Andre Aguiar
SHIFT
Published in
4 min readMay 18, 2016

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foto: Maíra Amaral

Era um domingo quando meus pais saíram do apartamento onde eu moro, se despediram de mim e eu encarei o estar sozinho pela primeira vez. No início, respirei fundo e não me parecia que era algo definitivo. Me iludi por um instante, pois tudo imitava uma viagem. Porém, uns minutos depois, o silêncio se transformou em algo perturbador e eu precisei ocupá-lo com algum barulho. Minha decisão foi pelo som do meu choro.

“Em alguns dias, você vai acordar e se sentir sozinho, e isso é de longe a pior parte.”

João Pedro Freitas, 18 anos

O silêncio é o primeiro incômodo que a gente sente. Não há barulho. Mesmo. E ouvir seus próprios pensamentos pode ser ensurdecedor num primeiro momento. Para resolver isso, cada um se vira como pode: o som do ventilador, uma música no fone de ouvido, a televisão ligada num canal qualquer... Também não é como se hoje fosse fácil estar realmente solitário em algum momento: sempre há uma notificação no twitter, uma mensagem nova no whatsapp, algum viral novo a ser assistido.

Com as primeiras semanas, outras complicações surgiram. Era hora de aprender na marra tudo que eu relutava em fazer dentro de casa. Nunca tive muito prática com a vassoura; não sabia exatamente como manusear cada produto de limpeza; cozinha era (e ainda continua sendo um pouco, confesso) um lugar apenas para comer, mas não para preparar. Fazer lista de compras, prever quando as coisas vão acabar e me programar para ir ao supermercado também foram situações a serem superadas, além de, claro, fazer o dinheiro render até o final do mês.

Não ter nenhuma pessoa com autoridade comigo é um pedido para eu adiar os prazos o máximo que eu posso e deixar a poeira acumular mais do que eu deveria. Só depende de mim então, vamos combinar, talvez eu possa esperar mais um pouquinho.

“Isso foi só um exemplo, mas eu tenho a bela habilidade de acumular milhares de outros afazeres, talvez por preguiça, talvez por falta de estímulo.”

Maíra Amaral, 19 anos

Não é como se a louça deixasse de ser um problema em alguma hora, mas, num segundo momento, morar sozinho começa a te fazer bem. Se você souber aproveitar essa liberdade da melhor maneira, você também ganha uma chance muito grande de amadurecimento. Estar distante de tudo que já foi minha zona de conforto foi essencial para me fazer quem eu sou hoje (e eu gosto muito mais da minha versão atual).

Precisar tomar sozinho tantas decisões é algo que te exercita para uma tomada de escolhas melhores. Você cria seus horários, suas regras, seu volume para ouvir música, seu cômodo preferido para dançar. Você cria responsabilidade sobre você, sobre seus horários, sobre suas coisas. O lugar onde você mora vira uma espécie de refúgio, ganha sua cara, passa a ter o seu cheiro. Cada detalhe no meu apartamento remete somente a mim: o poster de um artista argentino, o calendário na parede, os livros espalhados. Ninguém tira nada do lugar e entender que EU controlo isso foi algo muito importante pro meu crescimento.

“A melhor parte pra mim, é que, a partir do momento que eu passo pela minha porta, tudo que está entre as paredes está sobre minha posse. É TUDO MEU! Os móveis, a comida, a roupa, as decorações, é tudo meu. E tudo ali sempre está em paz.”

Guilherme Daflon, 18 anos

“Se quiser dar a louca e fazer piruetas no meio da sala, tudo bem! A privacidade, o sossego e a liberdade que uma casa só sua te dá são tudo de bom.”

Nathan Lopes, 19 anos

Talvez demore, mas chega um momento em que tudo é tão seu que o silêncio nem vai te incomodar tanto assim. O estar solitário me ensinou a me curtir. Gosto de estar sozinho, de conversar comigo mesmo, e essa introspecção toda me ajudou bastante a me autoconhecer. Tanta calma me ajuda a ouvir meus próprios pensamentos. Morar sozinho me ensinou que eu preciso ser minha melhor companhia.

Claro, essa sensação não é definitiva e absoluta. Às vezes bate o desespero. Às vezes acho que não vou conseguir suportar essa pressão. Às vezes a distância da casa antiga dói e meu colchão aqui se torna um lugar duro, nada atrativo.

Mas é confortador pensar que minha cama na casa dos meus pais sempre está disponível para matar a saudade. Que sempre posso aparecer por lá e experimentar novamente aquele café na medida, ouvir as broncas por andar com os pés descalços, ficar olhando para as paredes coloridas ou os móveis com porta-retratos. E que, bem, se tudo der errado, eles ainda podem me receber por lá com um abraço apertado.

MORAR é a primeira série do SHIFT.
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