Resenha do livro Preconceito Linguístico

Priscila Cares
Priscila Cares
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3 min readMay 14, 2020
Capa do livro da 21ª edição: uma grata surpresa

Sou de família nordestina. Embora eu tenha nascido em São Paulo, minha mãe chegou à cidade ainda muito jovem, adolescente. Por este tempo, ela conta, morou com sua irmã mais velha que, por sua vez, trabalhava em casa de família.

Logo minha mãe também começou a trabalhar para esta família, porém não por muito tempo. Tanto ela quanto minha tia foram trabalhar em fábricas de costura, populares naquela época. O tempo passou, ela conheceu meu pai, casou-se com ele, e o resto é história…

Às vezes passávamos as férias em casa de minha avó, na pequena cidade de Jequié, na Bahia. Em pouco tempo, minha irmã e eu ficávamos tão entrosadas com o clima, a cidade e o sotaque que, ao voltarmos para casa, trazíamos conosco aquele ritmo de fala tipicamente arrastada de nossos avós. Mas esse ritmo não podia durar muito, pois logo voltávamos à escola e nossos colegas não entendiam aquele modo ‘estranho’ de falar.

Cresci com essa impressão ‘errada’ do falar nordestino até a faculdade, quando o professor de Linguística colocou em nossa lista de leitura um livro com uma foto estranhamente familiar em sua capa, encimado pelo título “Preconceito Linguístico — o que é, como se faz”. E é sobre essa obra prima que quero falar hoje.

Segura a dica aí! 🐱‍👤

As crenças linguísticas

Muito se fala, em UX writer, a respeito de semântica e a importância que a empatia exerce sobre a atuação do profissional dessa área. E é nesse sentido que o livro “Preconceito Linguístico” de Marcos Bagno faz uma concessão na gramática com o objetivo de apaziguar os confrontos ainda existentes.

Ele já começa o livro quebrando algumas crenças, como a de que não sabemos falar/escrever corretamente, que o Estado que fala o português mais ‘certinho’ é o Maranhão e passa por questionamentos polêmicos como “Por que o nordestino é sempre o cara engraçado e que fala ‘errado’ nas novelas?”, ou “Por que a doméstica da trama é sempre nordestina ou negra (ou ambas)?”.

Marcos Bagno nos lembra, ao longo do livro, do caráter vivo de nossa língua, se apoiando no conhecimento do léxico (conjunto de palavras existentes em cada idioma) e nos encorajando a conhecê-lo melhor.

Nunca uma obra me representou tanto quanto esta; senti que a história dos meus antepassados se redimia bem ali, naquelas páginas. O livro é tão envolvente em suas colocações práticas do uso da língua que, por vários momentos, é possível perceber os meandros sociais e políticos que demandam esse uso bem como a paixão do autor pelo tema.

Além disso, fica bem nítido, em nosso dia a dia, o abismo linguístico entre quem fala “correto” e quem fala “errado”; quem fala “arrastado” e quem fala “normal”. Nossos ouvidos selecionam, automaticamente, o que nos é conhecido e seguro, em detrimento de qualquer outra forma de falar português.

E não para por aí, no sarro tirado nas escolas e nos mais diversos locais: a exclusão se estende à cidadania, pois muitas dessas pessoas deixam de conhecer seus direitos mais essenciais por vergonha e medo.

Não posso achar e nunca acharei isso normal 🙄

Por isso, vale super a pena começar a conhecer mais de nós e de nosso povo com essa leitura super gostosa e que você lê aí, num instante, sem aperreio 😉

Leitura mais que bem vinda para a boa prática de UX writing. Super indico

Você pode encontrar o livro do Marcos Bagno clicando aqui.

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