As marcas e o consumidor com deficiência

Ana Clara Schneider
projeto2020
Published in
4 min readDec 14, 2017

Você já parou para pensar que desde que a humanidade existe, as pessoas com deficiência também existem? Isso era, é e continuará sendo, um fato. Não uma suposição, um fato. Não uma tendência, um fato. Não uma modinha, um fato. Não uma fase, um fato. Não é uma questão de “será?”, é uma questão de “sim”.

Descrição da imagem: uma sequência de 4 ilustrações brancas sob um fundo degradê que vai do azul pro rosa. Em cada ilustração há um círculo e ícones de pessoas com e sem deficiência. Na primeira, as pessoas com deficiência estão fora do círculo das pessoas sem deficiência e abaixo está escrito “exclusão”. Na segunda, as pessoas com deficiência estão reunidas em um círculo separado, fora do círculo de pessoas sem deficiência e abaixo está escrito “segregação. Na terceira, o círculo das pessoas com deficiência se mantém fechado, mas agora está dentro do círculo maior de pessoas sem deficiência, abaixo está escrito “integração”. Na última, todas as pessoas com e sem deficiência estão dentro do mesmo círculo, sem distinção ou separação, abaixo está escrito “inclusão”.

Antes de futuro, um pouquinho de passado

Felizmente a percepção e interação da sociedade sobre esse fato evoluiu ao longo da história e passamos do modelo médico de entendimento da deficiência — como uma doença a ser “curada”, um desvio do padrão considerado normal a ser “consertado” e principalmente, sendo essa condição atrelada única e exclusivamente à pessoa — para o modelo social de entendimento da deficiência: impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

*Em interação com diversas barreiras*, ou seja, arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e, a mãe de todas as barreiras, a atitudinal. Logo, a deficiência deve ser vista tecnicamente como uma característica funcional — assim como tantas outras características do ser humano — e, politicamente, como uma condição social que depende da relação com o meio ambiente.

E adivinhem quem está nesse meio ? R: as marcas :)

De Cannes para o dia a dia

“Antigamente”, via de regra, as marcas só trabalhavam com algo relacionado a pessoas com deficiência em cases para prêmios ou campanhas muito pontuais. Nos últimos anos podemos observar um movimento de “acordar para a diversidade”. Esse comportamento ainda está engatinhando, é verdade, e às vezes damos um passo à frente e dois para trás, mas é um movimento real e muito importante.

Se já começamos a trabalhar e discutir a diversidade de gênero, de raça, de orientação sexual, e de classes, por que não inserirmos aí a pessoa com deficiência?

Mas o que será que impede ou atrasa esse movimento?

As 4 fases da aceitação da pessoa com deficiência pelos gerentes de marca

  1. Negação: “Essas pessoas não existem, e se existem, não compram minha marca. Meu target é AB, 25–35, homens e mulheres com lifestyle despojado e fitness, que curtem baladas e tem iPhone 8!” (spoiler alert: tem pessoa com deficiência nesse grupo, beijos).

2. Raiva: “AH NÃO. Não pode ser! Eu não acredito que tenho que falar com essas pessoas!!! Arrgh eu tenho que mudar tudo agora? Gastar mais? Pensar mais? Mudar meu status-quo de planejamento e os processos que eu sempre fiz?!

3. Barganha: “OK, OK. Mas, ah, será que eu se colocar rampa em 01 (UMA) das 999 lojas que eu tenho JÁ NÃO TÁ BOM?! Vamos fazer 01 (UM) anúncio com uma pessoa com deficiência e já tá jóia. O quê? Tem que descrever a imagem do anúncio? Não posso só dizer que tem o logo da marca? Se colocar tudo isso acho que vai parecer ‘acessível demais’ (sic).”

4. Aceitação: “Rapaz… não é que as pessoas compram mesmo? E que além delas, tem os amigos e familiares que podem ser impactados positivamente e fatalmente contribuir pra uma decisão de compra?”

O caminho por essas fases pode ser lento e custoso, daqueles que requerem muita paciência. Mas é claro que há pessoas que simplesmente pulam para o 4 e percebem que isso aumenta seu público potencial, que pensar na acessibilidade no início do processo é mais barato do que pensar só no fim, que é interessante que sua empresa siga a legislação brasileira, que muitas vezes as adaptações podem ser boa para todos os consumidores — com e sem deficiência — e que, convenhamos, é benéfico para os dois lados. A pessoa se sente mais representada, empoderada, e a marca constrói reputação (que fatalmente pode vir a impactar a conversão).

Mas o que será que impede ou atrasa esse movimento? (2)

Questão de prioridades

O Design Universal — conceito cunhado por Ronald L. Mace (1985) — sustenta a ideia de projetar (ou no inglês, to design) produtos, serviços, ambientes e interfaces que possam ser usadas pelo maior número possível de pessoas, independentemente, de suas capacidades físico-motoras, idade ou habilidades. Mais do que um conceito, o design universal deve ser encarado como um processo a ser adotado em todas as etapas de desenvolvimento de um projeto.

É aí que entra o pulo do gato. O pensamento da inclusão e da acessibilidade deve ser PARTE DO PROCESSO e, portanto, estar contemplado desde o início.

O que acontece na maioria das vezes é que a acessibilidade aparece (quando aparece) no fim do caminho. Chega depois da campanha pronta, da peça fechada, depois do filme gravado e editado, depois do app programado. Aí toca voltar e refazer, ou dar um jeitinho e coroar com um “e ainda por cima, é acessível!”.

Nesse contexto a acessibilidade ainda é tratada como “cereja do bolo”, quando, na verdade, ela é o fermento.

Um bolo sem fermento até cresce e cumpre seu papel de alimentar uma certa quantidade de pessoas, com uma certa qualidade de bolo. Mas um bolo com fermento fica maior e mais fofinho. Atendendo mais pessoas com uma qualidade melhor.

Tendo isso em vista, fica o questionamento para os profissionais do mercado, sejam dos clientes ou das agências: que bolo você está pensando em fazer pra sua marca?

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Esse texto foi escrito especialmente para o projeto 2020.

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