Papo de Pirata: Jack e A.I. discutem sobre Estratégia, Disrupção e Inovação, do Império Romano à Fotografia Digital, e claro, A.I.
Disrupção, significa romper, quebrar o curso natural (Michaelis). O conceito popularizado pelo Dilema da Inovação de Clayton Christensen nos trás fenômenos contra intuitivos, mas que se provaram no tempo e afetam a vida de todos. Através de algumas histórias, Jack e A.I. vão discutir um pouco disso.
Jack e A.I. se reuniram em uma mesa de bar para conversar. Papo vai, papo vem, e começaram a falar de estratégia. E numa mega viagem mental, começaram a ver como as coisas se cruzam e se repetem. Como alguém que está tão bêbado com Rum que começa a ver fantasmas de velhos navios, Jack e A.I. viram semelhanças entre antigas batalhas romanas e novas batalhas tecnológicas. Será muita viagem? Coincidência? Ou será que realmente a história sempre se repete?
Era uma vez um tal de Cipião.
Você já ouviu falar de um general romano chamado Cipião?
O nome dele está na letra do hino nacional da Itália. (“Dell’elmo di Scipio S’è cinta la testa”). Defendeu Roma de uma de suas maiores ameaças, e aqui contaremos uma de suas batalhas.
Havia uma bela cidade na região ibérica (hoje Espanha) chamada Cartago Nova (hoje Cartagena). Tinha esse nome pois fora dominada pela antiga civilização de Cartago, originária da região onde hoje fica a Tunísia.
Tal civilização conquistou vastos territórios ao redor do mar mediterrâneo, chegando à Europa, e começou a se mostrar uma ameaça para o império romano. E por isso Roma mandou seu melhor general para combatê-la.
Era o ano de 209 a.C. O general Cipião iniciou seu primeiro ataque contra a cidade. E não deu certo.
A cidade era difícil de ser atacada, tendo o mar pela frente e um lago atrás. E essa dificuldade deu lugar a uma ideia inovadora que permitiu a vitória do general.
Após o primeiro ataque, Cipião observou que a maré (e consequentemente a profundidade do lago) baixou. Assim, à noite, Cipião decidiu cruzar o lago com uma parte considerável de suas tropas. É claro que uma tropa cruzando um lago se torna vulnerável, e chega ao destino cansada, molhada e com menos capacidade de combate. Porém, por Cartago pensar dessa mesma forma, a muralha da cidade que ficava perto do lago estava desprotegida. Assim, as tropas de Cipião conseguiram invadir a cidade por essa muralha encontrando pouca resistência. Conquistaram Cartagena, retomaram o território ibérico (hoje Espanha) e expulsaram Cartago do continente europeu.
Graças a isso o império romano sobreviveu, e a fama de Cipião perdura até hoje.
Mas voltando para estratégia, como podemos resumir:
Contexto: Batalha contra uma cidade murada, o que em geral é bem difícil.
Ideia inovadora: Cruzar o lago e atacar o lado mais fraco.
Oportunidade: A maré baixou
Resultado: Cipião conseguiu conquistar Cartagena, iniciando a reconquista da Ibéria (Espanha).
Era uma vez uma tal de Kodak
Bom, você já sabe o fim da história, mas conhece o começo?
Começou em 1888, quando eles inventaram o filme fotográfico. Eles tornaram a fotografia acessível para amadores. E estruturaram um império ao redor disso. Tal qual a fortaleza de Cartagena, eles estavam super seguros. Criavam câmeras incríveis, e possuíam uma grande estrutura de revelação de filmes. Na verdade, mesmo quem tivesse câmeras de outros clientes acabava por revelar suas fotos usando produtos Kodak. Eles sempre pensavam no melhor, e pensando no melhor eles olhavam para os principais clientes, o topo da cadeia, os profissionais. Artistas e aficionados por fotografia, com suas câmeras incríveis.
Você sabe a quantos megapixels equivale uma fotografia comum com filme? 175Mega-Pixels.
E você sabe quem inventou a câmera digital? A Kodak. Em 1975 ela inventou uma câmera chamada Fairchild. Como ela estava focada nos profissionais, foi evoluindo sua câmera por quase 2 décadas até lançar uma câmera profissional com 6Mega Pixels e que custava US$35.000,00. Obviamente isso não foi um grande sucesso né, baixa resolução e alto preço. Fora que, a Kodak ganhava dinheiro com revelação de filmes. Assim como na Fortaleza de Cartagena, a muralha principal, a que ficava de frente pra baia e pro mar mediterrâneo, estava muito bem protegida.
Porém uma outra empresa gostou da ideia da câmera digital e fez uma parceria com eles, para produzir uma câmera acessível. Eles tiveram a coragem de reduzir ainda mais a resolução, para míseros 0,3MP, porém o custo foi para US$800,00.
Esse foi um clássico exemplo do Dilema da Inovação, teoria desenvolvida pelo Professor Clayton Christensen.
A outra empresa atacou pelo lago. Criou um produto “teoricamente inferior”, assim como os soldados molhados e cansados. E atacou pelo outro lado, atacou aqueles aficionados por inovação, que queriam experimentar aquilo e estavam a fim de pagar US$800,00 pela câmera. E a partir daí eles foram evoluindo a ideia, evoluindo… até que resolveram juntar esse produto, já evoluído com outros 3… assim, como disse aquele que na minha opinião é o maior Product Manager de todos os tempos (Steve Jobs): Vamos lançar um Ipod, Telefone, e um Navegador pra Internet…
Sim, essa outra empresa, pra qual a Kodak licenciou (e produziu) câmeras digitais foi a Apple.Em 1994 a Apple lançou e Quicktake, com 0,3MegaPixels, e em 2007 ela lançou o Iphone, com 2Megapixels.
Em 2012 a Kodak pediu concordata.
Voltando para estratégia temos:
Contexto: Kodak dominava o mercado de fotografia (por mais de um século) indo do desenvolvimento de câmeras até a revelação das fotos. Sendo o maior player, ela estava focada em ter os melhores produtos para os clientes mais exigentes, e isso atenderia os demais também.
Ideia inovadora: Lançar uma câmera cuja qualidade da foto era inferior, porém que não precisasse de revelação.
Oportunidade: Havia um mercado que gostava de inovação, e conseguiu adotar essa ideia, que posteriormente foi se desenvolvendo.
Resultado: A câmera digital evoluiu e se popularizou, pois para a base da pirâmide, os consumidores amadores, as dores do processo fotografia+revelação (número limitado de fotos por filme, custo de revelação, só saber o resultado depois de pronto, dificuldade de compartilhamento pela internet, etc) tinham muito mais valor do que a qualidade da fotografia. Vale lembrar que os clientes premium da Kodak, jornalistas e fotógrafos profissionais, foram realmente os últimos a adotar tal inovação (sabiam tirar fotos muito bem e o custo de revelação não doía tanto pra eles), porém adotaram. Foram praticamente obrigado, pela queda da muralha, digo da Kodak.
Era uma vez uma tal de Inteligência Artificial
Era uma vez… Não pera, não era. É, e será.
Essa é a história que todos que trabalham com inteligência artificial estão construindo neste momento.
Como mostra esta reportagem do Jornal da USP , em uma das maiores crises de nossa era, algoritmos de inteligência artificial foram capazes de, através da análise de perguntas simples e exames simples, acessíveis à maioria dos hospitais, ajudar médicos a diagnosticar pacientes com Covid-19. Em um cenário de falta de leitos, o trabalho conjunto entre médicos e algoritmos pode ter significado a diferença entre a vida e a morte para muitos.
Hoje, AI é a ideia inovadora, a nova tecnologia, assim como foi a câmera digital, e assim como foi cruzar o mar.
E a revolução está apenas começando :)
Referências:
Batalha de Cartagena:
Scipio Africanus: Rome´s Greatest General https://books.google.com.br/books/about/Scipio_Africanus.html?id=EDFGEBjwaGUC&redir_esc=y
Batalha de Nova Cartago:https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_de_Nova_Cartago_(209_a.C.)
Kodak: Aula por Christian Zambra ministrada para FEA-USP — Estrutura e Análise de Mercados: https://www.slideshare.net/christianzambra/aula-anlise-de-mercados-e-comportamento-do-consumidor-aplicaes-do-modelo-consumer-decision-process-engel-miniard-e-blackwell-a-inovao
Inteligência e diagnóstico do Covid — 19: https://jornal.usp.br/ciencias/inteligencia-artificial-pode-prever-diagnostico-de-covid-19/