Vida em fluxo

Olá, amigo querido. Hoje venho com um questionamento um tanto complicado. É uma pergunta que eu gostaria que você fizesse a si mesmo. Uma autocrítica necessária e muito importante.

VOCÊ É IMUTÁVEL? EXISTEM ASPECTOS DA SUA PERSONALIDADE IMPOSSÍVEIS DE MUDAR?

Vivemos atualmente num mundo extremamente complexo e nossa sociedade está cada vez mais imersa nesse tecido de múltiplas e simultâneas realidades. Vejo que as pessoas estão cada vez mais perdidas e sem um norte, uma bússola interna para se guiar. Talvez isso aconteça pois muita gente tem dificuldade de adaptação, de mudança. Isso não é nenhum crime, somos todos filhos do mesmo Deus (aquele em que você acreditar) e temos defeitos, que são a marca da nossa humanidade. Outro aspecto que possuímos é o livre arbítrio, principalmente no âmbito íntimo de nossas vidas, ou seja, nos domínios do corpo e da mente. Isso quer dizer que, desde que não causemos danos aos demais, somos livre para agir e pensar como quisermos. Inclusive, na mente temos uma liberdade ainda maior, afinal, ali estaremos causando mazelas apenas a nós mesmos.

Você se considera feliz? Qual sentimento dessa dualidade (felicidade x tristeza) é predominante em sua vida?

A maioria das pessoas provavelmente responderia que não se considera feliz, seja no trabalho; em casa; com o que tem; com o que não tem; com o corpo e tantas outras coisas. É muito comum conhecer alguém que reclama muito da vida e, mesmo vivendo coisas legais, não é capaz de manter o sentimento de alegria.

É complicado mesmo. Estamos inseridos em comunidade na grande maioria do tempo e exercemos muitos papéis diferentes dependendo de onde estamos. Uma pessoa que enxerga sua própria personalidade como algo estático, imóvel, sem possibilidade de mudanças, provavelmente terá dificuldades ainda maiores para se sentir feliz atuando em algum destes papeis, principalmente quando um dos papeis lhe tira o controle do ambiente em que está. Nós somos seres extremamente controladores, nossas mentes querem o tempo todo nos induzir a dominar os espaços em que nos encontramos, é um aspecto do EGO, uma forma de sobrevivência básica exercida pelo cérebro.

É impossível fugir desse circo, afinal, somos os palhaços, ilusionistas e acrobatas que fazem o espetáculo acontecer. Construir uma personalidade mutável, em constante fluxo, amparada em um mindset de aceitação das mudanças é uma excelente forma de tornar a vida mais fácil, divertida e, até mesmo, mais feliz. O estado de fluxo deve ser uma busca diária.

O FLUXO DE MIHALY CSIKSZENTMIHALYI

Este cidadão de nome esquisito foi responsável por uma extensa pesquisa relacionada ao nível de felicidade que as pessoas demonstravam em comparação com os bens materiais que possuíam. Ao longo da pesquisa Mihaly percebeu que a falta de recursos causava tristeza e apatia nas pessoas porém o aumento deles não elevava a felicidade em mesma proporção. A felicidade não estava na materialidade mas sim no fluxo, foi o que ele concluiu.

Pessoas que viviam em altos níveis de felicidade e encaravam a vida diária com prazer e vontade de crescer relatavam que suas atividades diárias traziam um estado de êxtase. Era como se ao trabalhar essas pessoas se conectassem com algo maior e fossem enviados para uma dimensão única, uma outra realidade onde o tempo passa diferente, a concentração é maior e se realiza muito mais do que normalmente é possível. Alguns ainda relataram que era como se sua existência desaparecesse e o fazer simplesmente fluísse através de seus corpos e mentes, um estado de satisfação e plenitude.

Parece bem bonito e poético não é? E é mesmo!

Acontece que este estado fantástico de conexão com o trabalho ou as atividades diárias não acontece por acaso, não é uma força mística com a qual poucos heróis nascem e é até mais humano do que você imagina. O fluxo que Mihaly identificou nessas pessoas está relacionado com um estado de não passividade, ou seja, é necessário tomar uma ação e se entregar ao momento presente para que ele aconteça. Viver num fluxo como esse é uma tarefa que requer muito treinamento.

Temos a impressão de que só as pessoas que estão fazendo exatamente o que elas gostam é que poderiam exercer uma presença tão poderosa quanto essa mas, não é bem assim, você também pode passar a gostar muito do que faz a partir de uma filosofia de fluxo. Abrace o papel que estará exercendo, mesmo sendo algo que não te agrada tanto, a melhor forma de ser feliz é se permitindo ser fiel ao que está fazendo e não se render aos pensamentos. Fazer algo enquanto pensa em outra coisa é uma ardilosa estratégia da mente para te manter na mediocridade. Aqui no Procrastinador sempre reforçamos que nossos cérebros são máquinas eficientes de gestão de energia e estão o tempo todo tentando nos domar, é algo natural.

Faça o que gosta, passe a gostar muito do que faz ou busque o equilíbrio entre as duas possibilidades. Essa é uma forma interessante de começar a descobrir o seu fluxo.

O estado de fluxo não surgirá do nada, como disse acima, ele requer ação. Você precisa estar buscando a eterna melhoria de si para acessar essa força e entrar de cabeça no momento presente. O Fluxo surge quando se tem um desafio para cumprir que condiz com o nível de habilidade que se tem para a tarefa. Não se carateriza um desafio aquilo que se faz com as mãos nas costas, mas sim aquilo que exige mais que controle, é uma tarefa para qual se está preparado e o resultado depende de foco e concentração, você sabe o que fazer em todas as etapas e isso exige a sua presença para se cumprir.

Dê uma olhada no gráfico abaixo e perceba onde surge o momento de fluxo.

Se você está fazendo algo em que tem muita habilidade mas o desafio é pequeno, entrará num estado de apatia. Em contrapartida, se tem um desafio grande demais para sua habilidade você desenvolverá ansiedade.

Uma chave para criar a vontade de desenvolver a si próprio é: atuar em algo que lhe traga significado e propósito. Essas duas palavras normalmente vão virar parte do seu vocabulário ao fazer algo maior que você, uma atividade que agregue valor ao mundo e aos outros. Caso ache muito difícil pensar em um propósito por agora, tente encontrar uma pessoa ou grupo com o qual você se identifique e contribua. Busque equilíbrio entre você e os outros, entre o que você é obrigado a fazer e o que amaria estar fazendo.

WU WEI, A FILOSOFIA DO FLUXO

Tenho visto cada vez mais as pessoas se interessando por filosofias orientais e estamos prestes a falar exatamente sobre uma delas, o Taoismo.

WuWei é um conceito Taoista que descreve o ato da não-ação, da ação sem esforço ou ação sem ação. É um conceito antigo que fala sobre a vida em fluxo, sobre estar presente e amparado no agora. Desde a antiguidade os humanos já buscavam formas de contornar as distrações do mundo e calar a voz da mente.

Quem é que nunca se incomodou com o barulho que os pensamentos fazem?

O WuWei trata do espaço que existe além da mente, o vazio, nele mora a passividade desse conceito. É uma forma de fazer um jejum da mente, melhor dizendo, calar as vozes que existem em nossas cabeças através de processos meditativos. O Taoismo entende que nossos problemas emocionais e psíquicos estão intimamente relacionados com a mente.

O mundo moderno se tornou uma sociedade cansada, depressiva, ansiosa e isso está muito relacionado com o boom informacional que tivemos. Graças a internet estamos vivendo uma nova revolução tecnológica, comparável com a revolução industrial do século passado. Não é de se estranhar que os problemas mentais estejam tão em alta, não aprendemos a lidar com o excesso de informação que recebemos, nossas mentes estão cada vez mais ativas e recebem diariamente material novo com o qual trabalhar.

É impossível parar o impulso do cérebro e fazer com que ele pare de interpretar as coisas e falar conosco. Porém, podemos assumir o controle do vazio, ou seja, aprender a criar momentos de jejum mental onde um intervalo entre pensamentos surgirá.

O cérebro pode ser exercitado como qualquer outro músculo do corpo, isso já é bem conhecido por muitas pessoas. Justamente por essa flexibilidade é que nós podemos treinar os pensamentos. Através da meditação é possível esticar cada vez mais o tecido do vazio, do momento onde o pensar perde força e uma estranha sensação de paz toma frente. Meditar não é parar os pensamentos por completo, é um processo de reconhecimento e aceitação deles e de começar a deixar que eles passem. Esse treinamento vai lentamente nos levando ao fluxo e as mudanças começam a fazer mais sentido, nos tornamos como água, adaptáveis.

O Taoismo enxerga a vida como um grande rio no qual estamos inseridos e passamos grande parte da existência nadando contra a corrente. A ideia aqui é que, a partir do jejum mental, nós podemos passar a identificar o que está acontecendo no rio, os momentos onde devemos só seguir a correnteza e aqueles em que devemos nadar na direção contrária.

O rio é a vida e nós temos muita dificuldade em enxergar as nuances porque passamos muito tempo tentando controlar os ambientes em que estamos, um pouco por EGO e também pela busca por sobrevivência.

EQUILÍBRIO

Apesar da complexidade de tudo que foi descrito até aqui, é preciso entender que você não é a sua mente e, essa pode ser a mudança de mindset mais importante da sua vida. É possível aumentar o controle sobre a mente e trazer ela para perto, torná-la uma aliada em nossa luta diária para compreender o rio da vida.

Você deve ter reparado que tratei de dois conceitos aparentemente contrários. Um fala sobre ação e o outro sobre não-ação. Bom, isso foi proposital. As duas compreensões de fluxo são necessárias. O fluxo de Mihaly Csikszentmihalyi é mais facilmente alcançado quando treinamos a mente e aprendemos a lidar com os pensamentos.

Devemos buscar pelo equilíbrio. Uma vida em fluxo nasce do equilíbrio entre ação e não ação, é o espaço que existe entre a ansiedade e o tédio. Lidamos com a ansiedade através do WuWei e com o tédio através do Fluxo de Mihaly.

Comece a se tratar com a generosidade que você precisa, está tudo bem não ser perfeito. A luta contra os defeitos que temos é eterna e transborda o amor que viemos ao mundo para transmitir.

Muito obrigado por ler até aqui, espero poder agregar ao seu dia. Até a próxima.