Você sabe como sua empresa funciona?

Algo que sempre me incomodou, desde que comecei a trabalhar nesse mercado, é a maneira muitas vezes arbitrária como times de produto definem suas iniciativas e projetos. Algo do tipo:

Paulo Floriano
Produtos para Humanos
6 min readAug 17, 2021

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Originally published at https://produtosparahumanos.substack.com on August 17, 2021.

“Vamos entregar uma feature social, em que as pessoas poderão interagir e trocar experiências”, “vamos colocar um feed na primeira tela com updates dos locais favoritos dos usuários”, “vamos incluir uma visualização do conteúdo no mapa”.

Já vi esses e vários outros projetos serem definidos como prioridade de um time sem uma mera justificativa de como se espera que a feature gere impacto para o negócio. Normalmente esse tipo de coisa vem seguida de um argumento qualitativo (esse item surgiu em entrevistas com alguns usuários) ou um objetivo completamente solto, como “vamos melhorar a experiência geral de uso” ou “os usuários vão passar mais tempo usando o app”.

Esse tipo de coisa me incomoda demais — incomoda porque tem a ver com responsabilidade. Como profissionais de produto, nós precisamos entregar coisas que façam sentido — sim, para nossos usuários — mas que obrigatoriamente gerem crescimento e sustentabilidade para o negócio. Pra mim, se não estamos buscando isso, estamos mentindo pra nossos stakeholders, time e pra nós mesmos sobre a importância do que fazemos.

E aí que, em algum momento da minha carreira, a Árvore de Alavancas (em inglês, Driver Tree) entrou na minha vida e ajudou a resolver esse incômodo. Ela mudou completamente meu jeito de pensar e orientar times de produto.

Esse texto é uma tentativa de cobrir alguns dos aspectos que considero mais importantes sobre esse assunto. Me fale se você sentiu falta de alguma coisa ou se você gostaria que eu entrasse no detalhe de alguma parte específica.

O que é a árvore de alavancas?

Uma árvore de alavancas documenta como a empresa entrega seus objetivos de negócio, mostrando de maneira hierárquica como métricas e alavancas se relacionam. Na extrema esquerda, posicionamos a métrica mais importante da empresa. Indo da esquerda para a direita, colocamos quais elementos impactam esta métrica. Quanto mais para a direita, mais indireto e menos significativo é o impacto. Ela parece com isso:

Um exemplo mais óbvio de árvore de alavancas é o que mostro abaixo e explico aqui. Uma métrica extremamente comum para qualquer empresa é lucro. O lucro depende de quanto a empresa gera de receita e quanto ela gasta para obter essa receita. Se ela vende um produto (físico, por exemplo), o que impacta a receita é o número de unidades vendidas e o preço por unidade. E no lado dos custos, as alavancas são os custos fixos e os custos variáveis (aqueles que oscilam conforme o volume de produção). Poderia incluir várias outras alavancas aqui, como gastos com marketing, produtos vendidos por cliente, base de clientes total, recompra, etc. Mas nesse exemplo dá pra sacar o jeitão da coisa.

E por que a árvore de alavancas importa?

Porque ela mostra como a empresa funciona do ponto de vista de negócio. E se o seu produto não está impactando diretamente alguma das alavancas prioritárias para o negócio, algo está muito errado. Muito errado, mesmo.

Na minha experiência, o desconhecimento ou desalinhamento de um time de produto às alavancas do negócio ocorre por duas grandes razões.

A primeira é atuar em uma métrica sobre a qual não existe correlação comprovada entre ela e alguma alavanca do negócio. Por exemplo, um time de produto pode medir seu resultado a partir do NPS, mas o NPS sozinho não é uma métrica de negócio. Quando bem utilizado, ele é uma bússola para entender ou predizer possíveis movimentos de churn ou recompra. Mas na maioria das vezes, a correlação entre NPS e alguma alavanca de negócio é bastante nebulosa — por isso um time de produto que tem como métrica norte o NPS provavelmente não está criando impacto para o negócio — ou pelo menos não está criando impacto mensurável de verdade.

A segunda razão é sobre escolher métricas que contribuem de maneira indireta ou insignificante para as alavancas de negócio da empresa. Por exemplo: é bem comum times de produto terem como métrica de sucesso usuários ativos (MAU, WAU, DAU), mas estas métricas costumam ter uma relação muito distante com métricas mais importantes, como volume de transações ou receita. Elas podem ser importantes, mas estão muito no início do funil. O resultado de olhar apenas para esse tipo de métrica é, por exemplo, abarrotar o produto com usuários que não tenham perfil de compra — pois o time não está olhando para quais usuários fazem alguma transação.

Como fazer?

Primeiro de tudo, você e seu time precisam de alguém que entenda a fundo do negócio. Essa pessoa irá ajudar a levantar quais são as alavancas mais importantes e como elas se relacionam. Talvez vocês precisem até de mais de uma pessoa, por exemplo alguém que entenda de como a empresa funciona do ponto de vista comercial (prateleira de produtos, receita por cliente, ciclo de vida, etc.) e outra pessoa que entenda de como funciona o negócio do ponto de vista de marketing (custo de aquisição, canais, investimento, etc.). É importante mapear o máximo de alavancas possível, no detalhe, pois seu time precisa pode entender se alguma delas não está coberta por produto ou mesmo se existe alguma oportunidade importante não definida anteriormente.

Em segundo lugar, você precisa garantir que a árvore de alavancas está alinhada com as métricas do produto. Depois de desenhar as alavancas do negócio, você vai precisar incluir também as suas métricas e alavancas para que o documento fique 100%.

Outras coisas são importantes:

  • Você precisa partir da premissa básica de que toda empresa opera a partir de uma — e apenas uma — métrica principal. Ela pode ser receita, número de transações, GMV número de contratos ou algo do tipo. A árvore deve ser inteiramente orientada a esta métrica — se existe alguma alavanca ou tarefa que não encaixa nessa linha mestra, ela não deveria existir.
  • A árvore deve ser da empresa e não de uma área. Ao desenhar a árvore de alavancas, procure interagir com áreas com as quais existe algum overlap — vocês precisam entender como os esforços de vocês se alinham e resolver possíveis problemas de duplicidade de esforços, por exemplo.
  • Use métricas específicas. Se uma alavanca é engajamento com o produto, por exemplo, deixe claro como o engajamento é medido. Isso ajuda a entender na prática quais alavancas se influenciam e como.
  • Tudo bem incluir hipóteses. Se você e seu time não tem certeza, por exemplo, se uma feature tem impacto direto em uma métrica de negócio (por exemplo, se a conversão num form de signup possui impacto no volume de vendas do time comercial), está tudo bem incluir na árvore como hipótese. Ela pode ser validada ao longo do tempo — mas é importante ter um processo pra isso.
  • Use. Todo o time de produto — todo o squad, na verdade — deveria saber como a empresa funciona e usar a árvore no seu dia-a-dia de trabalho. Isso ajuda muito no alinhamento e dá mais foco para as pessoas. Use em discussões de backlog, planejamento de trimestre, apresentação de resultados de pesquisas e assim por diante. De vez em quando, você pode rediscutir a árvore com o time todo e revisar o que for necessário.

Não é um processo fácil. Mas vale muito a pena se for feito com cuidado — realmente muda o jogo de quem trabalha com produto.

Se você ou seu time quer compartilhar experiências ou conversar para entender melhor como desenhar a árvore do seu negócio, me manda um e-mail: pfloriano[at]gmail.com ou me chama no linkedin.

Pós-texto: Árvore de alavancas e árvore de oportunidades

Se você conhece a árvore de oportunidades, criada pela Teresa Torres, talvez fique a dúvida sobre qual das duas árvores utilizar e quando.

Na minha visão, as duas ferramentas são complementares. A árvore de alavancas de negócio deve ser usada como base para os exercícios que vão usar a árvore de oportunidades. A primeira vai garantir que o time olhe para as questões certas — enquanto esta última irá ajudar a estruturar o plano de como o produto pretende influenciar cada oportunidade.

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Originally published at https://produtosparahumanos.substack.com on August 17, 2021.

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