Sonhei que sonhar era útil

Por que sonhos são armadilhas apetitosas, bem como promessas de prudência

Carolina Pinheiro
DOSE
3 min readAug 9, 2018

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Eu sonho acordada. Nunca entendi muito bem o porquê, mas perco bastante tempo da minha vida dirigindo cenas imaginárias envolvendo personagens reais. Até porque leva uma questão de segundos para eu me teletransportar. Chega a ser viciante. Seja antes de dormir, esperando em uma recepção qualquer, ou indo para algum lugar… Em um momento, estou sentada no banco do carona, em outro já me encontro em um piquenique ouvindo tudo o que sempre quis ouvir de quem sempre quis ouvir.

É claro que o nível de detalhamento não pode ficar aquém. Todos os cenários são construídos com padrão hollywoodiano a fim de tornar a ilusão mais crível. Eu vejo cores, sinto texturas e avalio falas. Um capricho sem fim. Sigo o roteiro e vou até o final, não dá para cortar meu devaneio ao meio. Somente acordo para a realidade quando o delírio cumpre o que a minha mente deseja. A satisfação beira ao prazer físico. E olha que não costumo sonhar sonhos eróticos.

Essas pseudo-alucinações possuem uma lógica própria e, assim que se manifestam, eu entendo que devo me deixar levar para concluí-las e voltar ao cotidiano. Nada que dure mais que o momento de abstração da vez, evidentemente. Qualquer instante em que minha mente se desocupe é o suficiente para que eu sonhe acordada. E é tão bom se colocar onde quiser, sem limites para a imaginação, que eu nem sei.

Quando falamos sobre sonhos em um sentido mais prático, como objetivos e metas de vida, esse elemento de liberdade se perde quase integralmente. Traçar um plano para alcançar um querer exige muito mais do que a vontade. Não falo só das amarras do nexo e da coerência. Existe o determinar das possibilidades através de condições socioeconômicas. As oportunidades não são distribuídas de forma equitativa, o acesso a bens e serviços é excludente, nada novo sob o Sol. Não adianta fantasiar sobre algo que transcenda as circunstâncias já impostas. E não me venha apontar exceções. Elas até emocionam, mas não importam. Sorte e super mega ultra esforço pessoal são marginais. O todo permanece.

Essa amarga diferença entre os sonhos apagam a esperança e há quem prefira nem sonhar mais. Longe de mim dar discurso lua de cristal, tampouco promover a irrisória meritocracia. Contudo, acredito que o ato de sonhar faz bem à sanidade mental. Os sonhos colocam os fatos em perspectiva. Ajudam a refletir sobre o que é real, o que pode se tornar real e o que está fora de cogitação. Nada pode ser mais útil. Inclusive, vivemos nossa infância com todo tipo de aparato lúdico incentivando a imaginação e, fundamentalmente, os sonhos. De fadas a poções, passando pelo Papai Noel. Uma vez adolescentes, sonhamos com a fama e a independência absoluta. Depois, a vida adulta chega aos pontapés céticos para cima de tudo o que nos fazia livres para fantasiar.

Ainda que pareça compreensível, não devemos sucumbir. Como luz no fim do sonho, eu lhes apresento um formato que transmite mais responsabilidade: vamos conjecturar, minha gente! Se é de mais seriedade que precisamos para nos permitir a sonhar novamente, que seja. O importante é buscar aqueles mesmos recursos de tempos atrás. Afinal, somente através da imaginação que podemos planejar. E o planejamento é a marca registrada de quem amadureceu. Enfim podemos sonhar crescidos.

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Carolina Pinheiro
DOSE
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Internacionalista, mestre em Ciência Política, escritora e sonhadora profissional.