Sobre a CLT e a Fila

Programador Sincero
Programador Sincero
4 min readMar 26, 2016

Tudo o que muita gente quer é um emprego bacana, com carteira assinada e um futuro brilhante pela frente naquela empresona. E você conseguiu. Você não é só mais um. Agora você é o cara. Crachá na mão, notebook na mesa, reuniões marcadas e projetos para tocar. E-mail@empresona criado, almoços em lugares legais e principalmente, um salário garantido todo 5o. dia útil do mês. Agora dá pra ficar doente em paz, dá pra ter férias, dá pra juntar uma grana no FGTS e quem sabe, aquele apartamento acaba saindo daqui a um tempo.

Tudo isso é bacana. E vale a pena mesmo. Conforme já falei em outros posts, se estiver ganhando bem e tiver paz num trabalho CLT, não mude de emprego até que algo importante aconteça — uma proposta muito foda ou uma demissão.

Mas o que ninguém conta é que a CLT, ao mesmo tempo que é boa, acaba bloqueando as chances de crescimento salarial e mesmo, de carreira. Explico.

Quem está há um tempo com carteira assinada sabe que o salário que recebe não é qualquer salário. Existe uma tabela de acordo com o cargo exercido. A CLT impede que pessoas com o mesmo cargo recebam salários diferentes (vide art 461 da CLT). Embora seja possível quebrar este entendimento em alguns casos, a grande verdade é que as empresas, para evitar processos de equiparação salarial, criam uma “grade” para enquadrar o teu salário. Por exemplo, você geralmente será “Analista de Sistemas Pleno I” ou “Analista de Sistemas Sênior II”. O que não pode é ter coisas caras no Nível III ganhando muito acima ou muito abaixo dos outros (teoricamente todos no nível 3 do Pleno devem ter o mesmo salário). E é aí que começam os problemas.

Em uma empresa com muitas pessoas, a vasta maioria estará nos níveis mais baixos. No Brasil isso é um clássico. Quase sempre vejo contratarem um 1 ou 2 sêniores, 5 plenos e uns 2 a 4 júniores ou estagiários. E em empresas bem maiores, com 100, 200, 1000 programadores, a lógica se mantém basicamente a mesma. O cara começa como estag, júnior ou pleno e tem que ir “evoluindo” na carreira. O problema é esta evolução. Para você evoluir de Pleno 1 a Pleno 3 ou 4, é preciso que você cumpra vários requisitos técnicos e não técnicos para estar elegível a esta sub-promoção. E o problema é justamente esta fila. Uma empresa boa, great-place-to-work, grande, com aquela vibe moderna, com aquele discurso sedutor na faculdade, com aqueles processos bacanas no RH……..não costuma contratar pessoas ruins.

E para piorar, a quantidade de promoções disponíveis para aqueles que são elegíveis é muito menor do que o número de pessoas aptas a serem promovidas. Ou sejam, temos 10 caras que podem ser promovidos de Pleno 1 para Pleno 2, 4 caras que podem ser promovidos de Pleno 4 para Sênior 1 e assim vai. Mas só é possível, a cada ciclo, promover, digamos 5 caras. E é aí que entra a questão da concorrência interna e sorte. A concorrência interna é muito grande porque geralmente há profissionais muito melhores do que o mercado concorrendo diretamente com você, já que estamos falando de uma empresa com rios de gente nas portas do RH. Só isso já complica. E depois, muitos desses caras estão fazendo o que você talvez não esteja fazendo bem: construindo relacionamentos com as pessoas certas, atuando em projetos que tenham muito maior visibilidade (sim, pode ser sorte!), sendo um funcionário “engajado”, disseminando o conhecimento pela empresa, etc… Isso implica que para você ter alguma chance de chegar longe na carreira, você tenha que investir mais do que 8 horas por dia. Muito mais. Mesmo.

Logo, te dou um conselho. Se você optar por crescer em uma empresa, pense bem nesta estratégia. O projeto poderá demorar muito. E o pior: você certamente verá pessoas de fora entrando na empresa e com certeza, ganhando muito mais que você, que está amarrado à fila sem poder fazer nada para mudar — se derem aumento substancial só para você, o sistema inteiro de carreira acabará se rompendo.

Em resumo: você nunca conseguirá furar a fila, nunca chegará de estagiário a sênior em menos de 4 ou 5 ou mesmo 8 anos, nunca será gerente sem antes ter milhões de requisitos cumpridos. Quando estiver próximo de uma promoção grande (mudança de nível júnior para pleno ou pleno para sênior por exemplo, as chances são grandes de te “provarem” que você é um cara que estava indo bem mas por algum motivo besta, suas chances caíram. Cansei de ouvir estórias de gente que estava quase lá e por algum motivo não-técnico, a promoção não aconteceu. Motivos como “não almoçar com o time”, “ter um perfil que o time não quer ver como líder”, “não demonstrar energia suficiente para encarar estes novos desafios”, “precisar de maior musculatura para comandar tecnicamente o time”, “ser referência técnica do time e do cliente naquele projeto crítico” são suficientes para segurar a sua carreira. Por um tempo indeterminado. Fique muito esperto com isso, aprenda com o erro dos outros, faça muitos amigos, construa excelentes relacionamentos e tente ter sorte ao pegar projetos relevantes, trabalhando com gestores influentes e projetos que realmente chamem a atenção na empresa. Sei que isso é muito difícil de controlar e escolher, mas quando surgir escolhas, saiba escolher com sabedoria. E principalmente, saiba quando optar por buscar novos desafios em outras empresas para ganhar mais experiência e mesmo, aumentos substanciais.

É isso aí! Abraços

Este texto tem continuações:

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