Tina e eu

Priscila Cares
Priscila Cares
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2 min readJun 2, 2020

O dia em que a Tina Turner matou minha boneca

Eu me encantei pela Tina em meu primeiro ano de vida. Com 18 meses de idade eu ‘obriguei’ meu pai a comprar o LP da diva porque, segundo ele me conta até hoje, eu enlouquecia quando ouvia a música dela (fato é que minhas pernas rechonchudas tiveram grande influência na decisão dele).

Os anos se passaram, mas a imagem daquela mulher linda e poderosa na capa do LP não saía da minha mente. Eu tentava imitar a postura dela diante do espelho, lembrando os lábios entreabertos, em forma de grito, os cabelos esvoaçantes, aquela pele do mesmo tom quente de seu vestido. Aquilo sim era poder!

Acontece que, aos 10 anos, fui inserida no mundo de uma mocinha doce e recatada, dos cabelos amarelos e cintura do diâmetro de um anel. E pronto, mais uma súdita para corte da Barbie. Acontece que eu não sou nem um pouco parecida com ela e, bem por isso, ainda me lembrava da Tina. Mas todos pareciam gostar mais da Barbie na TV, nas revistas, até na escola…a noivinha da festa junina era sempre a “Maria Joaquina”.

Acho importante lembrar dessa história nos dias de hoje, em que estamos no auge de um debate racial que começou nos Estados Unidos, com o assassinato de George Floyd por um policial.

Conto minha história porque eu só fui tomar consciência de minha cor bem tardiamente — aos 20 e tantos — com a “”brincadeira“” de uma colega enquanto eu estava ajeitando a cozinha de um churrasco entre amigos:

“Viu, só porque você é preta, não precisa ficar na cozinha o dia todo”

Na nova cidade para a qual nos mudamos esse tipo de comentário é frequente. Eles acham bem engraçado, até.

Mas aquilo não me soou natural.

Por isso, hoje quero retomar o meu orgulho com a imagem da minha infância: de uma mulher forte, independente e que não pede por caridade, mas inspira respeito. Uma preta bem sucedida. Essa imagem causa tanto estranhamento assim?

Quero falar de Tina, de Machado, de Cruz e Souza, Lima Barreto, Pixinguinha, vô João e vó Lió…..

Eu não sei até quando as pessoas vão levantar essa bandeira. Já a vi sendo erguida e abaixada diversas vezes. Mas para meus filhos, para os filhos de meus amigos — até onde me deixarem intervir — não haverá Barbie. Haverá Tina. Sempre Tina.

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