a Netflix tirou a graça de ver séries

Henrique Nascimento
programação
Published in
4 min readApr 10, 2020
Pennsatucky, de Orange Is The New Black, rindo pra não chorar por causa da Netflix (foto: Netflix)

nesta terça-feira (9), enquanto andava pelos caminhos obscuros da Internet — o Twitter — , me deparei com o seguinte vídeo:

a cena é da quarta temporada de La Casa de Papel, uma série original da Netflix, e a publicação foi feita pela própria plataforma de streaming. é uma despedida a uma das personagens, morta na última leva de episódios, que estreou no último dia 3 de abril, ou seja, há exatos sete dias (no momento da publicação desse post).

confesso que nunca assisti à série e pouco me interesso por ela, mas essa publicação me deixou com tanta raiva que é como se eu fosse o maior fã. e não é pela revelação da morte de uma personagem de uma série que eu poderia ver em algum momento da minha vida, mas pelo que está por trás disso: o fato de que a Netflix arruinou a forma como a gente assiste às séries.

olha, eu sou das antigas, da época em que, para assistir série, você precisaria ter uma TV a cabo e sentar na frente da televisão no horário exato dos novos episódios; ou baixar pela internet (a opção mais óbvia e mais utilizada, devido à demora para novos episódios chegarem aos canais brasileiros). e não é que como se eu fosse saudosista daquele tempo: era um inferno ter que caçar os episódios pra baixar e, quem não manjava muito de inglês, esperar as legendas saírem, dois ou três dias depois.

porém, essa época tinha um ponto interessante — muitas vezes enervante, mas ainda assim interessante e que completava a experiência — , que era o fato dos episódios saírem um a cada semana. isso ainda acontece, é claro, mas no meio do caminho a Netflix veio com uma nova modalidade de disponibilizar todos os episódios de uma série de uma vez só e acabou com a graça de assistir a qualquer série produzida pela plataforma.

é um saco ter que ficar fugindo de spoilers na internet, porque há sempre adolescentes sem o que fazer maratonando os novos episódios no momento em que eles são lançados e pouco se lixando em jogar os acontecimentos a torto e a direito por todas as redes sociais. você fica sem escolha: se junta à galera, atrasa alguns compromissos e assiste tudo de uma vez, fugindo de qualquer possibilidade de estragar a sua experiência; ou aprende a conviver com o risco. é péssimo.

confesso que adorava algumas séries da Netflix de alguns anos atrás: House of Cards, Bloodline e Orange Is The New Black. ainda hoje assisto algumas, quando me chamam a atenção, como The Hauting of Hill House, que acho incrível, The Umbrella Academy e Locke & Key. só que, antes de dar o play no primeiro episódio, tento me certificar do tamanho do hype que a produção tá gerando. se tiver muita gente comentando, eu já desisto, porque sei que vou me irritar.

não é que a ideia de disponibilizar todos os episódios de uma vez seja ruim, é que as pessoas são chatas e fica difícil lidar. aquela ansiedade gostosa — embora enervante — de ter que esperar pelo próximo episódio continua ali, enquanto você assiste, mas aí você tem que adicionar mais uma sensação de emergência em terminar a série para não correr o risco de vê-la arruinada por ser obrigado a estar por dentro dos acontecimentos não só de um episódio, mas de toda a temporada.

outro problema é que nem sempre dá para conversar numa rodinha de amigos, porque sempre tem aquele que já viu tudo, aquele que nem começou ou aquele que está no segundo, no quinto, no oitavo episódio. vira uma experiência menos compartilhada e muito mais individual. não é como assistir Game of Thrones no domingo à noite e, apesar da péssima última temporada, comentar cada cena. é claro que muitas pessoas ainda não participavam da experiência, mas muitas outras estavam ali, sim, compartilhando aquele momento com você.

agora, parece que a Netflix também pouco se importa com a experiência em assistir alguma coisa, já que nem a própria conta oficial não liga em dar spoilers ou não. pode ser legal pras pessoas devotas à plataforma, mas não é pra mim.

--

--

Henrique Nascimento
programação

Falo de cinema, de séries, de memes, da vida e, às vezes, falo um pouco sério.