Daqui a pouco em breve já vou

A frustração de quem procrastina até para parar de procrastinar

Carolina Pinheiro
DOSE
2 min readAug 4, 2018

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Não é de hoje que mamães e papais de toda a parte reclamam do pecado capital preferido dos adolescentes: a preguiça. De vez em sempre, eles se perguntam como aquelas ex-crianças conseguem ficar tanto tempo ignorando o mundo lá fora somente para saborear o ócio. Assim que esses adolescentes crescem, logo aprendem a gourmetizar seu apreço pela inatividade e a denominam procrastinação. O que significa ato de adiar responsabilidades. Ou em bom português: enrolar.

Teenfobias à parte, na verdade, essa embromação em looping que acomete a vida adulta vai muito mais além da mera preguiçinha pueril. E que fenômeno mais arrebatador este de prolongar tarefas! É impressionante como não tem ninguém ficando de fora. A cada cinco amigos, cinco reclamam de sua capacidade insuperável de procrastinar. Três culpam a Netflix. E uma sou eu.

O problema em ser uma pessoa que preza bastante por planejamento e autorreflexão é que acabo sem saber lidar com esse retardar de comprometimento. Não consigo conceber como estou conscientemente deixando afazeres para a última hora. Como pode um comportamento, ainda que racionalizado, continuar desafiando a lógica? Se bem que essa aparente incoerência equivale, na prática, à própria definição de humanidade. Permitir que sentimentos e suas correspondentes reações obstruam a lucidez, de forma involuntária, é quiçá o mais fascinante traço da nossa espécie.

Sendo assim, a procrastinação pode ser um protesto reflexo do ser humano diante da percepção atual de tempo — na qual cada segundo supostamente perdido significa a assinatura de um atestado de mediocridade. É evidente que a nossa relação com o tempo está cada vez mais caótica. Ao passo que a sensação de efemeridade aumenta, a pressão de impactar também cresce. Afinal, com maior velocidade e acesso à informação, nós ficamos desnorteados. Tudo instantâneo. Daí vem a cobrança interna de acompanhar esse cenário.

Esta obrigação de sermos sempre produtivos gera a própria ansiedade que nos paralisa. Inclusive, dizem fazer parte do processo criativo, esse tempo gasto ao procrastinar. É claro que todos devemos nos dar as horas, dias e semanas suficientes a fim de realizar o que quer que seja, de maneira satisfatória. Porém, há uma diferença entre a banalização deste bloqueio e a ação livre de urgências falaciosas. Ela está no sofrimento gerado, ou não, durante a execução.

De qualquer forma, o mais intrigante se dá quando pensamos sobre o ato enquanto ainda estamos procrastinando. Nós acabamos expandindo a margem de delay para aquela atividade, que deveria estar sendo priorizada, ao invés de começá-la, de uma vez por todas. Não há nada mais frustrante. Nesse momento, podemos até perceber a manifestação de uma leve dor de cabeça. Desânimo. Talvez seja melhor levantar, tomar um analgésico e dormir. Quem sabe amanhã, ou depois. Viva a metalinguagem.

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Carolina Pinheiro
DOSE
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Internacionalista, mestre em Ciência Política, escritora e sonhadora profissional.