Reestruturação

Programador Sincero
Programador Sincero
4 min readMay 23, 2015

(Este post contém linguagem coloquial e vulgar!)

Era uma vez um menino chamado Bentinho. Ele sempre sonhou ser gerente da equipe de TI. Um belo dia, ele arrumou um trabalho numa agência web bem legal. Ele podia chegar a hora que quisesse e sair a hora que quisesse. Bentinho foi trabalhando por pelo menos 14 horas por dia por uns 2 anos. Outros trouxas acabaram vazando mas Bentinho continuou firme e forte, remando o barco muitas vezes sozinho no meio da tempestade noturna.
Certo dia Bentinho gelou de medo. Um cara que todo mundo chamava pelo sobrenome tocou em seu ombro e disse: “precisamos conversar”. Bentinho sentiu um frio na barriga. Sentiu aquela pinçada na musculatura das costas ao entrar na sala. O gerente começou a falar, com o seu característico iPhone na mão. Num raro momento de atenção após estarrecedor silêncio, Bentinho ouviu a maldito advérbio “então” que mais soou como uma interjeição. E claro, nada que começa com um “então” pode ser bom. Bentinho sentiu o coração parar. O gerente disse: “Então Bento, nós estamos gostando muito do seu trabalho e gostaríamos saber se você estaria disposto a nos ajudar assumindo mais algumas responsabilidades, cuidando do desenvolvimento, contratando novos caras e fazendo os projetos andar…”

Bentinho, após voltar ao corpo e parar de pensar se pegaria as coisas agora ou no fim dia, recobrou a consciência, sorriu e claro, aceitou. Virou coordenador da área. Porra, o Bentinho tava realizando o sonho de ser gerente (ser gerente é ter subordinado ou ser gerente na carteira?).
Bentinho foi muito bem. Arrebentou. Todos os projetos que tocou deram certo. Estava indo bem nesse primeiro ano. Sites no ar, campanhas bombando, equipe motivada, reconhecimento público de clientes — o que mais Bentinho precisava pra ser feliz? O aumento prometido já estava chegando e com certeza ele conseguiria o aumento.
Aquele apartamento que antigamente seria inviável poderia ser viável. Ele poderia comprar um apto a menos um busão de distância do trampo, em plena São Paulo de hoje em dia. Que sonho! Que lição de vida, de esforço e dedicação que Bentinho nos passou! Eu, um cara de TI, adoro ver nego bom ter seu espaço e respeito na quebrada.

Maaaaaaaaaaass…. tem sempre aquela conjunção desgraçada denotando oposição. Tem sempre a palavrinha “mas” pra foder com tudo. Com Bentinho não foi diferente. Certo ele chegou cedo e foi o primeiro a ver um comunicado falando que uma outra agência enorme havia comprado a agência onde ele trabalhava. Bentinho era um excelente funcionário mas não foi esperto o suficiente para almoçar com as pessoas certas e não foi esperto o suficiente para notar os e-mails de despedida de alguns caras do alto escalão e até mesmo, de uma outra mina do comercial dois meses atrás. Bentinho focou 100% do tempo em focar nas apis de google, Facebook HTML5, CSS, performance e etc, esquecendo que a parte técnica é só uma parte importante do jogo, mas não é tudo.

Os primeiros 2 meses pós-merge foram interessantes. Bentinho reparou no aumento da quantidade de mensagens motivacionais no e-mail, além de uma ampla visibilidade desta aquisição na mídia especializada. Não houve cortes, mas sim, um acréscimo de pessoas ao prédio, muitas com a mesma função. O clima piorou muito, pois as pessoas começaram a notar que muitas funções eram similares às dos funcionários da empresa maior, que chegavam com o nariz empinado, e claro, com aquela maldita e irritante postura de superioridade luisquinzesca. Pode acreditar, tem nego zé-crachá que veste a camisa da empresa até em áreas criativas como agências digitais. Bentinho começou a olhar para sua concorrência e notou que a hierarquia ficou confusa e agora tinha que responder a 3 pessoas não técnicas (gerente de projeto, gerente de contas e gerente de área) e agora tinha aparecido mais um cara, que era uma espécie de zé buceta que participava intensamente e dava opinião técnica em todos os projetos, sem manjar nada.

Não é preciso dizer que Bentinho ficou putaço com a situação. Bentinho era um sênior top na área, tomando todas as decisões com a equipe e não tinha que convencer mais ninguém a como fazer as coisas. Ele só passava o prazo e fazia a coisa acontecer. A equipe estava motivadíssima antes do merge, pois todos se sentiam parte de uma tropa de elite da empresa. Todos confiavam nos desenvolvedores. Com esse merge, as coisas mudaram. Mais tarde ficou-se sabendo que aquele cara que não manjava nada virou coordenador de arquitetura, capitaneando todos os esforços de desenvolvimento da empresa. Bentinho não tinha a menor condição de concorrer politicamente com esse cara. Tinha que simplesmente acatar as decisões idiotas desse coordenador de arquitetura para manter o emprego e o sonho cada vez mais distante do apê. Bentinho também tinha que suportar o alto clima de competitividade que surgiu com a junção de duas áreas de desenvolvimento, posteriormente, em uma coisa só, só que separada por contas — as contas de cada empresa ficaram com os antigos desenvolvedores para evitar grandes impactos. Mas as métricas e apresentações de resultado foram unificadas e claro, cada área buscou vender seu peixe na nova organização.

Após 6 meses do merge, as coisas começaram a piorar. Houve alguns cortes no alto escalão e no baixíssimo escalão. Bentinho sofria muito com a possibilidade de estar no próximo corte. Entraria de férias (vencidas) na sexta-feira pós-corte. Para nunca mais voltar. Aliás, voltou sim. Ouviu as expressões “então”, “mas”, “sinto muito”, “tudo de bom para você” pela primeira vez na vida. Nunca havia sido dispensado como um lixo.
Saiu da empresa humilhado, resignado, revoltado, triste, frustrado e cansado. Saiu imediatamente e não precisou pegar nada, pois Bentinho pegara suas coisas antes das férias.

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