Eu, leitor.

Bruno A.
Projeto Montag

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Sou dos tempos em que éramos obrigados a ler na escola. Havia um controle de leitura que a professora preenchia, e tínhamos que dar conta disso e arrumar algo para ler. Lembro da minha primeira leitura: um “Romeu e Julieta” antigo, que vivia jogado na estante de casa. Li inteiro, não entendi uma vírgula.

Hoje eu fico pensando: “Poxa, comecei com um Shakespeare!”. Eu tinha apenas oito anos.

Uma leitura difícil atrás da outra: como um bom menino que passou a infância em igreja evangélica, sempre ouvi que era importante ler a Bíblia. E lá foi eu. Teologia e fé a parte, Gênesis é algo agradável de se ler (até mesmo na versão arcaica de João Ferreira de Almeida): conta a história da criação, da queda, Noé, Abraão, Isaque, Jacó… enfim, é um livro que a gente lê rápido! E a gente costuma entrar em Êxodo no mesmo gás, lê a fuga de Israel do Egito como se estivesse lendo Tolkien ou algo parecido. E só então a gente descobre que aquilo não é romance, e sim a Bíblia. No meio do livro de Êxodo, nos deparamos com o deserto da descrição de todas as leis religiosas de Israel, que moldaram o judaísmo antigo. E, semelhante ao povo que saiu do Egito achando que era fácil, depois de quarenta anos perdido naquele deserto de coisas que não entendemos, perecemos.

Na adolescência, conheci drogas novas: li todos os livros da “Turma do Gordo”, de João Carlos Marinho Silva; li todos os livros da série “Time Runners: Os Viajantes do Tempo”. Li “A Marca de uma Lágrima”, clássico adolescente, fiquei passeando por coisas “infanto-juvenis-adolescentes”. Foi nesta época que descobri que além de ler, também gostava de escrever. Sempre era o melhor dos exercícios de produção de texto da escola.
Minhas aventuras adolescentes atingiram o seu ápice quando topei com uma certa JK Rowling na biblioteca da escola. Aquilo sim era um mundo novo. Um novo universo, com todas as suas complexidades e riquezas de detalhes. Um menino orfão tentando se virar numa escola estranha — o que, no fundo, não é um universo tão distante da vida de qualquer adolescente. Esta seria a minha fase Potterhead, ainda que eu nem mesmo conhecesse tal verbete.

Deixei de acompanhar Harry assim que entrei no ensino médio, não por vontade, mas porque os volumes se esgotaram na rala biblioteca da escola pública onde estudava. Até queria comprar os volumes restantes, mas livro nunca foi exatamente uma coisa barata neste país, ainda mais para um jovem de dezesseis anos. Sem as aventuras de Hogwarts, me senti vazio. Não tinha mais um universo paralelo para pirar. E ainda tinha a professora de literatura obrigando a sala inteira a ler clássicos. Na adolescência, você aprende, que tudo o que é “clássico” é ruim: de livros a música. Você ousa achar que Crepúsculo é melhor que Grande Sertão, e que MC Serginho é melhor que Bach. Triste.

Mas, diante do infortúnio sorteio, não imaginava que estava prestes a subir 100 degraus na escada da coisa toda. Saí da sala praguejando Deus e o mundo quando descobri que teria que ler “Dom Casmurro”. Voltei a aula, uma semana depois, como uma Testemunha de Bentinho, pregando o evangelho de Machado a sala inteirinha. Aquilo era incrível. Era outro nível. Aquele velho rabugento, aquela família dele, aquela Capitu… Mas não dava para discutir sozinho se Capitu traíra Bentinho ou não, precisava de companhia. Consegui fazer com que quatro ou cinco, na minha turma de Ensino Médio, lessem Dom Casmurro sem a promessa de nota no fim do semestre. nem a professora conseguiria tal feito!

Eu tinha futuro na literatura, mas aí acabou o Ensino Médio. Arrumei um emprego e duas tentativas fracassadas de ingressar no Ensino Superior. Não havia mais tempo, nem para clássicos, nem para Potter (embora eu ainda me recorde de ter conseguido ler “O Cálice de Fogo”). Foram anos de deserto sem literatura, e sem escrita, também. Era apenas uma máquina sobre a máquina, tentando ganhar o pão de cada dia.

Mas Jesus me salvou! Como bom evangélico que tento ser, ouvi a voz do Espírito, que dizia que tinha que, de alguma forma, evangelizar. E assim, ressuscitei meu lado escritor e em 2012 abri o blog “Eita Mocidade”, que segue até hoje, com devocionais cristãos e coisas do tipo. Parece bobagem, mas ter que escrever fez com que eu voltasse a ler: primeiramente a Bíblia (custou, mas consegui vencer o deserto dos primeiros cinco livros), depois comecei a ler outras coisas, e a escrever também. Hoje, estou longe de ser um leitor ávido, pois continuo sendo uma máquina sobre a máquina, mas tenho alguns textos postados na internet e estou lendo atualmente “A Dama Oculta”, de Ethel Lina White. E estou gostando.

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