Tudo — inclusive meu trabalho— é para a glória de Deus

Isabela Lefol
ProjetoCTA
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4 min readJul 26, 2021

“Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos” Efésios 2:10 NVI

Vivemos em uma era na qual acredita-se que a religião deve ser discutida e vivida unicamente no âmbito privado. A máxima do Estado laico não mais diz respeito a um governo que não privilegia uma religião em detrimento das outras, mas sim significa um Estado ateu. Política e religião não se misturam. Ciência e religião não se misturam… E por aí vai.

Dentro desse ‘combo’, é muito comum que haja a separação entre o trabalho que realizamos e a fé que professamos. Infelizmente, ainda existem muitos cristãos que não conseguem compreender por completo que seu trabalho — desde o que fazem até a forma como fazem — está diretamente ligado com o Deus o qual servem. Grande parte disto se deve a dois mitos muito difundidos, impregnado no subconsciente de vários.

O MITO DA NEUTRALIDADE

É muito comum estarmos em uma conversa e ouvirmos a reclamação: “mas essa é a sua visão!”. Mas não são todos assim? Não defendemos ou rejeitamos algo com base na visão de mundo que temos? Frequentemente há objeções quando, por exemplo, um político expõe sua opinião em um debate público tendo como plano de fundo sua crença (convenhamos que muita das vezes as críticas têm sido válidas…). Porém, esse enfrentamento parte de uma ideia de que é possível discutir qualquer assunto que seja de forma neutra.

O primeiro mandamento do decálogo é: não terás outros deuses além de mim. O que muitos deixam de lado é que tal mandamento não diz respeito simplesmente a fazer imagens para adoração ou então declaradamente acreditar em outro deus. Todos, ainda que não admitam, servem a um deus. Pode ser o deus do dinheiro, do sucesso, dos relacionamentos, da adrenalina, ou qualquer outro. Como Tim Keller escreve, “o coração é uma fábrica de ídolos”. Também combatendo tal ideia, Frame (2010, p. 16) diz

“O senhorio de Cristo não é somente último e inquestionável, não apenas acima e além de todas as autoridades, mas também cobre todas as áreas da vida humana. […] Nenhuma área da vida humana é neutra”

O que nos leva para o segundo mito a ser discutido.

O MITO DA DUALIDADE

Uma das maiores heranças deixadas pelo Iluminismo foi a separação que passou a ser cada vez mais difundida entre a religião e todas as outras áreas da vida pública. Não apenas isto, mas tudo começou a ser categorizado e colocado em caixinhas separadas, especialmente entre razão versus emoção. A integralidade do homem, e por consequência da vida, passou a ser cada vez mais suprimida. Emoção passou a ser vista como algo condenável, e com ela a religião. Em contrapartida, a ciência e a razão prometiam ser a redenção do homem.

Apesar de ser tão comum para a maioria das pessoas a dualidade entre vida pública x privada, razão x emoção, ciência x religião, todas estas oposições são construídas por limites estabelecidos pelo homem, sem qualquer prova cabal que comprove que seja possível manter tais esferas tão drasticamente separadas.

A verdade é que, cada ser humano possui uma cosmovisão e vive de acordo com ela em todos os âmbitos de sua vida.

“A maneira como entendemos a vida humana depende da concepção que temos da narrativa humana. Qual é a verdadeira narrativa da qual faz parte a narrativa da minha vida?” (Newbigin, 2016, p. 15).

MEU TRABALHO É MEU MINISTÉRIO

Se não há neutralidade, se não há dualidade, tudo o que fazemos, do acordar ao despertar, serve a algum deus, serve a visão de mundo que temos. Se nosso trabalho não servir ao único Deus vivo, ele estará servindo a qualquer outro ídolo do nosso coração. Não é necessário que seu trabalho explicitamente seja religioso. Colocar um versículo como nota de rodapé não faz de uma empresa cristã.

Confessamos nossa fé quando somos justos, quando somos honestos, quando buscamos servir com excelência. Porém, mais que um manual de boa conduta ou legalismos, mostramos a quem servimos quando fazemos tudo para a glória de Deus, das coisas mais ordinárias e simples as mais extraordinárias e grandiosas. Assim, quer seja lavando pratos ou fechando contratos milionários, devemos fazer tudo para a glória de Deus.

Pensar na integralidade da vida, e especialmente em relação a nossa fé, altera como vemos toda nossa rotina. Um adulto (no Brasil) trabalha em média 43,5 horas por semana. Imagine viver 40 horas por semana separado de Deus? Você pode até achar que é possível, mas será apenas mais um mito que você construiu.

Meu trabalho é também meu ministério. E por isso, repito aqui a reflexão proposta por Tim Keller (2014):

“Levando em conta minhas habilidades e oportunidades, como posso ser mais útil às pessoas, sabendo da vontade de Deus e da necessidade humana?”

E que com isto em mente, sigamos sem neutralidade, sem dualidade, mas afirmando Deus em cada aspecto de nossa vida — inclusive o trabalho!

REFERÊNCIAS

FRAME, John M. Apologética para a glória de Deus: uma introdução. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

KELLER, Timothy. Como integrar fé e trabalho: Nossa profissão a serviço do reino de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2014. E-book Kindle.

KELLER, Timothy. deuses Falsos. São Paulo: Vida Nova, 2018

NEWBIGIN, Lesslie. O evangelho em uma sociedade pluralista. Viçosa: Ultimato, 2016

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Isabela Lefol
ProjetoCTA

Uma das fundadoras da Odisseia, pesquisadora mentranda em Mídia e Cidadania na UFG.