Entrevista com Linguini

Matheus Candido Pareschi Soares
Produtora Mente Vazia
8 min readJun 14, 2021

Conheci o trabalho do Vinícius (Linguini) por intermédio do gigante Moki, dois belorizontinos e amigos de ensino médio, e desde o começo me impressionei com a sinceridade e liberdade do projeto (musical e liricamente falando). Linguini possui dois EP’s e um LP na bagagem, além de vários singles disponíveis.

O rapper lançou recentemente dois videoclipes contemplados por editais de cultura que só demonstram que o artista e quem o acompanha leva com muita seriedade e autenticidade seus projetos. Na entrevista a gente conversa sobre o primeiro disco, lançado em fevereiro de 2020, O Imperfeito Cozinheiro das Rimas deste Mundo e alguns assuntos sobre o percurso feito por Vinicius no campo da música.

Linguini e Juliana Novaes

1) Qual foi a motivação de escolher a faixa Anna para o trabalho audio-visual?

Primeiramente, sobre a homenagem a Anna, tem toda uma questão por fora. A história é que ela se foi por uma infelicidade ocasionada pelas enchentes que acontecem em regiões da cidade de Belo Horizonte. Ela foi embora por conta dos problemas urbanos relacionados à chuva, que habitam essa cidade desde sua urbanização. Como o sample falava muito de chuva e teve toda a questão de que foi uma chuva muito forte que acabou levando ela, a faixa encaixou bem e tocou muitas pessoas né. Esse fato também nos motivou a escolhê-la na proposta do edital. É a música que a galera gosta mais e tem mais chance de gostarem do clipe. Além do mais ela representa BH por ter um sample de Lô Borges, que é uma faixa contida no Clube da Esquina, e a produção do clipe ser na cidade, com pessoas da cena (desde estilistas, produtores de vídeo, a Juliana, etc) a gente queria fazer a música mais “BH” do disco e Anna é uma delas.

2) O disco bebe do movimento modernista, principalmente do Oswald de Andrade, como inspiração; como você enxerga a questão da identidade nacional hoje em dia?

Eu vejo uma questão de conflito, com algumas pessoas bebendo muito da influência de fora. Você vê aí muita gente que faz trap hoje em dia, faz numa estética que traz muito da fonte de fora, do linguajar ao modo de se vestir. Em contra partida e até mesmo, em alguns casos, em resposta a essas pessoas que se espelham 100% numa identidade estrangeira, surgem pessoas no rap, no trap e mesmo em outros gêneros buscando dar uma “abrasileirada” naquilo que vem de fora. Então meio que continua reproduzindo esse ideal do movimento modernista, que é pegar coisas de fora e misturar, fazendo algo genuinamente brasileiro, digamos assim, algo que tenha cara de Brasil. Você vê isso no trap, nas vestimentas de uma galera é mais focada naquilo o brasileiro costuma vestir, sem muitas daquelas correntes que o pessoal de fora usa. Se tiver corrente é uma que a galera usa mais no baile funk, uma vestimenta que a galera do funk gosta mais de usar, que é algo mais brasileiro. Até mesmo na fusão, onde esses gêneros modernos e importados, como o trap, eu vejo que tem uma galera que bebe totalmente lá de fora, mas em resposta também tem uma galera que inclui influências brasileiras, no lifestyle, na forma de vestir, na letra, na sonoridade principalmente com trap funk, o baile, E criam esse resultado que valoriza a identidade nacional, de certa forma. Ainda é meio divido, uma situação até de conflito, mas com uma resposta interessante que provavelmente não surgiria se as pessoas não estivessem fazendo um som gringo demais e alguém sentisse a necessidade de fazer algo mais brasileiro, botar a mão na massa, fazer. Acho interessantíssimo, acho que tem muita gente boa fazendo algo com a cara do Brasil hoje em dia.

Foto da gravação do disco na Fatec Tatuí em 2019

3) Como se deu a seleção dos samples para os beats, você já tinha músicas em mente antes de construir as canções?

A seleção dos samples foi feita de forma muito natural. Foi proposital colocar uma maioria de samples brasileiros, a seleção foi focada por conta do conceito do disco se inspirar num livro precursor do modernismo incentivando essas escolhas. O que encaixou muito bem porque eu tava numa fase em que escutei muita música brasileira, de vários gêneros. A maior influência desse disco, até mesmo na seleção dos samples, foi a mixtape “Flight To Brasil” do Madlib de quando ele veio pra cá, em 2004 ou 2002 (se não me engano). Ele fez algumas viagens pra cá, e quando ele não tava no quarto do hotel fazendo beat, ele tava nos eventos pros quais foi convidado ou garimpando disco. No final de todo esse garimpo ele fez essa mixtape, que selecionou vários vinis como uma coletânea mesmo, com vários picotes de discos raros, até coisas bem conhecidas, ele bota Elis Regina, umas coisas mais famosas, também coisas que nem os próprios brasileiros conheciam a fundo. Esse disco me inspirou muito, porque na época que escutei essa mixtape eu falei “Caralho, muito dessa música brasileira eu não sabia que existia. Pô, eu moro no Brasil, como eu não conheço? e tal.” Eu fui a fundo e fui ver que tinha muita coisa boa, sabe. Por causa dessa mixtape eu fui escutar mais música brasileira, lá por 2017 já tava escutando bastante e em 2018, quando comecei a fazer o disco, estabeleci o conceito, e foi muito natural. Vendo os sons que eu já conhecia, quais poderia samplear, e ao mesmo tempo pesquisando coisa nova. Acabou saindo um álbum praticamente 100% brasileiro, tirando a faixa “Luanda” que tem um sample de Angola (faixa 03 do álbum). Apesar disso essa mesma faixa tem elementos do Brasil tipo funk e a própria ideia de ter um sample de Angola no meio é mostra de que muito do que a gente faz hoje aqui, principalmente o funk e os ritmos de sonoridade afro vieram de lá, vieram da África. É pra mostrar que se a gente tem alguma coisa aqui é porque chegou de lá, nesse aspecto da homenagem tem um sample de Angola pra firmar esse conceito mais forte ainda. Apesar disso o finalzinho de “Luanda” tem um sample brasileiro dessa mesma levada, um disco de 1971 chamado “Tribo Massáhi, estrelando Embaixador” que é um disco que foi feito 100% no brasil sem interrupções, sem partitura, sem ensaio, sem nada gravado, como uma jam session que buscava reproduzir os sons lá da África só que aqui no Brasil. Esse disco atualmente é uma raridade, sua escolha foi pra abraçar esse conceito da fuga da única faixa que não tem um sample brasileiro, é pra mostrar que muita coisa daqui veio de lá.

4) Quais são as mudanças que você observa do EP Cobrança, passando por “O Imperfeito” e Total 90?

A mudança do EP Cobrança, pro “Imperfeito” e “Total 90” acontece de várias formas. Primeiro na maturidade, experiência a gente sempre ganha. Depois, na própria sonoridade, porque no EP “Cobrança” eu não produzia os meus instrumentais, o próprio Moki que trabalha e trabalhou comigo em todas essas obras de certa forma tava começando assim como eu, então a gente um do lado do outro cresceu muito nesse período em questão de produção, de mentalidade e na sonoridade. “O Imperfeito” por exemplo, já tem essa sonoridade mais voltada à essa música brasileira da década de 60,70, 80. Enquanto “Pique Pit Bull”, que faz essa ponte pra “Total 90”, apresenta essa estética mais “rueira”, mais voltada pro trap, pro grime, pro drill, que são gêneros que tão cada vez mais populares aqui no Brasil, são gêneros mais agitados que “O Imperfeito”. O Total 90 vem com essa coisa mais puxada pra dança, pro agito, enquanto o “Imperfeito” tá mais voltado pra essa sonoridade brasileira, algo mais boom bap. Apesar disso, os outros trabalhos como “Pique Pit Bull” e “Total 90” também carregam uma identidade nacional, mas essa identidade surge de outra forma, como nas referências ao mundo esportivo do Brasil, que faz parte do cotidiano de muita gente, até mesmo nos samples de funk presentes em algumas faixas dessa nova estética, a identidade nacional continua vindo, só que de outra forma. Desde “O Imperfeito” eu tento sempre manter a ideia de algo brasileiro de várias formas.

Foto do dia da fotografia da capa do disco “Imperfeito”

5) Madling pode ser dito como um alter ego do Linguini?

Agora pra finalizar: Madling sim, é meio que um alter ego mesmo do Linguini. Ele se firmou de fato quando eu decidi fazer “O Imperfeito Cozinheiro” porque na “Garçonnière”, que era o apartamento do Oswald, eles tinham um diário que deu origem ao livro O Imperfeito. Nesse livro tinha essa questão dos alter egos e pseudônimos, por exemplo, como era um diário coletivo em que as pessoas escreviam o que quisessem, se expressavam de diversas formas textuais desde colagem, desenho, escrita. Onde podia escrever o que quiser, foi um livro feito a mão. Rolava muito de uma pessoa escrever um recadinho, um poema assinando com “X” nome e numa outra página a mesma pessoa assinar com outro. Foi o que eu precisava pro conceito abraçar mais ainda a ideia de assinar com nomes diferentes pra produzir, escrever e rimar. Então acabei fazendo essa brincadeira aí. E o Madling vem em referência ao Madlib, que citei anteriormente, então ele é sim um alter ego que representa uma visão mais de produtor mesmo, de quando eu tô ali fazendo os instrumentais, quando eu tô pensando num lado mais musical. O Linguini fica na parte da rima, do canto, da escrita. Então funciona desse jeito mesmo.

6) Um lugar possuidor de um clima, uma ambiência, o quê quem visita BH deve presenciar, sentir?

Na questão da ambiência eu acho que são muitos lugares. Porque BH é um lugar urbano, mas ao mesmo tempo mais tranquilo que outras cidades então eu falaria pra ir: Casa Sapucaí, Rua Sapucaí, Baile Room e também falaria pra ir num jogo cheio no Mineirão pra sentir a atmosfera tanto dentro do estádio quanto no pré jogo enquanto come um tropeirão ou churrasquinho. Ao mesmo tempo eu recomendaria lugares simples, como as várias praças da cidade e alguns parques, porque sou uma pessoa simples também. BH tem vários lugares mais tranquilos também que dá pra bater um papo sentado ou ir andando.

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