Uma visão para 2024.

(UPDATE: todos os links incorporados ao texto estão numa lista no final. as informações encontradas neles são importantes para a contextualização.)

Ariel Cardeal
Professional Time Traveler
7 min readJan 24, 2021

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Em Janeiro de 2021 participei de um exercício de visualização de futuros com a Envisioning (1), empresa que pesquisa tecnologias emergentes e presta consultoria estratégica em estudos de Futuros. O exercício, chamado de "Vivid Visions" faz parte de um método para criar imagens de futuros (2) não muito distantes do presente, focando numa projeção de 3 anos à nossa frente: próximo o suficiente para que seja plausível, distante o suficiente para que seja imprevisível.

As sessões continuam acontecendo, em português e inglês (3), e estão abertas ao público.

Caso você não tenha muita familiariedade com o estudo de Futuros e esteja se perguntando por quê falo dele no plural, acesse no YouTube as sessões da EV em Português para o Futures Literacy Summit da UNESCO em 2020 (4), ou dá uma lida nesse texto introdutório antes (5).

Este texto é uma visão pessoal, sem intenção de realizar qualquer tipo de previsão para 2024.

Fazem 13 graus aqui no interior de São Paulo. Estamos em Janeiro e enquanto inicia o ano de 2024, aperto o passo. Estamos no meio de uma transição que deve durar ainda alguns anos. Afinal de contas, Roma não caiu em um dia.

Quando falo de transição, poderia fazer uma analogia com estações do ano — mas até estas hoje são inconstantes.

Inconstante é também a relação entre estes senhores, Biden e Xi Jinping. Os dois não se bicam muito, são homens de modos antigos, fazendo prevalecer a lógica patriarcal da busca pelo protagonismo no cenário político internacional. Não fosse a Jacinta ou Merkel, alguns acordos bilaterais de extrema importância global não teriam passado.

O Brasil hoje tenta se recuperar, com muita dificuldade, daquela época de 18–22. Parece que minha posição na fila da nova vacina anda 100 números a cada 30 dias. Já é a terceira vacina que preciso tomar pra mais uma mutação do vírus (6). Mas pelo menos hoje o líder político eleito não rejeita a ciência. Já estivemos pior.

O Rio de Janeiro afundou no caos. A capital serviu de modelo pro estado da Guanabara, e agora, após 3 anos de sucateamento das coisas públicas do país, exporta o modelo de Estado mínimo miliciano para outras áreas menos urbanas (7). As milícias armadas viraram pequenas corporações que funcionam com o aval do Estado, como forma de garantir algum tipo de ordem nos territórios menos privilegiados, distantes dos grandes centros. Talvez tenha faltado a Jodi Dean atualizar seu conceito de Neofeudalismo (8) com o modelo em voga no Brasil.

Depois dos embargos da União Européia (9) e com os norte-americanos ainda tentando colocar ordem em casa, o dinheiro — digital (10)— vem da China (dizem que é o novo dólar (11)), que é investido a rodo no Brasil e na América Latina.

Nos vendemos sim, não para aqueles que a esquerda jurássica sempre demonizou (“Malditos ianques!”), mas para os “chinos educados y cordiales”, como disse um amigo chileno uma vez.

Imagem de protesto em Hong Kong em 2019. Fonte: https://www.bloomberg.com/graphics/2019-hong-kong-protesters-umbrellas/

Estamos mudando o foco de uma narrativa global sobre a Economia, forçando também a uma busca por um novo referencial de costumes. Será que nos dobraremos assim como quando importamos o hábito dos microondas, do roquenrou, o mito do self made man e suas réplicas da casa branca? A relação da China conosco será como a que houve com Hong Kong (12) ou a que houve no continente africano (13)?

Evito pensar sobre isso. Aqui no sítio tento plantar misturando técnicas agrárias Tupinambá com um kit de engenharia genética (14) que comprei pelo Correio. Sim, os Correios ainda existem aqui em 2024.

Vigilante britânico do século XIII

Sigo trabalhando remoto e colaborando com pelo menos 2 projetos externos ao ano. Um deles é com a Envisioning, que tem juntado algumas dessas pessoas com o privilégio de trabalhar de casa pra elaborar estratégias de sobrevivência da pluralidade humana. No Brasil a EV tem sido pioneira no papel de ampliar o acesso às visões plurais de futuros. Evidentemente, por consequência também estão fazendo um papel parecido com os vigilantes dos vilarejos britânicos no século XIII (15), rompendo com uma matraca no meio da noite (16) nos avisando do incêndio iminente (17). Mais e mais pessoas têm elaborado visões sobre o futuro com pés aterrados o suficiente para entender que:

  1. sim, as mudanças climáticas são reais
  2. sim, elas são urgentes (18)
  3. não vamos bater a meta de redução de emissões de gases que produzem o efeito estufa até 2050 (19).

Aceitamos estes alarmes como reais, mas não os aceitamos como verdade única sobre o Futuro.

A disputa por protagonismo político não deixa avançar uma cooperação verdadeiramente global para conter o avanço da catástrofe. E ainda temos de lidar com os eco-fascistas (20).

Fonte: https://www.theguardian.com/cities/2019/aug/13/worlds-largest-urban-farm-to-open-on-a-paris-rooftop

Enquanto isso, usando a plataforma da Envisioning, esse grupo de pessoas que mencionei antes, se reúne pra discutir estratégias de mitigação. Alguns estão plantando e codando, criando redes de troca, micro economias alternativas, nos servindo de visões possíveis pelas tecnologias já detectadas. Outras, estão ainda em grandes empresas ou institutos de pesquisa e desenvolvimento, compartilhando seus excedentes de capital intelectual com pequenas fazendas urbanas e economias periféricas, tentando escalar, e sempre de forma sutil, sem despertar suspeitas, protótipos de modelos econômicos alternativos. Temos ainda essas pessoas artistas, construtoras do imaginário, que nos ajudam a tangibilizar estas visões de futuros mais desejáveis, discutidas frequentemente em pequenos grupos nas pausas do café do trabalho, nas festas caseiras ou em bairros distantes onde uma juventude começa a ter mais esperança, apesar do cansaço histórico.

O solo está sendo preparado, e redes subterrâneas vão aos poucos se servindo de tudo que já foi feito. Outros saberes vão sendo redescobertos (21) e tendo o seu devido reconhecimento.

Aquilo que é grande há de se tornar compostagem.

Os esporos se multiplicam (22).

Confiança nos pequenos.

Ponte feita de raízes, técnica da região de Meghalaya, na Índia. Fonte: https://seatbackupright.com/meghalaya-the-abode-of-clouds/

Todos os links incorporados ao texto:

1. Site da Envisioning (https://www.envisioning.io/)

2. Livro "Vivid Vision: A Remarkable Tool For Aligning Your Business Around a Shared Vision of the Future" (https://www.amazon.com/Vivid-Vision-Remarkable-Aligning-Business/dp/161961877X)

3. Evento "Visão 2024", da Envisioning, no Eventbrite (https://www.eventbrite.com/e/visao-2024-tickets-137928480799)

4. Playlists da Envisioning no Youtube. (https://www.youtube.com/user/envisioningtech/playlists)

5. "Como o Design ajuda a antecipar os Futuros — criados por nós." (https://medium.com/professional-time-traveler/como-o-design-ajuda-a-antecipar-o-futuro-criado-por-n%C3%B3s-4cd75cc26b3b)

6. "Coronavírus: variante achada no Brasil poderia ‘driblar’ anticorpos e reinfectar quem já teve covid-19, diz pesquisador" BBC Brasil (https://www.bbc.com/portuguese/geral-55725181)

7. "MAPA DAS MILÍCIAS DO RIO DE JANEIRO" G1 (http://especiais.g1.globo.com/rio-de-janeiro/2018/mapa-das-milicias-do-rio-de-janeiro/)

8. "Neofeudalism: The End of Capitalism?" Jodi Dean (https://lareviewofbooks.org/article/neofeudalism-the-end-of-capitalism/)

9. "’Depender da soja brasileira é endossar o desmatamento da Amazônia’, diz Macron" G1 (https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/01/12/depender-da-soja-brasileira-e-endossar-o-desmatamento-da-amazonia-diz-macron.ghtml)

10. "Entenda como a China está testando sua criptomoeda via loteria" MoneyTimes (https://www.moneytimes.com.br/entenda-como-a-china-esta-testando-sua-criptomoeda-via-loteria/)

11. "A moeda digital chinesa é uma ameaça ao dólar? Veja o que dizem especialistas" Portal do Bitcoin (https://portaldobitcoin.uol.com.br/a-moeda-digital-chinesa-e-uma-ameaca-ao-dolar-veja-o-que-dizem-especialistas/)

12. "Hong Kong’s huge protests, explained" Vox (https://youtu.be/6_RdnVtfZPY)

13. "Buried Secrets — How an Israeli billionaire wrested control of one of Africa’s biggest prizes." New Yorker (https://www.newyorker.com/magazine/2013/07/08/buried-secrets)

14. Kits de engenharia genética da The Odin (https://www.the-odin.com/gene-engineering-kits/)

15. Definição de "Watchman (law enforcement)" na Wikipedia (https://en.wikipedia.org/wiki/Watchman_(law_enforcement))

16. Definição de "watchman’s rattle" no Wikitionary (https://en.wiktionary.org/wiki/watchman's_rattle)

17. "The Watchman’s Rattle: A Radical New Theory of Collapse — Rebecca D. Costa" (https://www.amazon.com/Watchmans-Rattle-Radical-Theory-Collapse/dp/1593156863)

18. "See which cities will feel the brunt of climate change — NatGeo" (https://www.nationalgeographic.com/magazine/2020/04/these-cities-will-feel-climate-changes-effects-the-most-feature/)

19. "73 Countries Commit to Net Zero CO2 Emissions by 2050" (https://sdg.iisd.org/news/73-countries-commit-to-net-zero-co2-emissions-by-2050/)

20. "Eco-fascists and the ugly fight for ‘our way of life’ as the environment disintegrates" — Jeff Sparrow (https://www.theguardian.com/environment/2019/nov/30/eco-fascists-and-the-ugly-fight-for-our-way-of-life-as-the-environment-disintegrates)

21. Livro da Julia Watson. "Lo — TEK. Design by Radical Indigenism" (https://www.taschen.com/pages/en/catalogue/architecture/all/04698/facts.julia_watson_lotek_design_by_radical_indigenism.htm)

22. "Fantastic Fungi " — Trailer (https://youtu.be/bxABOiay6oA)

Professional Time Traveler é uma publicação sobre Futuro, Presente e Passado. Se gostou do texto, fique à vontade pra “bater palmas” ao lado, compartilhar e seguir a publicação aqui no Medium.

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