Andre Aguiar
SHIFT
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3 min readJul 1, 2016

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Foto por Klaas

Governador Valadares, 7 de setembro de 2014

É que parece que tudo dentro de mim agora é medo. Medo de me mostrar como sou para outras pessoas, medo de me entregar numa dança, medo de cantar bem alto. Medo do que vão pensar de mim, do que pensarei de mim mesmo. Medo do futuro e de tudo que ele reserva pra mim. Tudo é tão inconstante, incerto e grandioso que não vejo motivos para me sentir confortável.

As notas das provas da última semana começam a chegar e percebo que não fui tudo que deveria ter sido, talvez. E se eu, com meus padrões medianos, estou achando tudo errado e perigoso, o que pensarão os outros, que fazem cobranças de um modo bem mais severo?

Parece que estou no lugar errado. Vejo todos os livros no meu quarto e não me enxergo em dezenas deles. A capa de caderno que escolhi para este ano, simples listras, deixaram de combinar comigo. A cama parece grande demais para minha pequenez. Uso sempre o mesmo pulôver preto, cheio de bolinhas brancas de tão gasto, porque não consigo me ver em outras roupas.

E a carta não enviada. Duas páginas escritas em uma folha de papel pautado, mas guardadas. Não houve coragem para enviar. Não houve coragem para sair da cama e encontrar pessoas que não quero ver nem de longe, mesmo sabendo que poderia magoar dois amigos que, provavelmente, não lerão aquelas palavras sobre distância e amizade verdadeira.

Sozinho em casa, sem meus pais por perto, percebo que não estou pronto para sair daqui e ir morar em outro estado como quero. Não estou pronto para a independência porque não estou pronto pra solidão. Eu até sairia da cama, mas se fosse para não voltar mais. Se fosse para seguir para uma ilha distante, sem obrigações, sem outros humanos. Onde pudesse ser o rei de mim mesmo.

Andre

Viçosa, 30 de Junho de 2016

Andre,
tudo parece muito estranho pra você aí, agora. Não lembro muito bem, mas você provavelmente estava bem desesperado realmente para ter escrito tudo isso assim. Engraçado. O que te fez tão angustiado há um tempo acaba de ter me feito sorrir.

Eu sorri porque tenho me mostrado, tenho dançado, tenho cantado alto e, principalmente, tenho feito novos e bons amigos, que me acompanham por aí em todas essas coisas. Eu sorri porque as cobranças continuam, mas você aprendeu a não ouvi-las, ou ao menos não ligar tanto para o que os outros pensam de você.

Eu sorri porque amanhã você vai reencontrar esses amigos que ficou com medo de desapontar por ter deixado a distância se aproximar. Você vai vestir um terno e comemorar a formatura de um deles — e eu mal posso esperar para sorrir por isso também.

Eu sorri porque você escolheu realmente largar aquela cama, aquele pulôver, aqueles livros. Ficou tudo pra trás. Eu sorri porque vi você aí, com medo do futuro em outubro, mas escolhendo encarar algo completamente novo e incerto três meses depois. Você contrariou todos os planos que fez durante três anos e se mudou para uma cidade desconhecida, da qual mal tinha ouvido falar, e para um curso um pouco diferente do que o que havia escolhido anteriormente. Você achava que não estava pronto e o tempo mostrou que você estava certo (rs), mas você aprendeu a ficar confortável com isso no caminho. E eu sorri porque não me arrependi dessa sua decisão.

Eu sorri porque vi que eu consigo superar as coisas, mesmo que em nenhum momento exatamente eu tenha pensado em superação. A coragem se criou dentro de mim — dentro de você — naturalmente.

Obrigado por tudo que você decidiu por aí. Você foi incrível.

Agora é minha vez.

Andre

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