programação suspensa no ar ✺ semana 15

100 dias

Casa do Povo
Programação suspensa no ar
4 min readJun 25, 2020

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Fotos: Robson Gonzaga

há 100 dias nos perguntamos: como a casa do povo pode ser útil neste momento?

ao invés de responder prontamente, colocamos a pergunta em suspenso, não para deixar de agir, mas para que o convívio com a dúvida nos servisse de guia e nos permitisse ativar coletivamente uma série de propostas que se somassem ao longo do tempo. sem deixar de fazer o que fazíamos, abrimos espaço para o que ainda poderia ser feito por um centro cultural, lugar de memória pautado pela ideia de comunidade, meio à crise deflagrada pela covid-19.

arrecadar, distribuir, produzir, juntar. colocados em movimento, esses quatro verbos rapidamente se tornaram caixas, corpos, braços, ovos, tecidos, livros, sabão, máscaras, frutas e tão mais. tornaram palpáveis alianças invisíveis entre diferentes grupos que habitam o mesmo território: pessoas transgênero, padres franciscanos, costureiras bolivianas, líderes de ocupações, ONGs, museus, profissionais do sexo, comerciantes do bairro, moradores de rua, voluntários. muitos e incansáveis, os voluntários foram o elo necessário para a manutenção das redes de solidariedade e cuidado criadas nas conversas da banquinha do auxílio emergencial, nas atividades de impacto micro-econômico da produção de máscaras e de sabão, na distribuição de cestas com alimentos, livros e produtos de higiene, e em tantos vaivéns pela cidade para transportar marmitas e insumos necessários. se a pergunta como viver juntos? tem permitido um tempo dilatado de resposta em textos, obras e bienais, como sobreviver juntos? ganhou concretude veloz pela força da urgência.

mas não sobreviveremos sem cultura, isso é certo. a arte como ferramenta de transformação social é mote da casa do povo desde os idos anos 1940, década que nascia também Antonio Dias (1944–2018), um dos artistas contemporâneos brasileiros de maior envergadura. sua obra faça você mesmo: território liberdade (1968) nos fez companhia num dado momento da pandemia. remontada no segundo andar da casa do povo, o trabalho inaugura um espaço simbólico de ação, invento e liberdade.

as marcas no chão, que constituem o “território liberdade”, criam um contraste entre este perímetro de experimentação e o restante do espaço. se em 1968, ano de criação da obra, evidencia-se a relação da falta de liberdade imputada pela violência do regime militar, montá-la hoje na casa do povo acena não somente ao projeto necropolítico do atual poder estabelecido, mas também à abertura de espaços de liberdade pontuais e comunitários, frágeis porém transformadores — como o que tem acontecido no bairro do Bom Retiro nos últimos meses.

Foto: Arquivo ICIB/Casa do Povo

se as ações da casa do povo durante a pandemia começaram inspiradas em uma foto do nosso arquivo, em que homens, mulheres e crianças faziam um mutirão para enviar insumos aos exilados da segunda guerra mundial em 1944, terminamos esses primeiros 100 dias de pandemia com uma imagem que corporifica uma das frases que tem guiado o fazer cotidiano da instituição há tantas décadas: o passado como ferramenta do presente para a construção de outros futuros.

Agradecemos à Nina Dias, Paola Chieregato, Rara Dias e a Galeria Nara Roesler pela gentil autorização de reprodução da obra de Antonio Dias e à Helena Cavalheiro pela montagem do trabalho.

Destacando um ponto de inflexão no funcionamento institucional da Casa do Povo, esta é o último texto semanal da Programação Suspensa no Ar. Manteremos informes regulares sobre os projetos em curso e seguiremos com as frentes de ação surgidas na crise deflagrada pelo COVID-19, para além da quarentena.

O perfil do Medium continua sendo um canal de conteúdo da Casa do Povo com textos do jornal Nossa Voz e outros ainda por vir. Em breve também divulgaremos como se dará a volta paulatina das atividades em um contexto necessariamente transformado.

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Casa do Povo
Programação suspensa no ar

A Casa do Povo é um centro cultural que revisita e reinventa as noções de cultura, comunidade e memória. www.casadopovo.org.br