Retrospectiva 2018: a ficção científica no cinema
Vou te contar: não foi fácil, mas também não foi um desastre total.
Todo fim de ano temos um dos rituais mais divertidos para pessoas com mania de catalogação como eu, que é fazer as listas de melhores e piores do ano. Admito que não tive o melhor histórico de leitura sci-fi, mas isso por conta da quantidade e não qualidade. Em questão de séries até que as coisas foram bem, mas também fiquei um pouco atrasado em algumas temporadas. Já no cinema, consegui assistir bastante coisa e listarei aqui alguns lançamentos que podem ser interessantes dar uma chance, outros que decepcionaram e alguns que foram genuinamente bons.
Muitas continuações, obviamente. Nunca vamos nos livrar das franquias, então para trazer um pouco de positividade para a conversa, o jeito é torcer para que sejam boas. O Predador marcou o retorno de Shane Black à franquia (ele atuou no original de 1987 e agora dirige o seu próprio filme no universo dos caçadores alienígena) e Jurassic World: Reino Ameaçado continua o retorno dos dinossauros, desta vez pelas mãos de J.A. Bayona. Não é como se estivéssemos precisando dessas franquias, mas pelo menos nenhuma foi tão desnecessária quando The Cloverfield Paradox.
Depois do sucesso do primeiro Cloverfield: Monstro (2008), dirigido por Matt Reeves, o produtor J.J.Abrams teve a ideia de expandir o universo do filme. Rua Cloverfield, 10 (2016), lançado quase uma década depois e comandado por Dan Trachtenberg, é uma continuação mais restrita e em menor escala, focando mais no drama dos personagens do que a perseguição e destruição causada pela criatura da série. Foi um sucesso de crítica e surpreendeu muita gente que não sabia como este filme seria conectado ao mundo da obra original. E é aqui que entra a parte curiosa: Rua Cloverfield, 10 não foi imaginado como um filme de franquia, este seria um longa independente com outro nome, mas como a produção era promissora, o estúdio decidiu comprar os direitos, modificar um pouco o roteiro e inserir umas cenas extra para dizer que esta era uma continuação oficial. Pelo menos funcionou e é um filme envolvente e tenso, o que não pode ser dito de Cloverfield Paradox.
Este terceiro longa fez o completo oposto do seu antecessor. Ao invés de comprar um filme pequeno e bem construído, o estúdio decidiu ir com algo mais ambicioso. Paradox nos levaria ao espaço, para descobrir mais sobre a origem da criatura que invadiu nosso planeta. O problema é que o elenco não parece feliz por estar ali, o enredo é mal elaborado e tudo parece uma confusão de várias tramas descartadas de outros filmes, isso porque a montagem não ajuda nem um pouco. O resultado foi um desastre de crítica e a reação negativa fez com que o filme fosse lançado diretamente no serviço de streaming da Netflix, sem sequer ganhar uma estréia nos cinemas.
A tática de despejar uma produção que não tem chance de sucesso na Netflix acabou se tornando comum este ano, infelizmente — e não só com obras sci-fi, tivemos também Mowgli, de Andy Serkins, por exemplo, que não pareceu agradar o público teste (quando vamos acabar com esse tipo de avaliação?). Mas as vezes não é questão de uma reação negativa da crítica, talvez seja uma preocupação do estúdio em não conseguir arrecadar o suficiente por conta de uma produção mais densa e complexa, como foi o caso de Aniquilação, de Alex Garland.
Garland é responsável por Ex Machina (2014), um dos lançamentos independentes mais notáveis dos últimos anos, e por conta disso recebeu o convite para dirigir a adaptação cinematográfica da obra literária homônima de Jeff VanderMeer, sobre um grupo de cientistas em uma jornada para investigar uma misteriosa área que sofreu intervenção alienígena e o ainda mais misterioso retorno do marido de Lena, uma bióloga renomada que parte para a zona com as outras mulheres para descobrir o que está acontecendo.
A premissa lembra um pouco Stalker (1979), mas Aniquilação se diferencia pela forma que trata seus personagens, um grupo formado apenas por mulheres, e a execução tem mais ação que longos monólogos. Além disso, o elenco é formado por ótimas atrizes como Natalie Portman, Tessa Thompson e Jennifer Jason Leigh. O destaque vai para a forma como o Garland desenvolve o drama entre seus personagens e debate os temas de maneira orgânica na narrativa (sem trocadilho).
Além de adaptações, o ano trouxe remakes, como Fahrenheit 451, que não foi muito bem recebido mesmo com um elenco de qualidade. Uma Dobra no Tempo foi outra adaptação que deixou muitos ansiosos por conta da aclamação pelo material original, mas o maior destaque este ano foi Ready Player One, que marcou o retorno de Steven Spielberg para o território que o próprio ajudou a construir, o de blockbusters.
O livro de Ernest Cline conta a história de Wade, um dos participantes do maior jogo virtual do mundo, o Oasis. Depois da morte do criador do jogo, o gênio programador Halliday, começa a corrida para descobrir onde está escondido o easter-egg que pode mudar o mundo, não só o virtual. A história tem essa premissa básica e passa a maior parte do tempo inserindo incontáveis referências ao mundo da cultura pop, o que pode ser um ponto negativo para alguns, mas felizmente temos a habilidade de alguém como Spielberg na direção da adaptação cinematográfica, o que faz com que os personagens de jogos, quadrinhos, filmes, séries e animações consigam interagir e servir para a narrativa sem parecer apenas menções vazias.
Ainda que no fim seja um pouco cansativo ver o mar de referências e algumas conveniências de roteiro, Spielberg traz um visual deslumbrante e efeitos especiais detalhados que mantém a atenção do público. É uma aventura divertida e descompromissada, e não há problema nisso.
Seguindo o caminho de produções originais, o serviço de streaming Netflix (olha ele aí de novo) lançou vários filmes do gênero, infelizmente a maioria foi mal recebida pela crítica. Extinção, Titã e Anon passaram despercebidos. Uma pena ter que incluir também Mudo nesta lista, isso porque Duscan Jones é um diretor competente que já provou saber fazer uma boa ficção científica de baixo orçamento com Lunar (2009).
Saindo da Netflix, alguns lançamentos são um pouco mais difíceis de encontrar, como I Think We´re Alone Now, o segundo longa dirigido por Reed Morano, que é mais conhecida por seu trabalho na série The Handmaid´s Tale. I Think We´re Alone Now é uma daquelas histórias clássicas de pessoa solitária depois de algum evento dizimar uma parte da humanidade, mas não demora muito para que um novo personagem seja introduzido e faça o protagonista questionar tudo. O filme tem a ótima direção de arte de Morano e conta com Peter Dinklage e Elle Fanning no elenco, mas não se sustenta por conta de um enredo que não parece saber onde ir, com execução confusa e uma conclusão abrupta.
Outros que ainda nem tem data para lançamento no Brasil são Upgrade e Sorry to Bother You. O primeiro é um longa de baixo orçamento com uma direção que encontra maneiras criativas de executar suas cenas de ação em uma trama envolvendo um chip capaz de atribuir habilidades incríveis ao seu portador. Chegando no segundo, dirigido pelo rapper Boots Riley, da banda The Coup, temos este que é facilmente o filme mais absurdo do ano, sobre um atendente de telemarketing que descobre uma maneira diferente de melhorar seu serviço — o que depois o coloca em várias situações inquietantes, porém divertidas para o público. Uma mistura de elementos do gênero guiado por uma força afro-punk que entrega cada linha de diálogo ou ação de personagem como um soco. Esse filme parece uma versão longa metragem de algum episódio da aclamada série Atlanta, e tem até o ator Lakeith Stanfield como protagonista, que interpreta Darius no sucesso do canal FX.
Mas saindo da tristeza que é ver alguns filmes não conseguindo ver a luz do dia no nosso país, vale lembrar que este foi o ano em que Kin conseguiu estar em algumas salas e ganhar relativo reconhecimento. E sei que o relativo aqui quer dizer pouca coisa mas pelo menos esteve em algumas salas por alguns dias e isso já é uma vitória. O filme sobre um jovem que encontra uma arma alienígena e decide usa-la para combater os traficantes que perseguem seu irmão é uma obra bem objetiva e sem muitos floreios narrativos, o que seria aceitável se não fossem incluídas tantas peças no quebra-cabeça do universo do filme no terceiro ato, o que deixa uma conclusão um pouco aleatória.
O Primeiro Homem também estreou de forma tímida por aqui. Dirigido por Damian Chazelle, mais conhecido por seus filmes com temática musical como Whiplash (2014) e La La Land (2016), aqui ele visita o momento histórico da corrida espacial que levou o homem à lua. O diferencial do longa está no fato de que, surpreendentemente, não temos muitos filmes com um foco na vida pessoal do astronauta Neil Armstrong. Mesmo não tendo sido um sucesso de bilheteria, é um retrato íntimo e bem construído da família do astronauta e a ansiedade pelo iminente.
Fechando essa lista temos dois grandes sucessos entre o público: Bird Box e Um Lugar Silencioso.
Os dois tem uma premissa similar envolvendo a privação de algum sentido. Bird Box, de Susanne Bier, faz com que seus personagens mantenham os olhos vendados por conta de criaturas que causam uma reação mortal por conta de seu visual assustador (que não nos é apresentado). Já Um Lugar Silencioso, de John Krasinski (que também estrela a obra), lida com uma invasão de criaturas assassinas que possuem uma audição perfeita, então os humanos precisam formular maneiras cada vez mais elaboradas de seguir suas vidas sem manifestar som. Saindo disso, os dois longas seguem caminhos completamente diferentes, com personagens e tramas distintas, mas mantendo o tom de suspense e horror que atravessa a história.
Bird Box tem as mesmas vantagens de Um Lugar Silencioso. Boa premissa e um elenco de qualidade. Enquanto o primeiro filme acaba dando destaque quase exclusivo ao personagem de Sandra Bullock, a protagonista, o segundo consegue equilibrar melhor o foco entre todos os personagens. O longa de Krasinski também tem uma enorme atenção aos detalhes. Durante uma cena de jantar, por exemplo, a família só conversa em linguagem de sinais e come sua comida utilizando folhas e materiais que não fazem barulho, jogam Banco Mobiliário trocando as peças de plástico por bolinhas feitas de lã, enchem a estrada de areia fofa e andam descalços para poder se locomover. Krasinski dedica tempo para explicar as mudanças que a família precisou fazer com o passar do tempo, o que pode ser considerado desnecessário por muitos diretores (infelizmente acontece mais do que se imagina), mas é esse tipo de coisa que nos mantém investidos e acreditando na história.
Susanne Bier também apresenta seu universo, mas não parece saber muito o que fazer com a direção, deixando a ambientação comum demais, sem uma identidade visual e firmeza na construção de suas cenas. É um pouco mecânico, mas Sandra Bullock ajuda a passar por estes momentos por conta de uma atuação competente.
Como mencionei anteriormente, há uma dedicação maior em dar importância para cada personagem em Um Lugar Silencioso. Cada um tem uma função e uma forma diferente de lidar com um trauma em comum. Não que Bird Box não tenha seus próprios méritos, é claro, mas se eu tiver que escolher um filme que represente um bom soft sci-fi com um pouco de horror, personagens memoráveis e uma construção de mundo através de um olhar mais apurado na direção, a obra de Krasinski marcou esse ano como uma das melhores.
E aí, anotou todos?
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