Monótonas páginas

Por que a faculdade arruinou minha vida como leitora

Carolina Pinheiro
DOSE
3 min readAug 11, 2018

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Todo mundo já caiu no conto da maioridade. Quero deixar claro que não me refiro à kantiana, e sim ao milagroso bilhete para a vida independente, supostamente livre de qualquer episódio desagradável, que esperamos ganhar na vida pós décimo oitavo aniversário. De maneira natural, chega o momento em que compreendemos que o amadurecimento não traz mais liberdade, somente mais responsabilidades com uma pitada de aflição.

Durante esse despertar para a realidade, muitos de nós, jovens, entramos em uma universidade. Uma vez lá dentro, nos deparamos com uma infinidade de decepções; talvez por termos excedido nossas expectativas, talvez porque o sistema, problemático que só, realmente insiste em ser inimigo. Mais do que isso, a faculdade equivale a um perverso show de frustrações. Nós somos plateia, atração e pipoqueiro. Enfrentamos uma imensidão de obstáculos para conseguir entrar e depois, tudo o que mais queremos é pedir para sair.

Não obstante, o pior legado que eu conquistei em quatro anos de graduação foi a absoluta incompetência de ler por prazer. Quando desafiada por páginas e mais páginas de assuntos maçantes, sentia puro desespero. Emboscada terrível a presunção de estudar o que se gosta dentro da grade curricular escolhida. Quase sempre eu não conseguia sobreviver sem pular grandes trechos. Também tinha a certeza de que não era só eu que estava cansada, as páginas tampouco pareciam a fim de mim. Aderi à famosa, e pouco saudável, leitura dinâmica, que transformou toda a fantástica experiência de destrinchar amarrados de palavras em algo mecânico e imemorável.

Compreendo que essa visão pode soar um tanto pessimista, mas acreditem — não é por isso que se torna menos verídica. O tempo passou e essa leitura-súplica minou todo o deleite possível. Não leio um livro como forma de lazer desde que curso o ensino superior. Sendo assim, decidi fazer o possível para mudar esse quadro vergonhoso. Soltarei a adolescente obcecada por sebos e apaixonada por Shakespeare que ainda vive dentro de mim. Se bem que, com essa intenção em mente, comprei um livro categorizado como “novo”, pela internet, com as melhores crônicas brasileiras e ele chegou completamente esgaçado. Seria a maldição universitária me assombrando? Talvez. Mas não vou deixar me abater.

É incrivelmente fácil perder bons hábitos que cultivamos com demasiado custo. Lembro de quando li uma certa saga vampiresca em poucos dias no auge dos meus doze anos. Quero retomar esse espírito. Pretendo me dedicar a outra sorte de obras, é claro. Mas sem elitismo literário por aqui. Ler sempre vale à pena, não importa o quê. Preciso me desvencilhar da ideia de obrigação e esquecer as várias monótonas páginas que já li. Assim posso começar com o pé direito. Espero nutrir o gosto pela leitura por tempo suficiente para fazê-lo renascer. De página em página, de soneca em soneca, de descoberta em descoberta.

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Carolina Pinheiro
DOSE
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Internacionalista, mestre em Ciência Política, escritora e sonhadora profissional.