El Hoyo (O Poço, 2019) | Uma alegoria pertinente e atual
“Há três tipos de pessoas: as de cima, as de baixo, e as que caem”
Lançado originalmente em 2019, o longa espanhol El Hoyo foi comprado para distribuição mundial pelo serviço de streaming Netflix, chegando ao Brasil com o título O Poço em março de 2020. O filme é uma sátira política disfarçada de ficção científica e horror, o tipo de obra que chama bastante a atenção por conta de seu debate, um que veio a calhar por ser divulgado durante um contexto político e social delicado.
Em um futuro distópico, os prisioneiros são mantidos em um local chamado “O Poço”, uma prisão vertical dividida em diversos níveis, com cada andar habitado por dois detentos. Eles possuem apenas uma fonte de alimentação, uma plataforma flutuante que descende dos níveis superiores, com um enorme banquete que deve ser compartilhado por todos os andares, mas a comida nunca dura o suficiente e os níveis inferiores não tem o que comer.
Algumas pessoas podem se voluntariar para a prisão, e assim conhecemos Goreng (Ivan Massagué), um homem honesto em um mundo de corrupção. Antes de ser confinado, cada detento tem a chance de escolher um objeto para acompanhá-lo, e Goreng (Ivan Massagué) decide levar um livro, uma edição de Dom Quixote. Infelizmente, seu parceiro de cela carrega uma faca de cozinha, a mesma que usou no homicídio que o colocou ali.
As regras são simples: a comida desce todos os dias e você tem um tempo determinado para se alimentar; além disso, depois de um mês em um nível, você é realocado aleatoriamente para outro, e isso se repete até que sua sentença seja cumprida. Por mais provocante que seja assistir a jornada do protagonista e descobrir a mecânica do lugar, o que realmente sustenta o filme é o debate proposto pelos roteiristas David Desola e Pedro Rivero, uma alegoria sobre a natureza da ganância humana fomentada por um sistema que oprime e se beneficia do individualismo.
High Rise e Snowpiercer são os primeiros títulos que me vem em mente quando considero a premissa de O Poço, mas a produção espanhola segue na contramão por apresentar um olhar menos maniqueísta e conseguir executar uma obra de grande qualidade técnica com um orçamento bem menor que os exemplos mencionados.
Outro elemento atraente é a direção de Galder Gaztelu-Urrutia, que precisou trabalhar com um orçamento modesto e o ambiente limitado das celas pequenas, mas ele foi capaz de entregar algumas sequências de tensão impressionantes, dando destaque para os diálogos, revelando as informações com calma e, mesmo que tenha se tornado um pouco didático no terceiro ato, consegue concluir o longa da melhor maneira possível, nos deixando no poder do que deve ser feito em seguida.
Pode não agradar a todos avaliar um filme considerando o contexto político e social, mas nenhuma obra existe isoladamente, e é impossível negar os paralelos que podemos fazer entre o individualismo dos personagens do longa e a atitude de alguns cidadãos (e governos) durante a pandemia de Covid-19 (mais conhecida como Coronavírus), que já marcou o ano de 2020.
Pertinente por sua crítica, sem deixar de entreter, O Poço é um daqueles filmes que aparece sem alarde e conquista aos poucos por conta das indicações de quem assistiu. Entre pelo debate e fique pelo ótimo enredo, simples e objetivo, mas essencial.