A CNV (comunicação não-violenta) e o home-office.
Oi pessoal, como estão vocês? Acreditem, quero realmente saber, não é força de expressão. Por mais que a gente tenha o hábito de perguntar para outras pessoas como elas estão, nem sempre estamos prontos para ouvir e escutar uma resposta diferente de: ‘sim, estou bem’. Inicio este artigo justamente com o intuito de trazer à tona o que muitas pessoas e organizações ainda insistem em manter em silêncio ou na invisibilidade: o núcleo emocional de cada um de nós.
Nas últimas semanas, me aprofundei no tema de CNV com um curso bem interessante, porém focado em relações interpessoais do dia a dia, o que me incitou a buscar maiores exemplos destas relações no ambiente de trabalho. Ao chegar neste ponto, senti necessidade de ver aplicações deste tipo de comunicação no formato de trabalho home office, pois além de ser meu contexto, acredito haver uma grande necessidade em humanizar as nossas falas e atitudes.
Para começar, gostaria de apresentar duas figuras símbolo da CNV: a girafa e o chacal (ou lobo). Estes dois animais representam os opostos relacionados ao comportamento que todos nós experienciamos diariamente ou em alguma época em determinados campos em nossa vida.
O chacal é uma figura que por estar próximo demais ao solo, enxerga apenas seu entorno e vive “pronto” para se defender e atacar, é nosso ser primitivo, cheio de instintos reativos, agressivos, julgadores e até mesmo preconceituosos. Quem nunca conheceu alguém “sem papas na língua” ou que utiliza os termos “bateu, levou”, “depois de agir eu penso, me arrependo, mas aí já foi” ou que se intitulam “sinceras”, com orgulho? Quantas vezes você fez este papel, mesmo sem sentir?
Em contrapartida, temos a figura da girafa, ícone da CNV por ser o animal com maior coração, além de passos calmos e pegadas profundas que conotam autenticidade. Ela possui pescoço comprido que lhe permite enxergar o “macro” e orelhas sempre atentas para ouvir com sabedoria antes de agir. Quando oferecemos nossa escuta para que as pessoas se expressem sem o peso de nosso julgamento e compartilhamos nossa visão e sentimentos diante de nossas necessidades, nos tornamos bem mais empáticos. Com isso, a chance de progresso em nossas relações aumenta, nos tornando mais confiantes e confiáveis.
Com a chegada da pandemia e o modelo de trabalho remoto, percebo de maneira geral que boa parte das pessoas passaram por processos individuais bastante importantes. Foi (e continua sendo para alguns) um período de reclusão e retração, isso é nítido. Preocupante, em minha opinião, é a solidão resultante destes tempos. Antes, entre um café e uma passadinha na mesa do colega, era possível ler nos semblantes algumas situações de conflito e, dependendo do grau de intimidade, nos encorajávamos a pedir ou oferecer socorro. Hoje não mais. Perdemos o foco coletivo, mas por quê?
Segundo Dom Miguel Luiz em Os quatro compromissos — o livro da Filosofia Tolteca: “A atenção é a capacidade que construímos de discriminar e focalizar apenas o que desejamos perceber. Podemos captar milhões de coisas ao mesmo tempo, mas, usando nossa atenção, somos capazes de manter qualquer uma delas no primeiro plano de nossa mente.” Então, se desejarmos fortemente melhorar nossas relações, acredito ser possível nos reconectarmos uns aos outros. Vamos entender melhor?
Englobando minhas percepções do contexto acima e observando na CNV uma possível alternativa para reverter nossos ânimos, gostaria de apresentar os pilares da Comunicação Não-Violenta e resumir o que cada um significa:
1 — Identificação: Observar o que realmente está acontecendo em determinadas situações, descrever fatos sem julgar ou avaliar as pessoas envolvidas.
2 — Sentimento: Entender qual sentimento a situação desperta em você depois da observação. Nomear o que se sente percebendo a diferença de sentimento e pensamento. Respeite a expressão e o sentimento do outro.
3 — Necessidades: Identificar qual é a necessidade escondida por trás de seus sentimentos e buscar expressá-las cautelosamente. Ser empático às pessoas quanto às suas necessidades não atendidas.
4 — Pedido: Formular um pedido. Quanto mais claros e objetivos formos, mais sucesso teremos em passar nossas percepções e necessidades. Evitar palavras ambíguas, de duplo sentido ou ironias também facilitam a comunicação.
Muitas vezes, evitamos assuntos pesados por receio de sermos mal interpretados ou de perdermos o controle, correto? A CNV nos convida sempre à responsabilidade e ao protagonismo, ou seja, reconhecer e assumir as próprias emoções, evitando processos de terceirização de culpa pela forma que nos sentimos. Não se trata de fugir de discussões, mas sim de captar a riqueza que estes momentos podem nos trazer, de maneira responsiva, sem deixar que nossos gatilhos emocionais sejam acionados. Faz sentido? As ações dos outros estimulam nossas respostas emocionais, porém não as determinam.
Segundo Maslow, todos nós possuímos necessidades a serem supridas dentro de uma pirâmide em que em sua base está nossa sobrevivência e, ao topo, nossa autorrealização. Nos estudos de CNV o sentido de urgência destas necessidades pode variar de pessoa para pessoa. Convido você a procurar identificar suas maiores necessidades, pois delas podem surgir os gatilhos emocionais que atraem o “chacal” para dentro de suas relações, facilitando a comunicação violenta. Se não identificamos nossas necessidades, acabamos por esperar que outras pessoas as adivinhem e as satisfaçam, isto é desastroso.
Pergunte-se: qual necessidade está escondida por detrás do sentimento? Por que julgamos certas situações e pessoas em alguns contextos? Respeitar é diferente de ceder, você pode manter suas relações sem concordar completamente com as pessoas. Abra caminhos, reflita e observe as palavras e comportamentos sem fazer avaliação prévia. Somos seres ainda bastante primitivos e, se chegarmos com uma arma (palavras podem ser afiadas) não podemos esperar reação contrária à autodefesa de quem estiver sob ameaça. Minha dica é: antes de estabelecer um “ringue”, observe onde quer chegar e se você soube sinalizar suas verdadeiras necessidades, como atenção, reconhecimento, segurança, acolhimento, discordância, etc.
Você tem dificuldade em fazer pedidos? Então treine. De maneira incansável. Jogar aberto além de encurtar o caminho para a satisfação de necessidades, faz com que a compreensão dos sentimentos seja possível. Expressar o que precisamos e ajudar o outro a também encontrar suas necessidades fará o processo fluir e “reacender a chama” do calor humano em nossas relações. O trabalho? Será mais leve ao ser compartilhado com “pessoas” de verdade.
De chacal à girafa: Alguns exemplos
— Não usar verbos de conotação avaliativa
Observação com avaliação associada (Chacal)
“Você vive deixando as coisas para depois”
Observação não-avaliativa (Girafa)
“Percebo que quando você tem prazo para uma tarefa, costuma se esforçar só na véspera.”
— Não confundir previsão com certeza
Observação com avaliação associada (Chacal)
Meu colega vai zerar sua avaliação com nosso gestor.
Observação não-avaliativa (Girafa)
O hábito de trabalho do meu colega me faz imaginar que ele possa talvez tirar notas baixas em sua avaliação com nosso gestor.
- Usar advérbios e adjetivos de maneiras que não indicam que se está fazendo uma avaliação.
Observação com avaliação associada (Chacal)
Matheus é feio.
Observação não-avaliativa (Girafa)
A aparência de Matheus não me atrai.
- Um bom caminho é buscar fazer pedidos:
Observação com avaliação associada (Chacal)
Eu não suporto mais trabalhar com estas pessoas fechadas e egoístas*.*
Observação não-avaliativa (Girafa)
Eu me sinto solitário e com dúvidas muitas vezes. Alguém poderia me auxiliar neste projeto?
Observação com avaliação associada (Chacal)
Não sou reconhecido em nada que eu faço nesta empresa.
Observação não-avaliativa (Girafa)
Roberta (gestora), podemos marcar um horário para que eu lhe mostre algumas ideias e ações que tenho praticado?
Eu poderia ficar escrevendo sobre este assunto por muitas páginas, pois além de achar necessário, percebo que a CNV pode e deve ser aplicada nas mais diversas relações de vida. A proposta aqui foi lhes fazer um convite, ou um pedido: busquem saber mais e pratiquem a comunicação não-violenta. Precisamos fazer o movimento de assumir responsabilidades daquilo que é nosso, isso inclui desapegar daquilo que não é nosso também.
Referências: