliza agora — diz que adora viajar. “O dia em que não atravesso o Guaíba, não sou feliz”, conta ela sorrindo.

Dia em que os passageiros do ônibus ficaram duas horas presos no trânsito devido a protestos na BR290 / Foto: Karoline Costa

O esgotamento na sexta-feira é claro no semblante dos trabalhadores, por isso que alguns bebem, para relaxar, em um bar no estacionamento do ônibus; o happy hour dessas pessoas é feito em uma cidade, e a ressaca é curada em outra. Ainda assim é mais vantajoso financeiramente ir e vir todo dia do que morar em Porto Alegre, como reitera Nilza Maria Silveira da Silva, que viaja há 14 anos, pois o aluguel de um apartamento — sem contar gastos com água, luz, alimentação, entre outros — é mais que o triplo da valor mensal do fretamento.

Feito de sonhos e asfalto

O primeiro bom dia é dos companheiros de parada, o segundo é do motorista e o terceiro do seu parceiro de banco. A viagem em si não é tão longa, porém o período entre sair de casa às 5h e chegar às 21h é duas vezes maior do que o que se passa em casa, pois são 16 horas entre viajar, trabalhar e esperar para voltar para casa onde vai ficar por oito horas até ter que ir de novo. “No começo é pior, mas depois a gente se acostuma a viajar e não sente tanto”, conta Ana Cristina.

Tanto tempo de convivência, desenvolve uma cumplicidade entre os que viajam. Rodas de conversas são feitas no estacionamento à espera da hora de partir, dentro do ônibus o companheirismo dos “vizinhos de banco” é notável pela amizade dessas pessoas que se veem diariamente. Para Diego Alves Ribeiro, motorista da empresa há dois anos, a sua relação com os passageiros é boa e não acha cansativo dirigir todos os dias, mesmo fazendo quatro viagens por dia, pois traz o ônibus de Butiá a Porto Alegre, volta para Butiá de carona e à tarde regressa — novamente de carona — à capital para levar os trabalhadores para suas casas.

Passageiros conversando sobre a rodada do campeonato brasileiro antes de embarcarem no ônibus para ir para casa / Foto: Karoline Costa

Acostumar-se a algo leva tempo, e o que mais se perde viajando é tempo. O que une essas pessoas são as histórias, os sonhos, a convivência. Histórias de perrengues como a de Romilda que ao descer do ônibus quebrou o pé. Os sonhos de um futuro melhor que é o que cada um busca ao embarcar no ônibus. E a convivência que se torna amizade. Todos os dias os mesmos rostos, as mesmas brincadeiras, as mesmas risadas, todos os dias às 5h30 da manhã.

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Karoline Costa
Olhares Plurais

Estudante de Jornalismo (UFRGS) e aventureira na escrita