Liberal, as pessoas conhecem seu bom coração?

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
Published in
8 min readMar 22, 2020

Aqui em BH, as pessoas se isolaram em casa essa semana, o que, com toda sinceridade, é lindo de ver. Você, leitor, deveria estar em casa nesse exato instante, a menos que tenha algum motivo muito bom para sair. É só com o distanciamento social que conseguiremos amenizar a pandemia de Covid-19, e, mesmo assim, estaremos diante de uma tragédia. Por outro lado, somos seres sociáveis, que precisam uns dos outros. Independentemente do seu estado mental atual, você passará semanas — idealmente meses — isolado, e o isolamento é insalubre por definição.

O que eu tenho feito na quarentena (distanciamento social, se for para ser técnica)? Tentado seguir normalmente com a minha vida. Isso significa escrever com consistência, fazer exercício físico, e manter a dedicação — que comecei a adquirir só no início desse ano — ao programa de coordenadores do Students For Liberty. O pouco de rotina que consegui desenvolver nesses dias me levou a uma reflexão sobre isolamento e sobre política.

Eu nunca fui uma pessoa de me envolver fortemente com política, e este é o primeiro ano em que me aproximo mais disso — algo que eu nunca esperaria. Em janeiro, me envolvi em um projeto do SFL por motivos absolutamente bizarros, e, quando vi, estava envolvida com vários outros. Foi como descer uma ladeira e, eventualmente, perceber que, ainda que marginal, pode ser que eu consiga, um dia, ter um impacto no mundo em que vivo. Contudo, percebi o quanto nossas visões de mundo podem ter um outro lado. São todas capazes de construir ou destruir, de criar vínculos ou de aumentar ainda mais o isolamento e a alienação. Se a solidão já é uma reclamação frequente entre millennials e zoomers, e se passaremos os próximos meses em casa para conter uma pandemia, fica claro que não podemos arriscar a perda de vínculos. E, se a política pode ter esse efeito, por que correr riscos participando dela?

Eu concordo que envolvimento político é algo assustador, razão pela qual evitei tê-lo por um bom tempo. Ingressei no SFL em abril do ano passado, e só agora me sinto realmente engajada. Mas, então, por que continuei? Justamente pelos vínculos: é maravilhoso poder conhecer pessoas com quem me identifico ideologicamente. E não me entendam mal, tenho discordâncias — às vezes fortes, às vezes fracas — com boa parte dos liberais que conheço, mas eu tenho feito amizades muito especiais dentro do liberalismo. E, sim, você pode argumentar que estou fechada numa bolha (o que não é o caso — quem me dera fosse), e eu posso contra-argumentar que isso não necessariamente é um problema. Posso, então, concluir, definitivamente, que política é uma experiência agregadora para minha vida social?

Hahahaha…

Não.

Um spoiler: tem sido uma experiência muito agregadora, porém isso é recente. Eu diria que, até bem pouco tempo atrás, era justamente o contrário, e, mesmo no momento em que estou hoje, sinto que eu escolhi uma visão política um pouco solitária. Meus colegas de sala devem me achar sem coração, e meus pais já me chamaram de comunista algumas vezes, quando, na verdade, eu só quero que casais gays possam legalmente proteger suas fazendas — com fins lucrativos — de maconha com armas. Não é que eu seja isenta ou centrista, tenho posicionamentos fortes, mas que só recentemente têm se tornado mais aceitáveis. E por que, até bem pouco atrás, eu considerava a política deletéria para as minhas amizades?

E quero chegar aqui em algumas orientações que tenho tido vontade de dirigir a meus colegas no liberalismo e no libertarianismo (mas elas valem, sinceramente, para pessoas também de outras orientações): você não precisa se envolver com política, mas você que se envolveu não pode deixar que ela te isole. Muitos novos coordenadores ingressaram no SFL semana passada, e, como estamos todos isolados em casa, o WhatsApp e os Hangouts estão mais ativos que a média. Se tem algo que vi sendo discutido com frequência é a pergunta que todo liberal já se fez: por que o liberalismo é tão pouco popular no Brasil? E como eu faço para converter esse soça/reaça?

Minha resposta: você não deveria estar preocupado com isso. Essa é uma reflexão que eu já vinha desenvolvendo há um tempo, mas definitivamente solidifiquei a ideia na minha cabeça depois de ter recebido este texto pela newsletter do SFL. Recomendei sua leitura a várias pessoas (e, deixando no ar, adoraria receber uma caixa de chocolates do time de comunicação do SFL como agradecimento pela divulgação), e, em suma: você dificilmente terá sucesso na sua empreitada de trazer pessoas para o seu lado se sua estratégia for entrar em discussões com os soças ou com os reaças, como se eles fossem seus inimigos. Se quiser argumentos eloquentes para isso, vou recomendar este outro texto, mas, se quiser uma experiência pessoal, deixa eu te contar minha história recente.

Eu não sou um exemplo de paz de espírito, e, até semestre passado, agi de maneira diametralmente oposta à que estou aqui defendendo. Uma das disciplinas que tive em meu primeiro período foi a de ciências sociais aplicadas à saúde. As turmas eram pequenas, e os temas abordados frequentemente rendiam discussões, das quais eu participava avidamente. Entrei em debates calorosos sobre tudo o que se pode imaginar: indústria farmacêutica, humanização da medicina, construção social da doença, gênero, medicina alternativa (ou complementar, se você quer chamar assim), saúde mental… O que descobri ao fim do semestre é que eu tinha feito fama entre as turmas do primeiro ao terceiro período — especialmente após minha discordância ferrenha, que ainda mantenho, da presença de medicina alternativa no SUS —, e, no começo desse ano, um calouro me contou que também tinha ouvido falar de mim. Em suma: para uma parcela — não sei se grande ou pequena — do ciclo básico da medicina UFMG, eu sou basicamente uma filha bastarda de Richard Dawkins com, sei lá, algum membro aleatório do Partido Novo.

Vejam bem, eu não fiz minha carreira de tretas com base em política, e, mesmo assim, não escapei de rumores de que sou anarcocapitalista (acho o Ancapistão uma utopia ou uma distopia, depende do meu estado de espírito, e sou pragmática demais para lutar por qualquer uma dessas opções) ou bolsominion (eu chamei o Meirelles nos dois turnos, o que significa que meu voto foi nulo no segundo). Eu defendi minhas posições da maneira mais firme e agressiva possível — se, afinal, eu evidentemente estou certa, por que ser diplomática em minha defesa? —, e do que isso me valeu? Eu mudei a opinião das pessoas? Ou mudei a opinião das pessoas sobre mim?

Esta não é uma história triste, ou eu não estaria escrevendo este texto. Pelo contrário: é uma história feliz. É a história de como, de fato, eu sinto que minhas posições políticas me alienaram de boa parte dos meus colegas de faculdade no início, porém eu não senti que esse efeito se estendeu para o segundo período (mesmo que as atividades da UFMG tenham cessado após menos de um mês de aulas, graças ao SARS-CoV-2). Pelo contrário, foi quando voltei a ouvir um comentário que já vinha ouvindo há certo tempo:

Você é legal, Amanda. Eu achava que você seria [insira aqui algum adjetivo que se relacione à ideia de que eu não tenho um coração]

Isso, em conjunto com o momento que tenho vivido, me fez perceber que eu estava fazendo as coisas na ordem errada: eu estava expondo minhas ideias antes de expor meu coração. Independentemente das suas crenças, essa é uma péssima estratégia, mas creio que ela seja pior ainda para nós, liberais. Boa parte dos filósofos que seguimos são fissurados em lógica, todos são individualistas, alguns são assumidamente egoístas. Pensem bem: vocês acham que isso convence quantas pessoas? Se ao presenciar uma discussão sobre direitos de minorias você apenas estufar o peito para gritar que a menor minoria da Terra é o indivíduo, a quantas pessoas você vai convencer? Não seria melhor que você começasse a discussão mostrando o quanto se importa com essas questões? Você se importa com elas, então por que fazer delas uma fraqueza em vez de uma força?

Nos últimos dias, postei mais do que a média sobre liberalismo no meu Instagram, depois de meses tentando ao máximo me afastar da política nas minhas publicações. Eu tinha medo de receber linchamento, então fiz nas redes o que não fiz na vida: construí primeiro a imagem de uma pessoa doce e gentil — que eu realmente sou, pode perguntar para os meus amigos —, para depois trazer conteúdo sobre minhas ideias. De fato, creio em coisas que não são tão palatáveis à primeira vista, mas o que eu desejo é o mesmo que qualquer ser humano deseja: o bem da humanidade. E, para minha surpresa, o que recebi de reações oriundas de não liberais foram discordâncias saudáveis e — fiquei pasma — um pedido de sugestões de leitura sobre liberdade.

A mensagem que deixo, portanto, a meus colegas liberais é: saiba que a melhor maneira que você tem para convencer as pessoas é demonstrar que você tem muito mais em comum com elas do que você mesmo imagina. Você e seu oponente desejam coisas boas um ao outro, por mais que isso não seja óbvio no primeiro momento. Dentro da crença na liberdade está a crença na liberdade do outro de discordar de você, e é natural que você assuma uma postura defensiva diante das discordâncias. Se, afinal, você não acreditasse mesmo no liberalismo, por que você seria um liberal? Você acredita que está certo, não te peço para abrir mão de suas convicções — eu mesma não abro mão das minhas —, mas entenda que o outro tem também os motivos dele para acreditar no que acredita, e, sobretudo, que ele tem boas intenções. Não deixe, tampouco, que ele esqueça que você também tem. E, por último, lembre-se: quando você é um mau vendedor para a liberdade, não está prejudicando apenas a imagem que as pessoas têm de você: o liberalismo também sofre ao ser associado a Amandas verborrágicas em aulas de ciências sociais.

Para terminar, deixo aqui a imagem de duas peças de decoração que deixo na minha mesa de trabalho: a estatueta de Atlas — presente de um dos meus melhores amigos, um liberal desengajado, em referência à filósofa libertária Ayn Rand — e o desenho. Esse desenho foi presente da minha melhor amiga. Quando viajei para visitá-la, junto com outras duas amigas, ela tinha feito um desenho de cada uma de nós, colocando em cada um deles um adjetivo que ela associava a cada amiga. E o meu foi… Consideração. A posição política dessa amiga? Esquerda. Ferrenhamente. Se eu a amo sequer um milhonésimo a menos por causa disso? Jamais.

Liberal, não se isole na política. Você tem um bom coração: deixe que as pessoas saibam disso.

Obrigada por ler esse texto! Mais do que nunca, adoraria saber sua opinião. Você que é liberal: como tem sido sua defesa do liberalismo? Você que não é liberal: qual a visão que os liberais te passam do movimento?

Se gostou, deixe aqui seu aplauso (de 1 a 50), e me siga nas redes sociais. Tenho postado conteúdo todos os dias, especialmente no Instagram. E, caso tenha gostado de me ver abordando política, existe uma grande chance de você gostar de acompanhar o trabalho do Students For Liberty Brasil como um todo. Um abraço e, nesse tempo de Covid-19, fique em casa.

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