Líderes não controlam os resultados

Renato Diniz
Projeto Pato
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5 min readAug 24, 2018

Nosso mundo passa por uma crise de liderança. Livros, cursos e organizações para formação de líderes existem em grandes volumes. O termo “liderança” já é mais procurado em buscadores digitais do que “fome” ou “energia sustentável” (Google Inc., 2018). Nunca se produziu tanto conteúdo quanto ultimamente. Ainda assim, o Fórum Econômico Mundial identificou a falta de liderança como a terceira questão mais urgente que a humanidade enfrenta nos próximos anos (World Economic Forum, 2015). Segundo a consultoria Ketchum, o mundo passa pela mais longa crise de liderança global em nossa história (Ketchum, 2016). Menos de 1 em cada 4 pessoas acredita que seus líderes tem um bom desempenho e apenas 1 em cada 5 acreditam que este quadro irá melhorar nos próximos anos. Isso significa que você tem uma escolha: você pode jogar as mãos para o ar e reclamar sobre um sistema quebrado ou você pode vê-lo como uma das maiores oportunidades de todos os tempos.

Talvez você ocupe um alto cargo em um grupo ou organização. Ou talvez, você não ocupe uma posição de chefia, esteja na base da pirâmide hierárquica e não tenha nenhum subordinado. Não importa qual seu papel, tem uma única coisa que você precisa saber. Liderar um grupo de pessoas não é complicado. Tudo que você precisa fazer é mover este grupo para ação. Mas é extremamente trabalhoso. No fim do dia, liderança não se trata sobre sistemas de administração, técnicas de gestão ou teorias complicadas. É apenas sobre compreender seres humanos.

Muitas vezes tratamos pessoas como engrenagens de uma máquina ao invés de líderes em potencial. Nós não podemos aproveitar tudo o que as pessoas têm a oferecer se nós não tivermos tempo para aprender sobre elas, interagir com elas corretamente e ajudá-las a se desenvolver. Se comunicar individualmente com cada pessoa e realmente procurar entender seus desejos e anseios é a base para promover o engajamento. Qualquer líder que pense que pode desenvolver seu trabalho apenas ordenando seus subordinados estará fadado ao fracasso. Um dos parâmetros fundamentais do engajamento humano é a relação de confiança entre o líder e o liderado. Estudos reconhecem a influência da confiança na coordenação e engajamento de pessoas tanto a nível organizacional (Eisenberger & Huntigton et al., 1986) quanto a nível interpessoal (McAllister, 1995). A confiança é um fator essencial na aceitação de deveres e cumprimento de atividades pelo liderado.

No fim do dia, queremos formar grupos de pessoas que cooperem por um objetivo comum. O grande problema com cooperação é que ela é um sentimento e não uma instrução. Não podemos ordenar que duas pessoas cooperem. O que pode-se fazer é desenvolver um ambiente onde pessoas possam confiar umas nas outras. Líderes são responsáveis por criar este ambiente. Líderes não são responsáveis pelos resultados. Líderes são responsáveis pelas pessoas que são responsáveis pelos resultados.

Antes de mais nada, é importante notar uma coisa. Simon Sinek comenta como liderança é similar a ter filhos. Todos têm a capacidade de ter filhos, isso não significa que todos querem ter filhos e também não significa que todos deveriam ter filhos. Liderança é o mesmo: todos tem capacidade de ser um líder, não significa que todos querem ser um líder e nem significa que todos deveriam ser um líder. A razão disso é porque liderança vem com ENORMES responsabilidades, e muitas vezes é apenas um estilo de vida que algumas pessoas não procuram. Porém, se alguem decide que este é um estilo de vida que ela deseja ter, que ela realmente deseja virar um líder, então terá que entender que ela vai precisar passar por uma transição. Líderes são responsáveis por pessoas, não por resultados. Líderes cuidam de pessoas, não de números.

Relações humanas VS relações profissionais

Nesta semana, um técnico de uma empresa de internet veio instalar a fiação no escritório onde trabalho. Recebi um péssimo atendimento, onde com o surgimento das primeiras dificuldades o profissional se recusou a continuar a instalação. Conversando com ele, descobri que os problemas não estavam com o técnico em si, mas com sua liderança. Seu supervisor não se importava minimamente com o funcionário e não buscava auxiliar em nada durante a operação.

“Pedi pro cara o telefone do meu colega pra dar uma ajuda na instalação e ele nem isso me ajuda, me manda procurar no grupo do WhatsApp. É papel do supervisor cuidar da gente. Trabalhar assim chega desmotiva, não tenho vontade de me esforçar um palmo a mais pelo cliente. Tô morrendo de fome aqui e enquanto isso ele ta na rua comendo no bem bom. Renato, a pior coisa que tem é trabalhar com ódio do supervisor.”

Seres humanos são incapazes de isolar totalmente nossas emoções de nossas intenções. Líderes focam tanto em coordenar as atividades a serem produzidas pelas pessoas que esquecem de nutrir uma relação minimamente íntima com cada membro. Perguntar como foi o dia e realmente se importar com a resposta, elogiar as pequenas realizações e procurar entender os problemas pessoais de cada um, todas essas pequenas ações por si só parecem inúteis, mas quando realizadas de forma consistente desenvolvem a confiança entre o líder e seus liderados.

A teoria da "Relação líder-membro" (do inglês, Leader-member exchange theory, ou LMX) vem recebendo cada vem mais atenção no meio acadêmico.

Artigos publicados sobre LMX através dos anos. O número de citações também bem subindo.

Enquanto as teorias de liderança contemporâneas, como as teorias de liderança transformadora, servidora ou autêntica, enfocam os efeitos dos comportamentos do líder nas atitudes, motivação e resultados da equipe, a teoria da liderança relacional considera a qualidade da relação entre líderes e liderados como a chave para entender os resultados dos membros, equipes e organizações. Essa abordagem considera os relacionamentos baseados em confiança e respeito como a base de uma boa liderança. O intercâmbio de relações positivas entre membros e lideranças promove experiências de trabalho gratificantes e aumenta a eficácia organizacional (Bauer & Erdogan, 2015).

A falta de confiança nas relações líder-liderado atua como um impedimento à produtividade do membro ou ainda no desengajemento total de um voluntário, consequentemente resultando em perdas para a organização. Em contra-partida, quando um superior sente que pode confiar no seu subordinado, ele o permite assumir mais responsabilidades, mais deveres podem ser delegados a este membro e assim ele torna-se fortalecido através do aumento correspondente de poder e autoridade, estimulando o desenvolvimento de sua liderança. A responsabilidade de um líder deve ser a de facilitar o trabalho de seus subordinados e desenvolver uma relação de confiança. Líderes devem servir seus liderados, pois são eles que de fato executam as atividades.

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Renato Diniz
Projeto Pato

Coordenador Regional no Students For Liberty Brasil e escritor no @projetopato