Sobre a Imortalidade de Rui de Leão
Eu entrei recentemente nesse mundo de leitura digital. Comprei meu Kindle e fiz a limpa em algumas editoras que eu gosto, e devo admitir que fiquei bem satisfeito com o resultado. É claro que não há aquele charme do livro físico, mas o conteúdo é o que realmente importa e é bom ter um aparelho leve e com um dicionário embutido do que carregar peso na mochila. Uma das coisas que mais me chamou atenção foi também descobrir novas editoras, como a Plutão, que chegou no mercado com um serviço completamente digital e uma proposta que me deixou bem feliz: produzir e relançar conteúdo brasileiro sobre ficção científica. Independente do que você pensa sobre a forma que a fantasia e ficção científica são recebidos por aqui, deve admitir que é uma ideia bem interessante.
Para estrear a editora tivemos uma publicação que veio como surpresa para muitos, era uma obra de Machado de Assis (sim, o Machado de Assis que você está pensando). Eu confesso que não imaginei que o autor tivesse trabalhado com o gênero sci-fi antes, mas como nunca fui um estudioso sobre Assis e meu repertório envolvendo sua obra ainda é bem básico, fiquei curioso.
Sobre a Imortalidade de Rui de Leão traz dois textos de Machado de Assis, eles são “Rui de Leão” e “O Imortal”. As duas obras foram lançadas em épocas diferentes, uma em 1872 e a outra uma década depois, respectivamente. Com alguns paralelos entre as tramas, fez total sentido publica-las no mesmo livro. Ainda que tenha uma língua mais rebuscada e regionalista de outrora, há uma narrativa simples e limpa que não se aprofunda demais no debate científico do gênero mas sim no território especulativo e fantasioso.
Rui de Leão é um fidalgo que mora no interior do Brasil e é casado com uma bela jovem de família indígena. Certo dia seu sogro, o pajé, o presenteia com um licor que supostamente trará vida eterna ao fidalgo. Dessa premissa dá pra imaginar um pouco onde as coisas podem ir, mas o texto de Assis instiga e faz com que a jornada de Leão seja memorável. O uso da terminologia tupiniquim agrega mais aos diálogos e enriquece a narrativa, como nos momentos em que o pajé utiliza os frutos para descrever o estado de espírito de um personagem.
“A água bate na pedra e fura a pedra: o costume reforma a natureza”
Essa é uma obra que debate temas mais filosóficos sobre o conceito de imortalidade. A angustia da perfeição e a busca por propósito fazem parte da sina do protagonista. Mas além do drama há espaço para o humor, mesmo que bem pontual. Em certo ponto, Leão faz um discurso que impressiona tanto o público a ponto de receber elogios mais positivos do que o esperado: “Está fundada a eloquência brasileira” talvez entre na minha lista de falas favoritas.
Além dos textos de Assis, o livro digital tem as belas artes de Paula Cruz, responsável pelas ilustrações da obra e a identidade visual da editora. E como se não fosse suficiente ainda temos um prefácio muito informativo sobre a história da ficção científica no Brasil pelo escritor Roberto de Souza Causo.
Sobre a Imortalidade de Rui de Leão é curto mas um ótimo pontapé inicial para uma editora como a Plutão, que mesmo pequena (por enquanto) já mostra ao que veio.
Sobre a Imortalidade de Rui de Leão,
de Machado de Assis
Editora Plutão, 2018
124 páginas
Capa e Ilustrações: Paula Cruz
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