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Como e por que devemos pensar a comunicação digital para a melhor idade

Priscila Cares
Priscila Cares
3 min readMar 8, 2021

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Quem me conhece sabe o quanto amo a série Grace & Frankie.

Meu marido, pobrecito, já me atura assistindo a série pela terceira vez! E em cada uma delas eu gargalho e aprendo algo novo — que inclusive levo para minha carreira como UX Writer quando preciso pensar experiências escritas.

Para todos verem: duas mulheres idosas, uma sentada observando a outra, que está em pé, a fazer um gesto obceno com o dedo médio da mão direita.

A série começa mostrando um momento peculiar na vida das duas personagens principais. Prestes a completar 70 anos, Grace e Frankie descobrem que seus maridos são homossexuais e mais — que já vinham tendo um caso há anos e vão se casar.

Imagine a confusão!

Além de contar com a (sempre belíssima) Jane Fonda, o elenco formado por Lily Tomlin, Sam Waterston e Martin Sheen, nos convida a pensar sobre questões delicadas (como envelhecimento, por exemplo) de maneira leve e realista. Cada abordagem é um tiro certeiro em vários monstrinhos nossos de cada dia, e por isso se torna tão catártico assistir a essa série.

Mas que tem isso a ver com sua atuação como Writer? 🤔

Pois é. Em dado momento da série, uma cena em específico me chamou para analisar minha atuação enquanto pessoa que cria experiências digitais. A gente sempre tá aqui falando sobre empatia, sobre proporcionar experiências memoráveis ao usuário mas aí eu tive que me perguntar: qual usuário? O nativo digital? A dona de casa com três filhas? O idoso que trabalhou a vida toda e agora só precisa de um extrato bancário?

O quanto nossos produtos digitais abraçam e suprem as necessidades de todas as pessoas?

UX com Frankie e Mike

A cena mencionada é a seguinte: Frankie, interpretada por Lily Tomlin, adquire um novo computador do qual não sabe nada, como ela mesma diz. Ao ligar pro suporte em busca de ajuda, é metralhada por perguntas como:

  • Você possui conexão wireless?
  • Qual seu endereço de IP?

Coisas que para alguns parecem simples, mas não o era para Frankie, uma pessoa com 70 anos de idade que só queria ligar seu computador.

Felizmente, para Frankie o final foi satisfatório: a empresa possuía alguém que estava ali exclusivamente para atendê-la — e entendê-la: o Mike¹.

Tradução simultânea em Língua Brasileira

E então eu fiquei me perguntando: quem são os ‘Mikes’ de tantas pessoas que passam pelo mesmo? Será que meu pai, um cara bacanudo de 63 anos saberia o que é um endereço de IP? E, sinceramente, me preocupei.

Por que temos de ser tão técnicos?

Por que ainda achamos que falar “bonito” ou “difícil” é sinônimo de inteligência?

Por que tantos estrangeirismos em nosso meio, visto que nossa língua possui um banco de dados semântico enooooorme?

Será que nossos produtos não estão sendo excludentes com boa parte da população do Brasil?

Antes da inclusão, autonomia

Para todos verem: senhora negra balançando a cabeça negativamente, em sinal de desaprovação. Abaixo dela, os dizeres: “Que vacilão”.

Segundo o IBGE, o Brasil possuía mais de 30 milhões de idosos em 2017, o que correspondia um crescimento de 18% em cinco anos. A tendência é que esse número dobre nas próximas décadas.

Estamos vivendo mais, e isso é reflexo de uma maior conscientização da nossa saúde, associada à alimentação e exercícios físicos (fora um tanto de outras coisas que influenciam nessa longevidade toda).

Mas, apesar disso, ainda temos medo da velhice (vide a mocinha que nunca envelhece em Missão Impossível, mas isso é assunto para outra hora).

Esse medo nos afasta da consciência do quão necessário é entender que nem todo mundo precisa ser digital.

Nem todos os problemas da vida se resolvem com tecnologia (e se ela resolve, ótimo!). Vamos permitir que a galera entenda como foi resolvido e como resolver. Isso é dar autonomia.

Enquanto Writer, penso que minha missão é tornar os produtos menos ‘assustadores’ para essas pessoas. É tirar, ao menos, uma cabeça dentre as 7 que essas pessoas enxergam quando se deparam com uma tela de login.

¹Você pode assistir à cena em questão aqui:

E essa dificuldade fica ainda mais grave quando priva as pessoas de seus direitos mais fundamentais. Entenda o por quê: A Linguagem jurídica como obstáculo ao acesso à justiça: clique aqui.

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