Como chegamos até aqui

Sobre eleições, redes sociais, consumo de conteúdo e ambiente reflexivo.

Anderson Costa
Projeto Poperô

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Esse é um ano muito difícil pra mim, culturalmente falando. Um ingrediente começou a minar o meu humor de forma sintomática, me afetando fisicamente até. As eleições deste ano são um complexo exercício de entendimento do que está acontecendo com os brasileiros. Parecem sinais claros, mas são extremamente complexos — e até invisíveis se você procurá-los com a lupa da lateralidade.

Nós somos o reflexo do que vivemos. Somos o que consumimos, o que lemos, o que aprendemos, com quem convivemos. Eu não sou diferente. Leio muita coisa, de diversas fontes diferentes. É um costume meu tentar tecer uma teia de entendimento pessoal sobre assuntos que motivam. Não que eu vá externar isso frequentemente — muitas vezes é um exercício interno, uma arma que uso pra entender o mundo lá fora. E tenho feito isso nesses últimos três meses, tentando tecer essa teia de entendimento do que está acontecendo nessas eleições.

Tenho três camadas de informação que me ajudaram a entender melhor todo esse processo, e por que estamos caminhando para o Brasil ter um governo de extrema direita nos próximos meses. Não vou entrar no mérito de que isso é bom ou não. Discutirei as percepções que tive lendo e discutindo sobre o assunto — podem até ser enviesadas, mas não do ponto de vista de ideologia, a qual tentei me afastar pra ver melhor as coisas).

Também não é a certeza máxima das coisas. É só um humilde ponto de vista. Tampouco é um exercício acadêmico de composição de tese — apenas uma percepção colhida ao longo de algumas leituras.

É o momento do ápice da consciência imediata

No mercado publicitário existe o termo americano “awareness”, que usamos para definir uma das fases de uma campanha até seu momento de conversão do público alvo. Awareness, na sua tradução mais simples, quer dizer “consciência”, tomar ciência de algo. E esta é uma era cheia de tomada de consciência — graças às novas redes sociais, transformadas imediatamente após o nascimento do Twitter em 2006. Clive Thompson, colaborador de longa data da revista WIRED, escreveu sobre isso na última edição, sobre “a era da consciência” que estamos vivendo. Antes do Twitter a internet tinha um comportamento quase literário, com updates sem frequência e comentários em blogs com base em reflexões sobre o que foi lido, sem a emergência do momento. O Twitter muda isso completamente, dando updates microscópicos e constantes, como se você pudesse estar conectado a alguém que está pensando alto o dia todo.

Adicione a isso as hashtags, que ampliaram esse senso de consciência imediata, e a transformação das demais redes sociais para este modo de consumir informações. Isso mudou tudo: a atenção global passou a ser hackeável e manipulável, desviando a atenção até de notícias e artigos para qualquer tipo de movimento que quer chamar a atenção. O que importa hoje é o momento, é o agora. É onde está nosso foco. E como ir contra isso, já que é tão útil?

E este momento que vivemos é justamente o ápice da consciência imediata. Do alto consumo de redes sociais e grupos de mensagem em dispositivos móveis. De efeitos colaterais desse comportamento como o FOMO. De formatos de mídia voltados completamente para momento, geolocalização e interesses.

Guarde esta camada. Vamos à próxima.

É a estética vencendo a ética

Se é um comportamento de consumo de conteúdo com base em consciência imediata, concordamos que é complexo haver uma reflexão e entendimento com base em conteúdo exposto — afinal, como desenvolver um pensamento profundo em 5 segundos? Na verdade, isso fica muito mais na vida real, e mesmo assim de forma muito mais rasa do que estávamos acostumados a produzir. E é o momento ideal para chamar a atenção em um debate político. Importante: chamar a atenção não exatamente é conversar sobre isso. Pode ser até mentir sobre isso.

Aqui entra um apaixonado artigo da colunista Eliane Brum no El País, onde ela argumenta sobre como resistir em tempos brutos trazendo um ponto sobre "autoverdade" — não importa o conteúdo, e sim o ato de dizer. E dizer é confundido com “autenticidade”, com “sinceridade”, com “verdade”. Não importa o que seja dito. A estética foi colocada no lugar da ética. A “verdade” tornou-se uma escolha pessoal.

Num ambiente onde a consciência se torna imediata e rápida, o verniz de estética ajuda muito a ampliar e colar uma ideia na cabeça das pessoas. É como a vida real: um grito chama muito mais a atenção na multidão do que uma fala em volume de voz normal. Nas redes sociais, um update pode ser urgente, violento e direto. É o que ele precisa: aqueles parcos segundos, e talvez os 5 primeiros segundos de um vídeo. É um cuidado muito estético. E que não dá margem a aprofundamentos — você teria que sair do ambiente, se aprofundar, entender, e quando voltar o assunto já é outro. O grito já virou verdade.

É orgânico, dinâmico e injusto, porque em momentos de importância máxima de conteúdo denso (como eleições presidenciais) a estética atropela a ética. E nessa, jornais e revistas tradicionais perdem completamente a relevância aos poucos. Como ser imediato se tem tanto o que dizer?

E é possível detectar isso, claro, em ambos os lados desta campanha presidencial. Em alguns lados mais do que outros, mas as táticas em essência são as mesmas. E não dá para culpá-los: é nosso formato de consumo de conteúdo atual. Como se comunicar conosco se não for assim? Seria um diálogo somente pra elite cultural do país, que sabemos, é microscópica, em uma nação onde o voto é obrigatório.

É um debate sobre comportamento

Mesmo com essa comunicação ausente de ética, aqui entra um ponto sobre questões morais que norteia essa eleição: o comportamento pessoal. Em nenhum momento o debate eleitoral de 2018 foi sobre propostas de governo — ele é sobre comportamento. Como bem lembrou o cineasta Cacá Diegues em artigo opinativo no Jornal O Globo, "O Brasil Cansou". Há um momento do brasileiro em relação aos poderes partidários de quebrar com o sistema atual, com as armas que possui — no caso, o voto. A partir de 2012, o povo começou a ver perplexo que nada acontecia como seus supostos representantes anunciavam, e ninguém procurava explicar as razões dos sucessivos fracassos. Enquanto seus líderes eram acusados de roubalheira e incompetência, o povo se sentia ludibriado. Respondeu nas ruas e nas urnas, tanto pela esquerda quanto pela direita. Há uma cobrança por ética e uma fadiga pela inércia da situação. O eleitor cobra um comportamento ético dos candidatos, atual e retroativo. Mas é uma chamada por ética como a quebradora de um ciclo na política. É como se só ela pudesse salvar o momento atual do Brasil.

E aqui alinho para amostragem a ética na composição da mensagem com a ética como mensagem. Notem que as duas estão altamente presentes na comunicação eleitoral deste ano. Porém, é preciso também a ética como mensagem num momento de consciência imediata. Gritar "é ladrão" ou "é fascista" basta para chamar a atenção para uma ideia de comportamento. E isso fala altamente com o momento atual da sociedade brasileira, que clama por uma mudança. "Chega do que está acontecendo agora. Tem que mudar". Isso não tem relação com inteligência pessoal, e sim com o emocional — a fadiga pela inércia da situação.

Quando você soma estes três pontos pra tecer a teia, entende melhor que estamos onde estamos graças a muitos fatores, mas especialmente pelas condições atuais desenhadas. Não seria uma eleição como essa há 8 anos atrás. O mundo mudou. É mais rápido, mais estético, mais urgente, mais consciente — e menos reflexivo, menos profundo. É o momento ideal para florescer ideias autoritárias, seja de onde vierem.

Eu venho de um momento do mundo onde refletir era importante. E reconheço que fiz parte de uma fatia ainda menor da população que tinha essa percepção. Decodificar estes momentos pode me ajudar a lidar melhor com as diversas situações que viveremos nos próximos meses, mas não tornará as situações mais fáceis. Espero que este texto te ajude a, pelo menos, passar por este momento de uma forma mais confortável, com uma camada extra de informação no seu travesseiro para dormir melhor à noite.

Mais: se você chegou ao final deste texto, talvez você seja a prova de que todos os argumentos que listei acima não valem para a maioria da população. Que um pouco de densidade e reflexão ainda são extremamente importantes para mantermos uma dialética saudável em um ambiente democrático. Saiba que você representa uma fatia muito pequena das pessoas ao seu redor. E eu estou nessa fatia também. Independente do resultado destas eleições, o cenário se manterá assim. E cabe a nós conviver neste mundo onde as regras do jogo passam diante dos nossos olhos com velocidade alta. É um momento perigoso, onde se informar melhor é um ato de resistência. E eu ainda acredito nesse ato. Do fundo do meu coração.

Também recomendo que você leia as fontes das quais me inspirei para tecer esse entendimento. Pode ser que você tenha uma conclusão diferente da minha, o que é completamente natural.

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Anderson Costa
Projeto Poperô

Estudando colaboração e cultura pop. Cosplay de mim mesmo na falta de verba.