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Esse tal desapego

“Pratique o desapego, solte e deixe ir aquilo que não te pertence ou que não faz mais sentido.”
“E que só assim as coisas começam a fluir e a funcionar em nossas vidas.”
“Não se apegue demais ao que te deixa enraizado ou estagnado.”

Fabio Pires
Published in
6 min readJun 26, 2024

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São algumas das mensagens que recebia indiretamente na terapia e que agora, prestando mais atenção ao presente, percebo receber diariamente através de filmes, podcasts e mensagens astrológicas com tanta intensidade que decidi de fato entender o que seria desapegar.

O que de fato é o desapego?

E como desapegar?

Partindo da ideia de que a vida é um movimento constante, faz todo sentido “soltar” aquilo que está estagnado ou ancorado nos hábitos do dia a dia.

Deixar “correr solto” aquilo que não temos poder sobre e que por um período nos empenhamos demais ou quisemos por demais.

Mas como “deixar ir” e assim fazer a energia fluir de modo leve e sem culpas?

Primeiro passo

Decidi começar pelos itens materiais e de cara separei uma coleção de revistas muito antigas que mantinha em casa há pelo menos 20 anos, mesmo sabendo de cor e salteado o seu conteúdo.

Música, esportes e história.

Todas foram para doação e quem sabe consigam preencher o tempo e aguçar o conhecimento de alguém como fizeram comigo por tanto tempo.

E nesse embalo parti para o guarda-roupas e separei algumas camisas guardadas no fundo do armário, uns pares de tênis que me acompanharam nas mudanças de endereço dos últimos anos e que pouco usei, assim como um jogo de talheres que sequer tirei da embalagem.

Pelo restante do pequeno apartamento fui identificando alguns itens que sequer lembrava que estavam por aqui e assim segui com alguns copos e taças, cabides sem uso e um porta-incenso jamais utilizado.

Confesso que estagnei em um momento sem saber se doava antigos carrinhos de ferro que pertenceram a um grande amigo já falecido e que estavam esquecidos em uma caixa no mesmo guarda-roupa. Os coloquei de lado e depois decidiria que fim levariam.

Me deparei com presentes de pessoas que já não faziam mais parte da minha vida e decidi utilizar o mesmo modus operandi: Se está sendo usado, fica. Caso esteja pegando poeira, vai.

Ainda que em alguns momentos aqueles objetos me afagassem a memória e puxassem um pouco da saudade que não costumo sentir ou mesmo transparecer.

Como Dory disse: Continue a nadar.

E lá fui eu

Enquanto fazia a “limpa” pela casa me questionei se desapegar seria simplesmente me desfazer de itens materiais e em qual momento conseguiria me desapegar de sentimentos que também não me serviam mais.

Será?

Como não obtive uma resposta imediata imaginei que seria libertador deixar ir o tal controle que por tanto tempo trabalhei na terapia e que o ato simbólico de me desfazer de algo sem utilidade seria uma espécie de “treino” para conseguir responder minha pergunta acima.

Lógico que segui sem achar uma resposta predominante, mas com algumas intenções em mente e a primeira delas foi:

Abrir espaço para o novo

Quase consequentemente aos conselhos que listei acima, você já deve ter ouvido:

“Jogue estas coisas fora, abra espaço para o novo chegar.”

E hoje percebo que este conselho pode servir tanto para objetos quebrados que sem motivo algum mantemos em casa, quanto para situações que nos deixem travados no mesmo lugar e assim me lembrei de outra que ouvi bastante:

“Desapegue não apenas das coisas, mas de emoções também.”

Somos evolução e movimento mesmo que não percebamos e que travar este caminho com inseguranças não me parece algo natural. Na verdade, é contraprodutivo termos tanto a receber e a conhecer e nos fecharmos a esta possibilidade por medos.

Hoje consigo entender que mudar dá medo mesmo, mas ser sempre o mesmo e no mesmo lugar me dá arrepios e viver de forma plena cobra seus riscos.

A comodidade é outro ponto a ser percebido:

O “tá bom”, que por vezes dizemos em voz baixa a nós mesmos, nos priva de algo melhor que pode vir ou mesmo de aprendizados que sequer sabíamos precisar e que nos impede de evoluir.

Usualmente quando ouço um “tá bom” enxergo um quê de acomodação que com o passar do tempo e a chegada da experiência percebo não me servir mais.

E assim percebi que o “tá bom” já tinha um lugar guardado na minha caixa de desapegos, afinal sempre pode ficar melhor.

Olhando para dentro

Pude perceber que desapegar talvez não seja algo tão simples ou mesmo corriqueiro pelo fato de sempre fugirmos da dor da perda e de procurarmos algo que nos traga segurança.

E o novo sempre atrai incertezas, eu sei.

Não tem como fugir disso.

É ação e reação na sua essência.

Lógico que esta percepção só me foi possível a partir de um olhar introspectivo, daqueles que buscam o silêncio em meio ao caos que, por vezes, se forma em nossos pensamentos.

E assim, contemplando esse caos instalado na minha cabeça e afoito por definir o que é desapego que consegui uma pista.

Observando em volta senti a leveza

Nas pessoas que vivem (ou demonstram) estar em estado de leveza usualmente são aquelas que percebo um certo desprendimento e uma consequente evolução em seu estado de espírito.

Estes seres, (que vejo como) mais evoluídos exalam tranquilidade, transpiram segurança e parecem envoltos em uma aura em que nada pode os afetar.

E todo mundo já conheceu alguém assim.
Um alguém que transcende a qualquer problema ou estresse e que parece estar acima de qualquer reação adversa.

Ele aceita, sabe que há um porquê e segue adiante.

Esse magnetismo parece vir justamente do sentimento de não possuir nada além da certeza de que o novo pode se chegar e que terá um lugar na mesa para se sentar e mostrar o quão prazeroso pode ser aquilo que não conhecemos.

Deixa a vida me levar

Certa vez, seguindo o entendimento de vida que tinha na época, escrevi que achava um absurdo o hino pagodeiro “Deixe a vida me levar” e que preferia ter o controle da minha vida.

Hoje, passados muitos anos, sei que a ideia de ter controle é o que nos impossibilita de viver algo a mais, de sentir algo mais e de ultrapassar certas portas e janelas.

E mesmo que tenha algum controle, de fato mesmo não controlamos muitas coisas em nossas vidas e isso aprendi na marra.
Se percebermos bem somos mais passageiros do que condutores.

Eu sei, é difícil confiar no cavalo

Quando nos colocamos de camarote em determinada situação que não temos controle algum, e apenas observamos aquilo que nos é oferecido adquirimos a capacidade de enxergar toda a situação de fora para dentro.

E desse modo, com a clareza que a distância nos oferece, é possível enxergar além do óbvio, da pressão e daquilo que nos encurralam.

E até em Frozen recebi esse sinal do Universo quando ouvi:

“É engraçado como alguma distância faz tudo parecer pequeno.
E os medos, que uma vez me controlaram não podem me pegar de jeito nenhum.”

Provável que eu nunca chegue a uma única definição para desapego e por isso me arrisco com algumas que passearam pelos meus pensamentos enquanto escrevia este texto:

É perceber, aceitar o que é oferecido e seguir em frente.

É soltar as rédeas, confiar no cavalo e ignorar a bússola.

É compreender na prática e terceira lei de Newton:

“Os humanos só conseguem chegar a algum lugar deixando algo para trás.”

É isso! É deixar algo para trás para seguir adiante.

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Fabio Pires
Projeto C.O.V.A.

Escritor com dois livros lançados, Editor, Redator, Tradutor e escreve na Impérios Sagrados, no Projeto C.O.V.A e na Revista In-Cômoda.