Quem define a agenda de mudança?

Ouvir quem vive o dia a dia do problema é essencial para incluir novos riscos no radar e legitimar a escolha do foco do projeto

Daniel Lima Ribeiro
Projeto Mosaico
5 min readNov 24, 2021

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“Esse não é meu maior problema!”, foi a frase que um dos participantes do grupo focal do Projeto Mosaico respondeu, ao comentar sobre o questionário eletrônico que fazia o primeiro teste de hipóteses do Projeto.

A finalidade última do Mosaico é buscar a otimização do desenho organizacional e das táticas de atuação das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva (PJTC) do MPRJ. São os órgãos responsáveis pela defesa de direitos fundamentais e corresponsáveis pelo combate à corrupção.

Uma das principais hipóteses do Projeto é: em se conferindo atribuição criminal concorrente para as PJTC pode haver um enorme ganho potencial de custo-efetividade para as missões da tutela coletiva do MPRJ. Em outras palavras, é evitar a fragmentação em torno dos mesmos objetivos, evitar o retrabalho e garantir que as melhores ferramentas e táticas estejam sendo usadas.

A premissa que informa a hipótese corresponde à expectativa de redução do retrabalho que parece existir atualmente, quando se está diante da necessidade de investigar e reprimir uma conduta que configure tanto crime quanto ato de improbidade administrativa. É que tanto as PJTC quanto as Promotorias de Investigação Penal possuem atribuição (e ferramentas distintas) para atuar nesses casos.

Sendo assim, o que significaria para o Projeto uma fala de quem vive o problema, aparentemente questionando a escolha do foco principal? Ainda mais sabendo que o envolvimento e dedicação dos usuários, como o autor da frase, é essencial para o sucesso do experimento que virá a ser conduzido?

Seria caso para abandonar o projeto? Mudar o foco?

Espaço para catarse e para o imprevisto

Na realidade, a reação era esperada.

Foi essencial ter dedicado tempo e atenção na fase preliminar de planejamento do Mosaico para articular e obter acordo sobre os valores do Projeto. Um desses valores foi, como não poderia deixar de ser, a importância e a empatia aos principais agentes que vivem o problema e que serão os fatores chaves da mudança.

A importância desse valor não está apenas em conferir legitimidade e aceitação na realização do experimento e apoio à solução final. Vai além, alcançando também novas percepções sobre eventuais riscos para a solução que venha a ser desenhada para o problema central do Projeto.

É sempre possível que fatores imprevistos neutralizem, com seus efeitos, os ganhos gerados com a solução; ou mesmo que, interagindo com os efeitos da solução, gerem um saldo negativo de custo-efetividade.

Por isso, a equipe do Mosaico criou espaço para que os principais agentes comentassem, no questionário eletrônico, não só sobre o desafio contido no foco central do Projeto, mas, antes mesmo disso, sobre outros fatores que porventura dificultassem a atuação das PJTC.

Desafios indissociáveis

A experiência prática e teórica de um dos integrantes do Projeto em PJTC facilitou a criação de uma relação inicial de desafios prováveis da tutela coletiva. A relação foi apresentada na ferramenta do questionário eletrônico, solicitando aos respondentes que classificassem cada um dos desafios em graus de intensidade.

Ao final, o questionário eletrônico permitia ainda uma pergunta aberta, para que os respondentes pudessem relacionar desafios não contidos na lista.

A estratégia deu certo, por três razões. Em primeiro lugar, porque a relação de desafios se mostrou exaustiva, considerando que não houve outros desafios apontados como resposta à pergunta aberta.

Em segundo lugar, porque as respostas, de fato, evidenciaram fatores que precisavam ser incluídos no escopo do Projeto — ou, ao menos, do experimento. Os desafios mais intensos foram os seguintes:

Em terceiro lugar, foi evidente o ganho de legitimidade e confiança para a equipe do Projeto. Mesmo quando um dos participantes do grupo focal mencionou que o tema central do Projeto não correspondia à sua principal dificuldade na sua PJTC, a resposta não foi reativa. Pelo contrário, ela trouxe a confiança de que a opinião seria ouvida e que teria efeito prático na condução do Projeto.

E foi o que aconteceu.

Na prancheta de desenho

Analisando os resultados do questionário eletrônico sobre a pergunta dos desafios paralelos, ocorreu algo interessante. Fez sentido para a equipe do Projeto incluir os cinco desafios mais agudos no escopo do aprofundamento e experimento do Projeto.

Reduz o custo de atuação contar com a gestão digital de documentos e procedimentos, ter acesso fácil a ferramentas digitais de investigação e apoio técnico . É possível, em tese, direcionar esses recursos, existentes no MPRJ, para as equipes que participarão do experimento. Basta que haja decisão de priorização. Por isso, a solução de quatro dos desafios, instrumentais, passou a figurar como condição para o experimento.

E prioridade é o desafio seguinte — esse, estrutural e que também precisa fazer parte do escopo do Projeto.

A ausência de critérios de priorização, somado a incentivos desalinhados e regras da Corregedoria, é um dos principais fatores para o elevado volume de investigações e processos simultâneos nas PJTC. Sem resolver essa questão, sem reduzir o volume do acervo e permitir maior tempo e foco concentrado (tempo de trabalho) pelas equipes das PJTC, qualquer nova tática ou atribuição é vista como mais trabalho e não como ferramenta de otimização.

Acervo de inquéritos em andamento simultâneo, em uma das Promotorias de Justiça da Saúde do MPRJ

Conclusão

O investimento em ouvir os agentes do MPRJ que convivem com a realidade que se objetiva avaliar e otimizar se mostrou essencial para o Projeto Mosaico. Empatia com o usuário assegura condições imprescindíveis para o sucesso da mudança — ou, pelo menos, de um experimento.

É o que destrava resistências e aumenta a legitimidade da equipe responsável por propor mudanças do Projeto. Além disso, qualquer medida de conhecimento da realidade é útil para que riscos despercebidos passem a fazer parte do radar. Com base nisso, tanto preparativos para o experimento quanto ajustes no escopo do Projeto podem ser necessários.

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Daniel Lima Ribeiro
Projeto Mosaico

Ex-Coordenador e atual Fagulha do Laboratório de Inovação do MPRJ (Inova_MPRJ). Duke SJD. Curte correr e nadar. Curioso incurável.