Eu te amo, Robert Pattinson

A delícia de explorar diversas versões de nós mesmas

Carolina Pinheiro
DOSE
5 min readMar 8, 2022

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É verdade. Eu o amo. E não é de hoje.

Como qualquer adolescente dos anos 2000, li a saga Crepúsculo inteira em poucos dias e esperei ansiosamente por cada um dos filmes. Ou melhor: fui uma crepusculete com direito a pôster gigante do vampiro brilhoso mais famoso do mundo colado na porta do meu quarto. Lembro de vibrar com aquela história de amor e sentir, talvez pela primeira vez, um desejo ardente de amar e ser amada. Por motivos óbvios, essa época ficou para trás. Não deixei de ser fã, mas a vida adulta acabou preenchendo meu mundo com outras distrações e uma tonelada de responsabilidades.

Há algo mágico na maneira como adolescentes vivem suas experiências. Em especial, as adolescentes. Ah, as tão julgadas garotas histéricas suspirosas por um gringo desconhecido que nunca vai saber da sua existência… Curioso perceber como meninas não podem ter interesses, né? Se seguem a linha “feminina”, gostando de roupas, maquiagem e mocinhos bonitões, são fúteis. Em contrapartida, se curtem “coisas de menino”, como esportes, videogame e HQs, são impostoras. E esses paradigmas não necessariamente nos abandonam depois da puberdade. Inclusive, a cada 15 minutos, uma mulher é obrigada a provar que gosta de futebol explicando a regra do impedimento!

Apesar da minha geração ter vivido na pele a transição de um mundo 100% machista para um mundo 100% machista com asterisco de representatividade liberal e o ludibriante girl power, continua sendo difícil lutar contra o mau e velho sexismo internalizado. A gente ainda se pega odiando nosso corpo em frente ao espelho e se obriga a acionar o mantra da aceitação. A gente ainda fica insegura quando quer dizer não. E a gente ainda tem vergonha de ser vista como menininha.

É claro que, por terem marcado a cultura pop de forma profunda, os filmes teen — em sua maioria, para garotas — são muito cultuados e nós, jovens adultas, compartilhamos com frequência nosso amor nostálgico por listas e listas de obras icônicas, de Meninas Malvadas a De Repente 30. Mas, a triste verdade é que conseguimos uma espécie de permissão capenga para continuar gostando disso tudo. Olha, sociedade, eu sou uma mulher independente, profissional e sensata, MAS adorava coisas superficiais quando era mais nova… É só um guilty pleasure, poxa. Um mal menor. Um esqueleto cor-de-rosa no armário da maturidade.

Enquanto isso, marmanjos seguem sendo meninos. Seja na hora em que são cobrados sobre absolutamente qualquer responsabilidade, seja na incensurável apreciação de seus interesses infantis para todo o sempre. Quantas vezes já vimos um pai de família decorar a casa inteira exaltando seu time do coração? Um homem feito ostentando sua coleção de bonecos? Todos eles são livres para curtir seus passatempos, na maioria das vezes originários da adolescência. São os marmanjos e suas “coisas de menino” que conduzem a indústria cultural, desde a comunidade gamer até o universo dos super-heróis que nunca sai de moda.

Falando em super-heróis, devo dizer que foi o novo Batman quem me despertou essa reflexão. Afinal, não se trata de qualquer Batman, é o Battinson. R-Batz. Meu eterno Edward Cullen. Um ator talentosíssimo que carrega um estigma injusto. Quando anunciaram o elenco, a internet ressuscitou a invalidação de anos do ex-vampiro, agora morcego. O ódio ao mundo de Crepúsculo, que respinga no artista, sempre foi fruto do puro e simples machismo. Ninguém é obrigado a gostar, mas sabemos que as queixas só giram em torno de: “é coisa de mulherzinha”. Há críticas válidas, para além das birras, mas o ponto é que a saga tem seu valor e, hoje, seus protagonistas são artistas do primeiro escalão de Hollywood.

Depois de atuar em filmes menos mainstream, sempre experimentando com papéis desafiadores e, na visão dele, mais esquisitos, Rob seguiu sua carreira explorando diversas versões de si próprio. Agora, ao interpretar um dos maiores ícones do mundo pop, trouxe uma complexidade que só ele poderia oferecer ao personagem, exatamente por ter se reinventado tantas vezes. O longa mal estreou e já está sendo aclamado por fãs e pela crítica. O homem é uma máquina! E justamente por seu rostinho ter pipocado em tudo quanto é lugar nesse momento de glória, eu me vi com 12 anos de novo apenas ba-ban-do.

Não é como se tivesse deixado de acompanhar seu trabalho ou nunca mais tenha visto nada sobre ele. Mas, de repente, lá estava eu. Assistindo a mil entrevistas suspirando, revendo filmes só por causa dele, lendo Sol da Meia-Noite, ouvindo em looping um álbum não oficial de suas músicas no youtube e sentindo o mesmo encantamento de mais de uma década atrás. Como ele é lindo… E talentoso… E engraçado… E sensível… Onde será que foi parar meu antigo pôster?

Sem entender direito e já me julgando completamente imatura de estar revivendo minha paixão adolescente aos 24, eu parei e pensei: qual é o problema, hein? Sentir um friozinho na barriga ao ver o mocinho mais marcante da sua vida não quer dizer nada além de que ele é um gostoso. E outra: não há nada de errado em continuar curtindo antigos passatempos. Os marmanjos que o digam!

Eu me recuso a manter Crepúsculo ou qualquer coisa tida como frívola na geladeira. Basta, chega, muda, Brasil! Eliminemos a vergonha que aprisiona as “coisas de menina” em uma caixa de suposta tolice. Nada de desculpinhas na hora de explorar nossos gostos do passado. Não só somos livres para tal, como é bom que façamos isso. Explorar diversas versões de nós mesmas só ajuda o nosso eterno processo de autoconhecimento e evolução pessoal. Além de ser uma delícia. Vamos, galera, mulheres! Lembrem-se: era isso que o Edward sempre quis para a Bella…

Eu te amo, Robert Pattinson. Já te amava em 2008 e continuo te amando em 2022.

Obs: Este texto representa a experiência de uma mulher branca cis heterossexual, refere-se a estereótipos de gênero com intenção de criticá-los e com certeza não implica em uma reflexão universalizante.

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Carolina Pinheiro
DOSE

Internacionalista, mestre em Ciência Política, escritora e sonhadora profissional.