Simples ganho perene

Nada carrega mais sabedoria do que um clichê

Carolina Pinheiro
DOSE
3 min readAug 18, 2018

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Existem alguns saberes que norteiam o meu espírito. Certas certezas às quais eu me apego em momentos de dúvida ou insegurança. Algumas são provenientes de ditados populares, outras de frases de efeito. Absolutamente todas são clichês. E não há nada de errado com isso.

Eu coleto essas pílulas de conhecimento instantâneo, na maioria das vezes, do meu pai. Pense em um sujeito com a máxima apropriada para toda e qualquer situação cotidiana. Faça chuva, faça Sol, se alguém compartilhar algum receio, pode acreditar que lá vem ele com a verdade que se precisa escutar, e ainda com um formato simples e popular.

Como era habitual ouvir tais pérolas, nunca me ative a um exame mais profundo do que poderiam representar, por mais que ficasse intrigada com cada uma, toda vez que vinham à tona. Hoje, parando para analisá-las, consigo identificar três sortes de categorias entre as mais tocadas. Meu pai distribui conselhos que pairam sobre dois vieses: discernimento e motivação.

O primeiro traz aconselhamento sobre a sensatez necessária para se encarar o dia-a-dia. Ataca a nossa capacidade de compreender pessoas e situações. Compõem esta categoria o clássico carioca “o mal do malandro é achar que todo mundo é otário”, para quando me sinto impotente diante de alguém mal caráter, e “tenha medo dos vivos”, quando cismava em temer almas penadas ou coisas do além e esquecia do perigo real. Além de “os covardes vivem muito”, o qual ouvi pela primeira vez ainda criança, ao expressar minha vontade de nadar na praia sem saber nadar. Agora, “os canalhas também envelhecem”, se mostra útil quando suponho que pessoas mais maduras são íntegras só porque apagaram mais velinhas.

Já o segundo vem despertar, em meu âmago, a vontade de ser uma melhor versão de mim. Como nas vezes em que demonstro preguiça e ele diz “camarão que dorme a onda leva”. Se preciso de um estímulo para pensar fora da caixa e exercitar a ousadia, meu pai garante que “quem anda na linha, o trem mata”. E há também um acalento para quando estou hesitante sobre sonhos, futuro e afins, afinal “o que é do homem, o bicho não come”.

Aliás, por ser muito popular, ele repete alguns dizeres sobre amizade que elucidam bastante os relacionamentos, em geral. O mais significativo seria o lema “amigo meu não tem defeito, inimigo, se não tiver, eu ponho” — que demonstra a importantíssima virtude da lealdade. Também adoro seu alerta fundamental sobre alguém abusado que “quer mais que o mundo acabe em barranco para poder morrer encostado”.

Devo dizer que a minha mãe não fica para trás. Só que seus clichês diferem por apelarem para uma abordagem mais digna de coaching. Conta historinhas inspiradoras desde que me entendo por gente. Como a do monge que empurrou uma vaquinha, única fonte de sustento do seu discípulo, para que ele rompesse com sua postura acomodada e prosperasse. Ela ainda possui algumas especiais frases de efeito, como a espetacular “se há a dúvida, então não há dúvida”. Esta, em especial, facilita, de forma drástica, o meu desespero com indecisão, uma vez que se estou em dúvida entre dois elementos, o que apareceu primeiro já não é o escolhido, senão não haveria espaço para o segundo me apetecer.

Esta genialidade do simples sempre me agradou, e tal admiração vem do meu apego a esses ensinamentos dos meus pais. Talvez porque eu seja uma pessoa que raciocina demais e que respira complexidade. Ver o mundo por um prisma modesto me encanta — e me acalma. Essa é a beleza do clichê, ele traz um saber que se entende por óbvio, mas, na verdade, é o que precisamos ouvir e considerar. Eles são definidos clichês justamente por tal banalidade. E por mais que os exemplares possam parecer conflituosos entre si, a questão sempre será circunstancial. Basta focar na mensagem aplicável no momento.

O apelo para esse arsenal cirúrgico de expressões me parece um caminho viável para descomplicar certos casos confusos que a vida traz. Eu utilizo todas essas frases para aconselhar os que me cercam. Eu utilizo todas essas frases para me aconselhar. Eu utilizo todas essas frases para agradecer aos meus pais pelas incríveis lições.

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Carolina Pinheiro
DOSE
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Internacionalista, mestre em Ciência Política, escritora e sonhadora profissional.