Transformação digital sem usuário?

Parte 2 de 2 — Colocando em prática os melhores métodos para uma transformação digital efetiva

Daniel Lima Ribeiro
Projeto Mosaico
6 min readAug 11, 2022

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No primeiro post desta série, contamos como o Inova_MPRJ buscou explorar o que pode estar além de soluções mais comuns (dashboards e sistemas de exploração e cruzamento de dados) para desafios de transformação digital que exigem inteligência voltada à ação.

Ao invés de inundar o usuário já sobrecarregado de trabalho com visualizações de dados; ou, então, de assustá-lo com diversos formulários e campos para clicar e preencher com informações, o Laboratório fez uma aposta em automação e priorização de indicadores. A lição foi: mais alerta e providência sugerida, menos painel de controle de avião.

No projeto Bússola, com base no aprendizado e seguindo a abordagem de "design em primeiro lugar", a equipe acertou em validar uma concepção de sistema desenhado com a perspectiva dos sapatos do usuário. Mas, mesmo assim, falhou em transformar o protótipo clicável da ferramenta em realidade. Por duas razões.

Neste post, contaremos o que temos feito no Projeto Mosaico, a partir do aprendizado e as reflexões vindos do Bússola, na busca da transformação digital de impacto e escalável.

Priorizando com “racionalidade cercada”

Ao invés de um exercício de ideação e ranqueamento de dezenas de indicadores sobre um problema amplo (sistema prisional, ou gestão hospitalar, por exemplo), o Inova_MPRJ adotou uma nova abordagem baseada no conceito de racionalidade cercada (bounded rationality), criado por Herbert Simon.

Com a racionalidade cercada e uma lógica de priorização (alto impacto da informação versus baixo custo de produção/obtenção), conseguimos focar a priorização de indicadores em um recorte de problemas menores, definido com a contribuição e percepção de especialistas.

Essa abordagem mostrou também que não precisamos seguir buscando acesso e quebrando a cabeça para entender bancos de dados inteiros, acessando logo no início diversas unidades de serviços públicos. Ao invés disso, invertemos a ordem e planejamos identificar apenas onde existem (se é que existem) os dados necessários à construção do indicador da vez. Ou usamos outras estratégias de acesso/produção dos dados (mais sobre isso adiante).

A partir do recorte temático, definimos um indicador prioritário e, só então, partimos para encontrar e garantir acesso aos dados externos necessários para construir os alertas e automações respectivos.

Dessa forma, é possível garantir que não haja uma sobrecarga de informação coletada para o objetivo principal da automação. E, por outro lado, que estamos seguindo com uma lógica de priorização.

Para o Mosaico, os dois primeiros temas escolhidos foram: a fiscalização do sobrepreço nas contratações públicas e a gestão (chamada de regulação) de vagas em um hospital especializado na rede pública de saúde do Estado do Rio de Janeiro.

Quanto aos dois, dobramos a aposta na automação, já idealizando e preparando as ações de controle do MPRJ em cada tema: uma notificação e requisição de esclarecimentos; ou, então, uma proposta de acordo ou ação judicial.

Com a identificação do indicador, os dados para construí-lo e a providência sugerida a partir de alertas, ainda precisaríamos resolver o segundo desafio: com que braços e com qual tática de baixo custo (e baixa resistência) conseguiríamos o acesso contínuo aos dados para a construção de cada indicador, de forma sustentável, escalável e confiável?

Sem reinventar a roda

Para toda e qualquer iniciativa do Laboratório, o primeiro passo seguinte à definição do desafio é uma ampla pesquisa de mesa, buscando encontrar iniciativas já existentes e que possam ser reutilizadas ou replicadas.

Nos dois primeiros temas, a pesquisa preliminar revelou algumas soluções já existentes — sobretudo para a fiscalização de sobrepreço em contratações públicas. (Chamam a atenção, no campo de combate a fraudes em contratações públicas, as experiências catalogadas pela Open Contracting Partnership).

Mas, no geral, a percepção é de que faltam informações simples para o reuso do que existe. Ou, até mesmo, para avaliar se o que existe é, de fato, reutilizável, confiável e escalável — sobretudo para a realidade da gestão e fiscalização dos Municípios. Isso sem falar na grande proporção de soluções ainda pautadas na abordagem exploratória e de dashboards, que por costume não contam com automação de providência.

E ainda, considerando o outro lado, talvez seja preciso uma outra ferramenta, que gerencie as bases de dados, que irão alimentar cada uma das aplicações e automações. Afinal, para que um sistema de coleta e análise funcione da forma proposta, o material recebido deve estar padronizado e estruturado de forma adequada.

A necessidade é a mãe de todas as virtudes (e inovações)

Para superar o desafio da falta de braços para desenvolver e implementar o protótipo, aproveitamos outro projeto do Laboratório: o Impacta — programa de inovação aberta do MPRJ.

Um dos desafios do Impacta focava na gestão de conhecimento e na transformação digital da atuação das promotorias de justiça — convergência perfeita com o Mosaico! A interação entre as startups participantes do Impacta e a equipe do Mosaico foi essencial para comunicar a visão do que buscávamos construir, desde os tempos do projeto Bússola. E, agora, munidos de novos aprendizados.

Ao fim do Impacta, da apresentação dos protótipos e da contratação de seu teste e desenvolvimento via CPSI, pretende-se que as startups desenvolvam tanto o frontend — inclusive prevendo o processo de criação e reuso de outras linhas de atuação; e, quem sabe, também contribuam para a estratégia de backend — para extração, tratamento e processamento dos dados necessários para cada alerta.

Quanto à tática de acesso a dados, ainda há o que explorar e aprender. Sabemos que o caminho é longo e com muita resistência — a falta de transparência é comum. Para o acesso automatizado e atualizado será ainda mais desafiador.

Para contornar esse desafio, a tática precisa prever diferentes opções de arquitetura e engenharia de dados e, em alguns casos, também boas teses jurídicas. (Sabendo que quem resiste à cessão de dados muitas vezes levantam em primeiro lugar obstáculos de ordem técnica, para esconder as reais razões).

Dentre as possibilidades a serem exploradas, buscaremos, com parceiros, responder à pergunta: como promover o acesso aos dados necessários, de forma barata, confiável e tempestiva?

Algumas possibilidades:

  • Construir e oferecer à fonte de dados uma API? Já indicando quanto custa, quem mantém, quem pode acessar?
  • Usar o portal de dados abertos do governo federal? Como subir esses dados de forma frequente e automatizada?
  • Promover acesso direto aos bancos de dados do município? Como fazer de forma viável e confiável?
  • Como estruturar e abrir os dados preliminares de contratação e preços (muito antes da emissão da nota fiscal, e, preferencialmente, de forma automatizada), seguindo os Open Contract Data Standards da OCP?
  • Como liderar pelo exemplo e abrir os dados públicos obtidos e gerados pelo MPRJ, seguindo os mesmos protocolos?

Futuro em rede

O Mosaico avança seguindo a lógica de que não faz sentido tentar inovar sozinho. Assim, planejamos uma nova edição do Antena — evento do Inova_MPRJ com convidados especialistas e aberto ao público — para ouvir feedbacks e contribuições sobre essa fase do projeto.

E, mais ainda, seguimos em contato e colaborando com o Projeto sobre Governança de Dados e Transformação Digital do CNMP. Em sua fase inicial, o Projeto identificou centenas de sistemas de informação em funcionamento nos ramos do MP nacional.

Por meio de seu eixo de inovação, uma possibilidade para o Projeto é seguir na lógica indutiva, a exemplo do Mosaico, pensando na realidade de atuação dos membros do MP e buscando reempacotar funcionalidades e automações voltadas a temas específicos de atuação. Um por vez.

Temos também o apoio do Grupo Nacional de Coordenadores do tema Patrimônio Público, do MP nacional. Além de estarmos desenhando parceria com o Instituto de Governo Aberto, a própria Open Contracting Partnership, e termos a colaboração do David Rockefeller Center for Latin American Studies de Harvard.

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O Projeto Mosaico está explorando novos métodos de trabalho e a comunicação é essencial nesse processo. Comente nesta publicação sugestões ou pensamentos sobre o texto, para colaborar na construção de um Ministério Público mais efetivo.

Equipe: Daniel Lima Ribeiro, Breno Gouvêa, Leonardo Santanna, Marcelo Coutinho, Letícia Albrecht, Juliana Bossardi e Larissa Lima

Este artigo não representa a opinião institucional do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, de seus órgãos ou integrantes, sendo de iniciativa e responsabilidade exclusivamente pessoal do autor.

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Daniel Lima Ribeiro
Projeto Mosaico

Ex-Coordenador e atual Fagulha do Laboratório de Inovação do MPRJ (Inova_MPRJ). Duke SJD. Curte correr e nadar. Curioso incurável.