O Sofrimento é Solitário… E Isso Está Certo?

Amanda de Vasconcellos
O Prontuário
Published in
7 min readFeb 16, 2020

Semana passada, alguém me disse que esperava que eu publicasse todas as semanas, pois esse alguém gostou muito dos meus últimos textos. Se eu me lembro quem foi? Não. Se isso faz de mim um péssimo ser humano? Sim. Se eu devo um pedido de desculpas a esse alguém? Sim. Então eu te peço: Alguém, identifique-se. Sou genuinamente grata por sua apreciação. Vamos sair para tomar um café (sério).

Inspirada por Alguém, sentei para escrever este texto. Aí vem a parte legal: eu estava sem ideias de escrita. Claro, eu poderia escrever sobre a minha vida, mas isso não seria exatamente interessante… Eu acho. Alguém aqui gostaria de ouvir sobre a minha vida? Minha semana? Passei a semana trabalhando num projeto, tendo mini crises de ansiedade todas as vezes em que tive que fazer contatos relacionados ao dito projeto (mas eu tenho quase certeza que me saí bem), e fazendo pausas periódicas para mergulhar na Síndrome do Impostor. Se alguém se interessar, eu posso escrever um texto sobre isso, adoro ser cínica sobre as minhas próprias dificuldades.

Então, me veio a ideia: sejamos metalinguísticos, hoje eu vou falar sobre meus excelentes hábitos autodepreciativos. Vejamos, minha ideia não é expor para toda a internet quais são os meus problemas, e como eu me sinto, e os meus anseios, e todas essas outras coisas que eu não contaria nem para minha mãe (desculpa, mamãe). Por outro lado, qualquer um que conversa comigo sabe que eu frequentemente faço piadas às minhas próprias custas. Por que eu faço isso? Porque é fácil. Quem não gosta de rir? Fazer as pessoas rir é uma habilidade útil, e evidentemente é mais fácil fazer piadas sobre temas com os quais estou bem familiarizada. Estando eu bem familiarizada com meus problemas, eu adoro rir deles. E não sou a única: parece que esse é um fenômeno universal aos millennials e zoomers.

Se minha ideia, então, não é falar dos meus problemas, ao mesmo tempo em que eu adoro falar deles em tom humorístico, qual é a minha ideia? É a mais básica possível: eu quero constatar que tenho problemas. Essa é uma afirmação óbvia, mas ninguém olha para as pessoas ao seu lado e pensa: “Puts, esse cara tem problemas”. Certo, as dificuldades alheias certamente não deveriam ser nossa primeira preocupação ao conhecer novas pessoas — acho que isso seria, inclusive, desesperador —, porém nós nos esquecemos totalmente que sofrer é uma experiência compartilhada.

Vamos fazer um exercício simples. Imagine que você está extremamente nervoso com alguma coisa. Pode ser um encontro, uma entrevista de emprego, uma mudança, pode escolher seu gatilho preferido. Nesse acesso de nervosismo, você está em seu quarto, com seu celular na mão, ocupado com sua modalidade preferida de procrastinação — YouTube, Twitter, Instagram, Facebook, Candy Crush, eu acredito em dar às pessoas liberdade de escolha —. No instante seguinte, um amigo especial para você te envia a mensagem: “Cara, preciso te contar uma história”. Você, nervoso, vai responder imediatamente ou deixar para ouvir a história mais tarde? Mais tarde, certo? Parabéns, você acaba de se isolar.

Não achei o tweet original… De novo. Está escrito: “Desculpa por ter te ignorado por 3 semanas, eu estava me isolando para lidar com a minha ansiedade e isso 100% vai acontecer de novo entre 5 e 7 dias úteis”.

Não se sinta julgado, eu sempre faço isso (desculpa, amigos, vamos sair para tomar um café e resolver essa situação?). Todo mundo faz isso, ou não teriam feito até mesmo camisetas com esse tweet. É claro que eu não posso vir aqui e dar uma explicação categórica para esse fenômeno, mas eu tenho uma hipótese nada arrojada. Por ser uma hipótese simples, vou evocar falaciosamente a Navalha de Occam e desenvolver meus argumentos pressupondo a veracidade da seguinte hipótese: e se nós tivermos essa tendência ao isolamento para evitar compartilhar o sofrimento?

Confessar aos outros as nossas dificuldades é algo naturalmente desconfortável, e certamente não é desejável que o façamos a todo tempo. Se, por exemplo, eu estiver nervosa com a aproximação de uma prova, não vejo porque esconder isso, por exemplo, do meu pai (embora eu esconda… Desculpa, papai). Por outro lado, por que eu deveria chegar para um colega de sala com o qual não tenho intimidade e fazer um desabafo imenso sobre como essa matéria é difícil para mim, sobre como estou gerenciando mal meu tempo, sobre como estou com um problema pessoal que tira meu foco, ou seja lá o que for que esteja me causando nervosismo?

Certamente, a nossa tendência de mascarar fraquezas deve ter até mesmo uma função evolutiva. Imagine você, na selva, competindo por comida e por parceiros reprodutivos, dizendo para seu concorrente que você está com um problema no joelho? Decerto, caso ele eventualmente precise tirá-lo do jogo, já sabe qual o melhor lugar para te atacar. Da mesma maneira, caso você esteja competindo com um colega de trabalho por uma promoção, é melhor que ele não saiba que você anda perdendo o sono. Afinal, o que lhe garante que ele não tentará espalhar rumores sobre como sua falta de sono pode estar atrapalhando suas decisões? A própria definição de fraqueza já sugere que seja prudente escondê-las… Ao menos de nossos competidores.

Entretanto, é aí que pode estar o nosso maior erro: será que o coleguinha do nosso lado realmente é nosso competidor? Será que nosso mundo é realmente um jogo de soma zero? Será que nosso fracasso é necessário para o sucesso alheio? Ou será que nosso sucesso é capaz de melhorar a vida das pessoas ao nosso redor? Para reflexão, vou deixar abaixo dois vídeos, que você não necessariamente precisa assistir.

Mesmo na época em que a humanidade vivia escassez constante de recursos, as pessoas já ajudavam umas às outras, e…
… hoje em dia, em que os recursos são bem menos escassos, ajuda mútua se tornou algo ridiculamente benéfico.

Creio, então, que na maioria das situações, nossa relação com outros seres humanos é (ou deveria ser) mais definida por cooperação que competição. Portanto, não faz sentido que fiquemos constantemente em posição defensiva, mascarando nossas fraquezas como se fosse imenso o risco de que elas sejam usadas contra nós. Uma boa regra seria, pois, admitir fraquezas, a menos que a situação fosse competitiva. A maior parte das pessoas deve concordar com a visão de que tendemos a ter mais amigos que inimigos, certo? Nesse caso, por que ainda escondemos nossas dificuldades? Por que não admitimos nossos anseios mesmo àqueles que mais nos são queridos?

Aqui, entro novamente no território da especulação — do qual, diga-se de passagem, nunca saí —. Será que nossa tendência à secretividade é algo inato ou algo aprendido? Meu palpite: algo aprendido. Minha evidência: olhe ao seu redor. Já perdi as contas de quantos dos meus amigos reclamam de solidão, e isso enquanto — evidentemente — estão falando comigo. Por que essas conversas não são suficientes para aliviar a solidão? Uma das TED Talks mais assistidas é sobre vulnerabilidade (aviso: não a assisti, então não posso falar especificamente sobre ela). Será que isso não estaria dizendo para nós que as pessoas procuram por conexões? Será que nós não estamos tentando ser mais vulneráveis?

Minha resposta: provavelmente, estamos sim, contudo nada disso é fácil. No mesmo momento em que escrevo sobre como escondemos nossas fraquezas, estou escondendo as minhas. Não faço o tipo blogueirinha, que posta todos os dias sobre como tenho uma vida perfeita. Lembram do que falei lá em cima? Meu humor é autodepreciativo. As pessoas sabem que sou tão humana quanto elas, tão cheia de dificuldades quanto elas, mas será que eu teria coragem de falar abertamente sobre isso? Não. Aliás, não tenho. Tenho inúmeros anseios que gostaria de compartilhar com meus amigos — até escrevi alguns deles —, e é provável que eu jamais o faça. E será que estou ganhando algo com isso? Resposta: não faço ideia. Tenho dois jeitos para descobrir se seria vantajoso demonstrar vulnerabilidades para meus amigos: eu poderia testar, ou eu poderia pesquisar estudos científicos sobre o tema. Não tenho disposição para testar, e não tenho paciência para pesquisar. Sim, eu escrevi esse texto todo para chegar à conclusão de que não tenho uma resposta.

No entanto, acho que está aí a reflexão. Nós guardamos aquilo que nos faz sofrer, e, mesmo que digamos abertamente que estamos frustrados, dificilmente diremos por que nos sentimos assim, e dificilmente diremos precisamente quais sentimentos nos estão sendo incitados pelos percalços da vida. O resultado: temos, racionalmente, a consciência de que todos os seres humanos sofrem. Cada um carrega sua cruz, cada um passa por suas dificuldades. Mas se agimos em conformidade com a ciência desse aspecto comum à humanidade? Não. Muito pelo contrário: agimos como se o sofrer fosse apenas nosso, o que causa solidão e dificulta a conexão com outras pessoas. E o problema da falta de conexão não é apenas nosso: isso provavelmente nos faz perder tato na hora em que temos de dar suporte àqueles que amamos, e — veja só! — nossa dificuldade de dar suporte apenas aumenta o isolamento. Será que os momentos de dor não são aqueles nos quais mais deveríamos trabalhar para fortalecer nossos laços? Não são esses laços que podem nos poupar do sofrimento futuro? Então… Sim, sofrer é uma experiência solitária, mas precisa ser assim? Deveria ser assim?

Peguei uma foto triste na internet, porque não tinha nenhuma foto triste de mim mesma. Não acho que eu esteja errada em não tirar fotos tristes, mas acho que isso pode ser um pouco correlacionado com o ponto principal desse texto: nós não compartilhamos nossos infortúnios.

Obrigada por ler esse texto! Se gostou, não deixe de deixar seu aplauso (de 1 a 50) aqui embaixo. Eu gostaria de saber sua opinião sobre esse tema… Você costuma expor suas fraquezas? O quanto você tem consciência das fraquezas alheias? Você acha saudável a relação que temos com a vulnerabilidade?

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