Como Entrei na UFMG com Chave de Ouro: Apendicite (não recomendo)

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
Published in
7 min readMar 1, 2020

Amanhã será o primeiro dia do meu segundo semestre na UFMG, o que significa que finalmente conhecerei meus calouros. Se estou feliz? Evidentemente. Para entrar no clima, resolvi encerrar o dia de hoje recontando uma história que, semestre passado, fez muita gente rir. Neste texto, usarei minha estratégia humorística predileta. Sim, ela mesma, a que eu vinha resistindo para não usar:

Autodepreciação.

Meu primeiro semestre na UFMG começou no dia 05 de agosto de 2019, com uma semana de recepção super tranquila, digna de deixar o Weintraub espumando. Mas, como eu não sou o Weintraub, devo admitir que adorei ter livre a primeira semana da universidade: duas festas, um dia de turistagem no Inhotim, gincana, oportunidade de fazer piada autodepreciativa na frente da turma inteira em troca de uma camiseta do Show Medicina… Juro, foi divertidíssimo.

Então as aulas começaram, passei uma semana tranquila, me adaptando à universidade, e estava pronta para mais uma semana maravilhosa. Eis que, na segunda quarta-feira de aula que tive na UFMG, meu apêndice ficou bravinho. Qual a relação disso com a volta às aulas? Bem, foi provavelmente o evento mais empolgante do meu semestre, e aconteceu justamente quando a aula tinha acabado de voltar, então… Yay?

Espera aí, eu sei que ninguém pediu pela fantástica história de como eu perdi meu apêndice, mas eu juro que ela é cheia de reviravoltas empolgantes. Não sei se vocês vão rir da história em si ou da minha cara, mas eu gosto de saber que as pessoas estão rindo, então fico feliz em ambos os casos.

Na madrugada daquela quarta-feira, acordei com uma dor difusa no abdômen. Foi difícil voltar a dormir, mas consegui. Deu 6 horas da manhã, acordei, a dor ainda estava lá. Eu frequentemente ignoro dores misteriosas, mas, apesar de anatomia não ser meu forte, eu sei que o abdômen tem vários órgãos que eu quero que funcionem direito, de tal forma que ignorar não era uma boa opção. Estava na hora de me tornar o Dr. House. Levantei na minha cabeça as possibilidades:

  • Cólica uterina (nah, dor difusa demais)
  • Cólica estomacal (idem)
  • Comi algo que não caiu bem (nah, 0 vontade de ir ao banheiro)
  • Cálculo renal (nah, a dor seria mais nas costas, e ela está bem na frente do abdômen)
  • Fadiga muscular (possível, tinha feito ballet no dia anterior, e bailarinas competentes dançam com os músculos abdominais contraídos, quem sabe eu não havia finalmente me tornado uma Marianela Nuñez?)
  • Apendicite (… quem sabe)

E, dado que eu não sou o House, precisei da ajuda do Google para obter mais possibilidades diagnósticas. A dita ferramenta de busca ofereceu mais uma hipótese:

  • Câncer

A possibilidade acima foi vista por mim com certo grau de ceticismo, de tal modo que a única resolução possível era fazer um experimento científico de alta meticulosidade. Tomem nota:

  • Hipótese positiva: é uma dor muscular
  • Hipótese negativa: é alguma outra coisa
  • Metodologia: tomar um relaxante muscular (coisa que nunca faço, mas era p̶a̶r̶a̶ ̶g̶a̶r̶a̶n̶t̶i̶r̶ ̶q̶u̶e̶ ̶e̶u̶ ̶n̶ã̶o̶ ̶e̶s̶t̶a̶v̶a̶ ̶m̶o̶r̶r̶e̶n̶d̶o̶ pela ciência)
  • Resultado: a dor continuou
  • Discussão: hipótese negativa se mostrou verdadeira, de noite eu vou para o hospital para cuidar da minha saúde conduzir mais experimentos

Aí vocês devem estar se perguntando: por que de noite? Porque eu tinha aula e horário marcado para fazer as unhas, e a dor era suportável (ao contrário da tentação de roer as unhas, que cresce exponencialmente com cada pelinha solta que aparece, e essas pelinhas, meu amigo, estão sempre abundantes no dia de fazer as unhas). Na realidade, fui para o hospital de consciência pesada, pronta para a dor ser uma bobagem. Já estava preparada para ser a próxima vítima de desabafos em grupos de médicos no Facebook, a mítica paciente que aparece no pronto socorro com demandas ambulatoriais. E aí fica uma reflexão: claro que deve ter muito paciente sem noção nos pronto socorros, mas como esperar que o paciente saiba se a demanda dele é urgente ou não? Apesar disso, fui pela ciência, já que meu experimento não tinha excluído a possibilidade de o Google estar certo em suas hipóteses apocalípticas.

Pois bem, fui ao hospital da Unimed aqui em BH (0 reclamações, se a Unimed me patrocinar eu edito este post e encho de elogios), e a triagem me colocou na mais baixa prioridade, já que eu só tinha um sintoma, e um sintoma particularmente banal. Por sorte, o hospital estava bem vazio, e o atendimento foi extremamente rápido. Foi uma trajetória bem simples: médico → exame de sangue → ultrassom → médico → internação → cirurgia. A odisseia toda durou 6 horas, porque a operação exigia 8 horas de jejum, e eu tinha comido um pão de queijo 2 horas antes no ICB. Inclusive, recomendo o pão de queijo da cantina do ICB-UFMG, bem como a maior parte dos pães de queijo que estão disponíveis para compra na UFMG.

Agora a breve interrupção para as lições importantes dessa história: enquanto fiquei plantada no hospital esperando a hora da cirurgia, resolvi matar o tempo na internet. Até cogitei a possibilidade de estudar, mas a dor no abdômen tinha começado a ficar consideravelmente irritante (o que me causou um arrependimento profundo, porque tinham me oferecido analgésico mais cedo), eu estava com sono, eu estava numa cadeira ótima para dormir, mas péssima para estudar, e, por fim, eu estava com um acesso no braço direito, mesmo sendo destra, porque fui otária e não pedi para o enfermeiro fazer o acesso do outro lado. Resumo da ópera: sem ânimo, irmão. Voltando à internet, ela é um lugar sombrio onde você fala “Estou com apendicite” e aparece um espírito de porco falando “Meu irmão quase morreu disso”. Sinceramente, isso não me afetou nem um pouco: qualquer doença e qualquer operação cirúrgica têm riscos, é óbvio que o irmão de alguém morreu de apendicite, porém ele é parte de uma minoria muito pequena, e provavelmente teve o azar de descobrir a inflamação muito tarde. Dado que eu tinha descoberto tudo num estágio muito inicial, eu precisaria de muito azar para ter problemas. Os próprios médicos que me atenderam disseram que faziam umas dez retiradas de apêndice por dia, então a minha maior preocupação era que eu estava começando a sentir fome. Até agora, o maior problema foi que precisei ficar quatro meses sem exercício físico, o que só piorou minha capacidade atlética, que sempre foi patética.

Voltando ao assunto da internet depois dessa tangente (desculpa), um dos amigos para quem eu contei que estava com apendicite me falou que tinha medo de ter apendicite e não descobrir a tempo, um medo que eu também tinha desde a infância. Basicamente, o apêndice é um resquício de seleção natural malfeita (tecnicamente não é malfeita, porque a seleção natural não tem um objetivo fixo, eu sei disso, deixa meu efeito dramático em paz) sem nenhuma função comprovada, mas ele pode inflamar e, se não for retirado, é praticamente uma questão de tempo até ele romper. Caso haja ruptura, costuma ocorrer uma infecção generalizada, o que não é exatamente o ideal. Desta maneira, gostaria de tranquilizar os meus coleguinhas paranóicos com um conselho: relaxa, seu corpo te dá dor para te proteger (fui mordida por um mosquito goodvibes hoje). Você vai sentir dor se tiver apendicite, e aí basta ter um mínimo de autocuidado e ir ao pronto socorro se estiver com uma dor súbita que não passa com remédios e que não tem explicação. Se a triagem funcionar bem, você só vai se consultar com o médico se seus sintomas forem relevantes e, se não funcionar, você vai perder um bom tempo na sala de espera, e esse é o pior que pode acontecer se seu caso não exigir atenção médica. Não sinta culpa por se preocupar consigo mesmo, a pergunta “Será que é grave mesmo?” cabe ao médico, não a você.

No fim dessa história toda, eu estou bem. Voltei rápido às aulas e passei muito ódio por ter sido proibida de abaixar, de carregar peso, e de andar longas distâncias nos primeiros dias. Foi ridiculamente chato, contudo prefiro o chato ao grave. Originalmente, eu considerei o cômputo da experiência algo positivo, hoje eu acho que ela ajudou um pouco a zoar meu ritmo de estudos semestre passado. A maior parte da culpa, de qualquer forma, foi minha.

Não, essa história não tem moral nenhuma. Eu só usei o fato de que ela ocorreu no início do semestre passado, e que estamos começando um novo semestre, para tirá-la da gaveta. Se você gostou, dê seu aplauso aí embaixo, e não deixe de me acompanhar nas redes sociais. E você, veterano/a, qual foi a experiência mais marcante do seu primeiro semestre? Para os calouros: desejo um ótimo início de curso! Espero que a experiência mais marcante do semestre de vocês seja mais divertida que a minha, e, se lá pela metade do semestre ainda não tiver acontecido nada marcante, me manda uma mensagem para a gente resolver isso com um dos meus lendários rolês aleatórios. Vou deixá-los com as fotos do início da minha vida de UFMG.

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